Havia um tempo em que se acreditava que das artes a política era a mais bela. Era arte porque não havia ciência do entendimento ou da liderança. Nem um certo ou errado quanto ao preparo do amanhã. Aprendia-se pelo exemplo de quem se tinha por grandioso por feitos extraordinários. Era a arte do tornar real o imaginário. Uma arquitetura de sonhos que exigia do arquiteto virtudes que tornassem seus sonhos os sonhos de todos.
Não havia espaço para os incompetentes, eliminados pela ardilosidade de um punhal tão rapidamente que mal deixavam registros para a história. Outros, de espírito forte e ímpeto intransigente, temidos ao seu tempo, passaram à história como admiráveis por feitos grandiosos pintados com sangue. Os livros de história abrem suas páginas para o registro dos bons e dos maus, mas se fecha aos medíocres, aos inúteis e aos tolos. Tornam-se rápida referência mais pelas suas tolices, inutilidades e mediocridades. Exemplos de pequenez salpicadas entre uma e outra história de gente grandiosa. Lição do que não se fazer.
Acreditava-se que a democracia, por ser em essência a escolha do líder pelo liderado, funcionaria segundo as lições da história. Se desejasse o voto, deveria mostrar-se grandioso, virtuoso e digno. Envergonhar-se da pequenez de espírito flagrada em público ao ponto de abreviar a existência ou exilar-se da vida pública antes de ser exilado. Era possível ser covarde, mesquinho, tolo e completamente vazio de valores morais ou sonhos coletivos, desde que o fosse nos espaços privados. Nas alcovas da vida íntima onde se podia relaxar do esforço por parecer nobre e forte. Onde cada um se mostra como é. Para pouquíssimos. Para si mesmo. Mostrar-se assim, verdadeiro medíocre em público, jamais.
Mas as lições da história, como tantas outras lições das ciências e das artes, foram esquecidas. Deixaram o público. Tornaram-se fetiche de uma minoria de esquisitos que exibem suas intelectualidades uns para os outros diante de audiências de umas poucas dúzias de curiosos. Coisa de alcova acadêmica. Em público, o que se mostra e aplaude-se é o eu “verdadeiro”. De uma verdade filtrada e editada para parecer mais jovem, mais bonito, mais corajoso, mais romântico, mais pop, mais do mais das coisas a que dão valor uma gente para quem só o próprio prazer importa.
O tolo ganhou dignidade parecendo sábio só por falar sem dialogar. Por calar quem pensa diferente com truculência. O covarde ganhou dignidade parecendo corajoso só por mitar ou lacrar para cima de alguém à distância, em vídeo editado. O mesquinho ganhou dignidade parecendo altruísta por mentir sobre os propósitos e os porquês de suas mesquinharias. O medíocre tornou-se grandioso por incitar as fantasias medonhas de uma gente fantasiosa porque não educada e colocar a si mesmo como inimigo destas fantasias.
Foi assim que o parlamento se tornou pequeno. Apequenado por dentro. Em desarmonia com a grandiosidade arquitetônica por fora. Encolhido em sua alma repleta de lacradores e mitadores. De gente que não faz discurso, mas vídeo e selfie. Que filma o colega que discursa para editar e entregar imagem distorcida a uma matilha de feras anônimas sedentas por agredir o alvo que lhes é posto à frente de suas telas. De gente que não faz política, mas performance.
A performance produz notícias, espetáculos, virais e memes. Dificilmente produz um futuro que preste.
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Ilustração: Mihai Cauli