Beiradeiros do Riozinho do Anfrísio (PA) lançam Protocolo de Consulta em Altamira

Documento estabelece regras para governo ou empresas que queiram fazer atividades que impactem seu território

ISA

Os beiradeiros da Reserva Extrativista (Resex) Riozinho do Anfrísio, da região de Altamira (PA), lançam nesta sexta (14/7), às 14hs, seu Protocolo de Consulta.

O documento é fruto de um processo de meses de discussão em reuniões comunitárias e deliberação coletiva, e estabelece como governos, empresas, pesquisadores e outros interessados devem consultar os beiradeiros a respeito de atividades que impactam seu território e modo de vida.

O lançamento acontece durante o II Concerto Ambiental de Altamira, evento que discute a conservação florestal e a pauta socioambiental na cidade paraense. Este ano, o centro das discussões serão as mudanças climáticas e preservação ambiental no Xingu.

O evento será realizado no Centro de Eventos Vilmar Soares, e reunirá diversos especialistas, movimentos sociais, comunidades tradicionais e sociedade civil em prol da conscientização e do debate sobre os desafios e avanços na área ambiental do maior município do país.

A consulta aos povos tradicionais é um direito estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Os protocolos de consulta são instrumentos fundamentais para garantir seu exercício, com respeito à autonomia das comunidades, à transparência na transmissão de informações e à busca pela construção de consensos.

Esses princípios oferecem legitimidade e segurança jurídica para as decisões consultadas.

“A gente não pode ser consultado de qualquer forma. Tem que passar pelas comunidades, passar na assembleia. E se a proposta for negada, eles não podem mais nos procurar”, afirma Lindones Silva de Castro, da localidade Boi Morreu, Comunidade Lajeado.

As Assembleias são a principal instância de decisão dos beiradeiros. Por isso, um primeiro lançamento do protocolo foi feito em junho, em um desses eventos, na própria Resex.

Para Edileno, Comunidade Bom Jardim, o lançamento do protocolo foi um momento histórico. “Quando falamos do Riozinho, estamos falando da nossa própria casa. Quem aqui não quer saber o que está acontecendo dentro da nossa casa? Todos têm direito de saber. Nós queremos, sim, ser consultados e esse documento vai ajudar nesse processo”, diz.

O presidente da Associação dos Moradores da Resex Riozinho do Anfrísio (Amora), Herculano Filho, resume o documento: “o protocolo é aquilo que a gente faz na prática escrito no papel, que fica melhor pra entender o passo a passo”.

Segundo ele, a consulta não pode ser feita só junto às lideranças. “Será que só eu e o Pisada (vice-presidente) podemos assinar um projeto que vai impactar a comunidade toda? Não.”, responde.

Território e ameaças

A Resex Riozinho do Anfrísio foi criada em 2004, consolidando uma grande conquista dos beiradeiros, que vivem na região desde o final do século XIX.

Desde essa ocupação inicial, os beiradeiros desenvolveram um modo de vida próprio, baseado no uso e manejo múltiplo da floresta e na ocupação do território de baixa densidade, com localidades espalhadas por centenas de quilômetros.

A criação da Resex reconheceu essa ocupação histórica e tradicional: um marco para a região, em meio ao avanço da grilagem, do garimpo e da extração ilegal de madeira que ameaçavam as comunidades.

Nos últimos anos, a pressão sobre as comunidades beiradeiras do Riozinho do Anfrísio aumentaram novamente. Nesse contexto, a consolidação do protocolo é também uma expressão importante da organização política dos beiradeiros e da defesa de seus direitos.

De 2017 a 2022, houve um aumento de 48% em ramais ilegais dentro da Resex: um claro indicativo de expansão do roubo de madeira e grilagem de terras. Há ainda os contínuos e cumulativos impactos da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, construída sem a devida consulta às comunidades e que teve impactos regionais sobre as dinâmicas populacionais e de uso do solo.

As comunidades beiradeiras do Riozinho do Anfrísio são atores regionais fundamentais para a conservação, uma vez que seus territórios estão na fronteira noroeste do grande bloco de áreas protegidas da Terra do Meio, com mais de 8 milhões de hectares de Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

Junto com a Terra Indígena Cachoeira Seca, a Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio sofre com os vetores de pressão que partem da BR-163 e da BR-230.

Consulta simples ou completa

A organização tradicional do território beiradeiro ocorre em localidades. Cada família se estabelece em um trecho na beira do rio, onde faz sua casa, sua roça e tem suas estradas de seringa, de castanha, e de outros produtos da mata.

Hoje, as localidades se separam por viagens de algumas horas de barco. Mas, nos tempos antigos, antes dos motores e da gasolina, as distâncias demoravam muito mais para serem percorridas.

Na Resex, existem dois espaços principais para informação e decisão: as assembleias e as reuniões comunitárias. As reuniões comunitárias são espaços informativos, com a participação de famílias de várias localidades, que se reúnem em torno de uma comunidade.

Já as assembleias são feitas com a participação de todos os ribeirinhos do Riozinho do Anfrísio, e têm caráter tanto informativo como deliberativo.

O Protocolo de Consulta dos Beiradeiros do Riozinho do Anfrísio estabelece duas possibilidades de consulta: na Consulta Simples, o tema será exposto na Assembleia e já será deliberado.

Na Consulta Completa, o tema terá que passar pelas reuniões comunitárias informativas – em todas as comunidades – e só depois passará para deliberação na assembleia.

A definição pela modalidade de consulta depende da complexidade do tema e é feita a partir de uma avaliação da diretoria da associação de moradores.

Acesse o protocolo

Serviço:
Lançamento do Protocolo de Consulta dos beiradeiros do Riozinho do Anfrísio
Quando: 14 de julho de 2023
Onde: Centro de Eventos Vilmar Soares
Av. Jader Barbalho – Sudam II, Altamira – PA

Imagem: Riozinho do Anfrísio|Anna Maria Andrade-ISA

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