A Saúde e a “re-redemocratização” do Brasil

Nísia Trindade e Fernando Pigatto, diretor do Conselho Nacional de Saúde, reafirmam a centralidade da saúde para a reconstrução da democracia. Na 17ª Conferência, exaltam a volta da participação popular como superação do período de trevas do bolsonarismo

por Gabriel Brito, Outra Saúde

A 17ª Conferência Nacional de Saúde é o grande fato político da Saúde no mês de julho, e a reunião dos milhares de delegados nomeados nas etapas municipais e estaduais é um rico retrato de toda a diversidade de demandas que pairam sobre o governo Lula. Uma miríade de reivindicações ficará sob a guarda do ministério da Saúde, que deverá traduzi-las no Plano Plurianual, a ser entregue no fim de agosto, a fim de definir parâmetros orçamentários para as políticas públicas essenciais ao país nos próximos quatro anos. Haverá espaço para o seu florescimento, no período pós-governo Bolsonaro de destruição do Estado, que além de tudo fortaleceu o fisiologismo na política? Haverá espaço, com tantos ataques vindos da saúde de mercado?

Nesse sentido, o Centro Internacional de Convenções do Brasil retrata um clima de euforia, percebido dentro do próprio Estado brasileiro, que coloca peso sobre o evento, repleto de autoridades que vão além do campo da saúde. Enquanto isso, o ministério da Saúde segue a apresentar iniciativas que concretizam o fortalecimento do SUS, como foi o caso das duas portarias assinadas nesta segunda pela ministra Nísia Trindade, que recuperam orçamentos destinados à saúde mental nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT). Somados, receberão pouco mais de R$ 400 milhões para operarem seus serviços até o fim de 2023.

Como resumiu a ministra em coletiva na manhã desta segunda, 3/7, “vemos aqui o espírito da 8ª Conferência Nacional de Saúde, que colocou o país no caminho da democracia e fez do SUS uma de suas contribuições”. A referência ao encontro realizado em 1986 não é vã. Ao falar em retomada, Nísia mencionou a “ruptura democrática de 2016”, com todos os reflexos visíveis no desmonte do Estado brasileiro, contexto que foi amplamente dramatizado com a eleição de Bolsonaro e o advento da pandemia.

Conhecedora dos caminhos e atores que levaram à construção do SUS, Nísia saudou o avanço da democracia no país, o que se reflete na própria Conferência, muito mais plural do que em suas edições anteriores. “No início, só participava a alta cúpula do ministério. Essa ideia de uma participação social ativa, como é hoje, muito maior e mais diversa, vem do processo de redemocratização do Brasil em 88. Realmente é retomar esse espírito, que é o espírito do SUS e da democracia, com muita participação social”.

“Como ensinou Sergio Arouca, saúde não é só o contexto de ausência de doença. É todo o ambiente no qual se está inserido. É o bem estar completo da pessoa. Para dar um exemplo, como vamos tratar da violência nas escolas, como se vê agora, sem entrar no tema da saúde mental?”, indagou Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde, também presente na coletiva, que ainda reuniu Helvécio Magalhães (secretário de atenção especializada) e Sonia Barros (diretora de saúde mental do ministério).

Em sua visão, o traumático processo político vivido no Brasil dos últimos anos aprofundou tal visão até naqueles que já estavam inseridos na luta pelo direito à saúde.

“Mesmo o Conselho Nacional de Saúde não é o mesmo depois de 2016. Ampliamos a compreensão do nosso papel e da necessidade de radicalizar a democracia. Políticas econômicas, de acesso ao trabalho, entre outras, produzem saúde. Como vamos chegar a investimentos públicos de 6% do PIB ainda neste governo sem falar de reforma tributária? Como falar de direito à saúde sem resolver a questão da fome?”, completou Pigatto.

Ao assinar as portarias que recuperam orçamentos da saúde mental, Nísia seguiu a linha de Pigatto e evidenciou que o direito à saúde só poderá ser contemplado com a construção de uma sociedade de bem estar social.

“A pauta de saúde mental é hoje discutida em todo o mundo. Não está referida só ao efeito da pandemia. Tem muito a ver com a solidão com que as pessoas vivem hoje, com o individualismo crescente que se manifesta na dificuldade de ter relações sociais, nisso que hoje se chama de efeito tóxico da comunicação só pelas redes sociais”, explicou a ministra.

“Eu sou gestor ambiental”, completou Pigatto, “estou no Conselho Nacional de Saúde como representante da Confederação Nacional de Associação dos Moradores, que reúne moradores de bairros, comunidades e vilas do país. Porque o que acontece nesses lugares, um problema de saneamento ou na escola local, vai afetar a saúde de pessoas que moram ali. A discussão de saúde só pode ser integrada a outros temas”

O direito à saúde se tornou um eixo mobilizador da política brasileira. O encontro em Brasília não é uma morosa série de debates técnicos sobre a prestação de serviços a um cidadão-cliente. A 17ª Conferência Nacional de Saúde consagra o tema como parte de todo um amplo debate sobre os dilemas civilizatórios do Brasil e do mundo contemporâneos.

Foto: Conselho Nacional de Saúde

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