Pecuarista paraense entra na mira da PF contra o terrorismo

Presidente do Sindicato Rural de Marabá, Ricardo Guimarães foi preso por suspeita de financiar atentado no aeroporto de Brasília; ele foi vice-prefeito de Itupiranga (PA), onde administrava fazenda multada por desmatamento e trabalho escravo

Por Katarina Moraes e Tonsk Fialho, em De Olho nos Ruralistas

A tentativa de atentado a bomba no Aeroporto Internacional de Brasília, em 24 dezembro de 2022, pode ter sido financiada por líderes ruralistas do Pará. É o que aponta a Operação Embarque Negado, da Polícia Federal (PF), que cumpriu seis mandatos de prisão nesta quinta-feira (06). Em Marabá (PA), a operação teve como alvo a residência do pecuarista e empresário Ricardo Guimarães de Queiroz, preso em flagrante. Em sua casa foram apreendidos dois revólveres sem registro de posse e munição.

Vice-prefeito de Itupiranga (PA) entre 2017 e 2020 na chapa de José Milesi (MDB), Guimarães preside o Sindicato dos Produtores Rurais de Marabá. Ele foi denunciado no ano passado pelo Ministério Público Federal (MPF) por incitar as manifestações golpistas que bloquearam estradas por todo o país contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O pecuarista foi apontado como um dos organizadores do acampamento golpista montado em frente ao 52º Batalhão de Infantaria de Selva, em Marabá, onde ele e outros membros do sindicato distribuíram carne para os mega-churrascos organizados à beira da Rodovia Transamazônica.

À época, ele convidou, em vídeo, os produtores rurais e “pais de família” para integrar o bloqueio das estradas: “Já recebemos ordem judicial e não respeitamos ela. Vamos estar aqui, presentes, hoje e amanhã. Já recebemos doação de comida, tem churrasco, tem bebida. Estamos precisando do povo, que não entrega o país na mão de um ladrão, na mão da corrupção”. A convocação foi feita diante de uma fila de pneus em chamas.

Os demais alvos da operação foram Josi Paula Koch Oliveira de Souza, Rogério Oliveira Neves, Kleber Mendes Pessoa e o casal Elton Jorge Pereira e Adriana Hanae Izawa, investigados por ter financiado o transporte para Brasília dos terroristas George Washington de Oliveira Sousa e Alan Diego dos Santos Rodrigues — condenados pela Justiça — e de Wellington Macedo, ex-assessor de Damares Alves. Macedo está foragido desde dezembro, refugiado em uma fazenda, como ele mesmo contou em entrevista à Folha.

A investigação adiciona um novo capítulo sobre a participação do agronegócio nos atos terroristas. Em maio, De Olho nos Ruralistas publicou o dossiê “As Origens Agrárias do Terror”, mostrando a conexão de George Washington com os pecuaristas Bento Carlos Liebl e Ricardo Pereira da Cunha. A publicação foi levada à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de Janeiro, durante sessão de inquérito com o terrorista, em 22 de junho. Os dados basearam dois requerimentos da deputada Duda Salabert (PDT-MG), que pedem a convocação de Liebl e Cunha.

SENADOR ZEQUINHA MARINHO SE DIZ AMIGO DO PECUARISTA PRESO

Nascido em Carmo do Paranaíba (MG), Ricardo Guimarães possui um dos maiores rebanhos de gado de Itupiranga. Em 1992, tornou-se “cidadão itupiranguense” e, em 2017, “cidadão do Pará“, em decreto assinado pelo deputado estadual Raimundo Santos (PSD).

O bolsonarista foi dono de uma rede de televisão em Marabá, a R. R. Rede Comunicação, junto ao então sócio Raimundo de Oliveira Filho, um ex-superintendente regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), condenado por improbidade administrativa em 2017 pela Justiça Federal. De acordo com o processo, Raimundo liberou R$ 1,9 milhão em verbas públicas para uma empresa recuperar vias não pavimentadas e pontes em assentamentos. O serviço jamais foi entregue.

Em sua prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2016, Ricardo declarava ser dono de outra empresa, a R G de Queiroz Ltda, com sede em Itupiranga. O mesmo CNPJ declarado pelo líder ruralista aparece em nome da Gar Lucena Agropecuária, que tem como sócio o fazendeiro José Maurício da Silva Lucena. Em 2019, o pai e o irmão de Maurício, José Iran da Silva Lucena e Matheus da Silva Lucena, foram presos pela Delegacia Especializada em Conflitos Agrários (Deca), apontado como o chefe de uma milícia rural armada que atuava contra posseiros e sem-terra no sudeste do Pará.

As conexões de Ricardo Guimarães não impediram que ele fosse homenageado publicamente no Senado. Na última quarta-feira (04), o senador Zequinha Marinho (Podemos) cumprimentou o bolsonarista no plenário, ao divulgar a Feira de Exposição Agropecuária de Marabá (Expoama). “Eu quero aqui cumprimentar o presidente do sindicato rural de Marabá, nosso amigo e produtor rural, Ricardo Guimarães, o seu vice-presidente, o nosso querido Nenê do Manelão, toda a diretoria do sindicato, assim como também da Expoama”, disse.

O senador paraense esteve no evento de abertura da Expoama, uma cavalgada realizada no sábado. De Olho nos Ruralistas estava lá. Ele parou em frente do Atacadão, na Rodovia Transamazônica, para ser homenageado pelos participantes. Em conversa com populares, minimizou o sofrimento dos cavalos em anos anteriores, quando ainda não tinham sido proibidas as esporas e as charretes: “É tudo reta”, avaliou. “O que não pode é usar o cavalo até a sexta-feira e trazer o bicho aqui para a cavalgada no sábado”.

Foi Zequinha quem deu o aval, em novembro de 2022 — um mês antes do atentado frustrado ao aeroporto de Brasília — para que George Washington participasse de uma audiência pública no Senado, organizada por Eduardo Girão (Novo-CE), onde os participantes questionaram o sistema eleitoral e pediram um golpe militar.

Nenê do Manelão, citado por Zequinha, é o apelido de Antônio Vieira Caetano. Ele e Ricardo são citados no mesmo processo do MPF sobre os atos terroristas. Uma medida cautelar impediu que os dois fizessem postagens em redes sociais “voltadas a conferir descrédito ao sistema eleitoral brasileiro”, sob pena diária de R$ 100 mil.

ACUSADO TEM HISTÓRICO DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS E TRABALHISTAS

Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) mostram que Ricardo Guimarães possui duas fazendas no Pará: a Escondida, de 4,1 mil hectares, em Itupiranga, e a Boa Esperança, de 2 mil hectares, em Marabá. Segundo o  Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Marabá era, até 2002, o administrador da Fazenda Santa Luzia, também em Itupiranga.

Em outubro daquele ano, Ricardo recebeu uma multa de R$ 27,5 mil pela derrubada de árvores nativas em 91,96 hectares de área de proteção ambiental do imóvel. Ele recorre até hoje da autuação, alegando não ser o proprietário das terras. O imóvel está registrado no Incra em nome de Paulo Veloso dos Santos, um produtor de café de Minas. Em 2016, ele doou R$ 3 mil para campanha de José Milani à prefeitura de Itupiranga, na qual Guimarães foi eleito vice-prefeito.

Ainda em 2002, a Fazenda Santa Luzia recebeu um auto de infração do Ministério do Trabalho por manter os empregados em condições insalubres. Uma vistoria presencial do órgão constatou que os trabalhadores da fazenda eram privados de descanso semanal remunerado, assistência médica, ferramentas necessárias para exercício das atividades, primeiros socorros ou condições de água apropriada para o consumo humano. Eles também tinham os salários retidos e eram mantidos em alojamentos sem privacidade.

DOSSIÊ MOSTRA AS ORIGENS HISTÓRICAS DO TERRORISMO DE 2023

Ao longo das décadas, foram múltiplas ações violentas encabeçadas por atores do agronegócio que podem ser enquadradas como precursoras do terrorismo agrário. Um desses episódios foi o “Leilão da Resistência”: em 07 de dezembro de 2013, em Campo Grande, produtores sul-mato-grossenses arrecadaram R$ 640,5 mil para resistir, com armas, contra as retomadas Guarani Kaiowá no Sul do estado, emulando as táticas de arrecadação adotadas nos anos 80 pela União Democrática Ruralista (UDR), também destacadas no dossiê “As Origens Agrárias do Terror“.

A temática indígena foi o principal motivo da ruptura da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) com Dilma Rousseff, após o governo autorizar, em 2012, uma inédita ação de desintrusão, na Terra Indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso. Líderes do setor promoveram um estardalhaço midiático, condenando a política fundiária do governo. Insatisfeitos com a petista, os ruralistas se fixaram como oposição dentro e fora do Congresso. Dos 367 votos favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff, como mostrou o De Olho nos Ruralistas, fundado naquele ano, metade saiu de deputados filiados à frente da agropecuária.

Com a ascensão de Michel Temer (MDB) ao poder, o alinhamento entre ruralistas e governo foi automático. Durante seu governo, o Brasil saltou à primeira posição no ranking mundial de países mais perigosos para atuar em defesa da terra, das florestas e rios. Segundo a ONG Global Witness, um quarto (57) dos assassinatos por conflitos no campo registrados em 2017 ocorreu no Brasil. O período teve um recorde histórico de conflitos no campo — 1.547 registros em 2018, segundo o relatório Conflitos no Campo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Esse número foi ultrapassado durante o governo de Jair Bolsonaro, em 2020, com 2.054 conflitos.

Esses casos incluíram uma proliferação inédita de atentados cometidos contra o patrimônio e os servidores de órgãos ambientais e indigenistas. Em julho de 2017, madeireiros atacaram uma carreta que transportava caminhonetes do Ibama em Novo Progresso (PA), para impedir que os veículos fossem usados em ações de fiscalização. Três meses depois, em 27 de outubro de 2017, criminosos incendiaram as sedes do Ibama e do Instituto Chico Mendes em Humaitá (AM), em represália a uma operação de combate ao garimpo ilegal no Rio Madeira.

Ainda em 2018, pouco tempo após a vitória eleitoral de Bolsonaro, em 22 de dezembro, foi a vez da Fundação Nacinal dos Povos Indígenas (Funai), na época Fundação Nacinal do Índio — que já tinha sido alvo, em dezembro de 2013, de ataques com coquetel molotov, em Humaitá.

Conheça o histórico completo do terrorismo agrário no Brasil lendo o dossiê. Clique aqui para baixar.

Foto principal (Divulgação/SPRM): Ricardo Guimarães foi preso em operação da PF como suspeito de financiar terroristas

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