Sede da Cúpula da Amazônia e da Conferência do Clima em 2025, estado tem falhas na fiscalização de setores-chave, como pecuária e garimpo.
Nádia Pontes, Deutsche Welle
Líder absoluto de desmatamento desde 2006 entre os estados da Amazônia, o Pará coleciona alguns marcos negativos. O maior emissor do país de gases de efeito estufa também é o campeão de multas ambientais no primeiro semestre de 2023.
Um levantamento feito pela DW a partir de dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) mostra que o valor das infrações ultrapassa R$ 18 milhões quando consideras apenas irregularidades no licenciamento ambiental.
O Pará testa agora sua capacidade de virar o jogo em definitivo. Até a próxima quarta-feira (09/08), o estado recebe milhares de pessoas para os Diálogos Amazônicos e a Cúpula da Amazônia, que contará com os chefes de Estado dos países que abrigam a maior floresta tropical do mundo: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
As discussões são um teste para a Conferência do Clima de 2025. O estado foi escolhido como palco da COP30 logo após Luiz Inácio Lula da Silva ter assumido a presidência do Brasil e prometido combater as ilegalidades que destroem a Amazônia e os povos da floresta.
Desde a chegada do novo governo federal, a área sob alertas de desmatamento na Amazônia caiu42,5% em relação ao mesmo período do ano anterior. Só em julho, a redução foi de 66% em comparação ao mesmo mês do ano passado, mostra o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A queda proporcional, por outro lado, foi menor no Pará.
Para quem vive os impactos da devastação, o estado não está preparado para receber a COP ou qualquer outro evento que trate do futuro da Amazônia, opina Alessandra Korap Munduruku, líder indígena vencedora da última edição do Goldman Environmental Prize.
“O Pará tem que fazer seu dever de casa primeiro. Tem muito desmatamento, muita invasão de terra indígena e, principalmente, do garimpo. O governo não está fazendo o papel de tirar os invasores de dentro do território. Como eles vão combater as mudanças climáticas assim?”, questiona Munduruku em conversa com a DW.
Geografia dos riscos
A geografia ajuda a explicar por que o Pará lidera o ranking negativo. Uma grande área do estado, o segundo maior da região atrás apenas do Amazonas, ainda é coberta por florestas públicas sem destinação. A base de dados do Serviço Florestal Brasileiro aponta 9 milhões de hectares de vegetação nativa sem qualquer proteção no Pará, o equivalente a duas vezes o estado do Rio de Janeiro.
Esse fato tem um peso relevante na equação que explica o desmatamento, apoiada principalmente sobre três pilares. O quesito risco se materializa quando não há nada que sirva de barreira à destruição. Já a ameaça é representada por setores que querem ganhar dinheiro com a floresta no chão. O pilar vulnerabilidade diz respeito a fatores como facilidade de acesso e nível de proteção, explica Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
“Algumas mudanças aumentaram a exposição ao risco, como o asfaltamento da BR-163 e de trecho da Transamazônica para construção de Belo Monte. A construção da usina favoreceu o desmatamento indireto muito por conta da imigração. Há muita floresta pública na região e o governo deveria ter feito antes a destinação das áreas, mas não fez”, pontua Barreto.
A queda atual nos índices de desmatamento se deve à volta da fiscalização federal. “O governo Bolsonaro havia piorado tudo, pois enfraqueceu o que havia de vacina para barrar a ilegalidade. Agora a fiscalização voltou, no discurso e na prática”, diz o pesquisador, comparando a estratégia de controle ambiental a formas de se combater um vírus.
Política de controle relaxada
Na análise de Tasso Azevedo, engenheiro florestal e coordenador do Mapbiomas, o vasto estado ainda tem uma estrutura falha de fiscalização. Nesse setor, onde uma parte fundamental da batalha contra o desmatamento se trava, o Pará deveria chamar mais a responsabilidade para si.
“Tem ainda toda a questão do garimpo. O estado oferece um processo de licenciamento municipal. E quando eles dão a licença, ninguém consegue saber onde ela está, pois a licença ambiental não aparece em nenhum sistema nacional. Não tem a menor condição de os órgãos ambientais municipais fazerem isso, é algo urgente que tem que acabar”, analisa Azevedo.
A mesma falta de transparência é vista na fiscalização do setor da pecuária, apontado como o principal vetor do desmatamento no estado. “O Pará precisa tornar público os dados do trânsito animal, de onde o gado sai e para onde vai. Isso permitiria uma fiscalização da origem do gado”, analisa Paulo Barreto, lembrando casos de animais criados em áreas desmatadas ilegalmente comprados por grandes frigoríficos.
“O estado tem uma abordagem tímida para embargo, ou seja, embargar fazendas que estão desmatadas de forma irregular. Há um material disponível que permite fazer isso em grande escala, mas ainda está devagar”, comenta Azevedo.
O caos fundiário influenciaria o cenário. Um estudo liderado por Brenda Brito, do Imazon, evidencia que o governo estadual tem feito pouco para barrar a grilagem. O levantamento, que analisou 10.728 matrículas de imóveis canceladas nos cartórios por ilegalidades no registro, mostrou que 332 delas foram de fato anuladas e poderiam voltar a integrar o patrimônio público. Dessas, apenas um imóvel foi retomado pelo estado nos últimos 12 anos.
Risco grande à vista
Em 2023, o estado segue como o mais exposto ao risco de desmatamento entre os demais da Amazônia. O cálculo é feito pelo PrevisIA, uma iniciativa que usa inteligência artificial para indicar áreas mais vulneráveis. São Félix do Xingu e Altamira são as cidades que aparecem nas primeiras colocações da lista.
De Itaituba, o quarto no ranking dos municípios paraenses mais devastados em 2022, Alessandra Munduruku se preocupa com a mudança rápida da paisagem.
“Vemos a cada dia grandes empresas se instalando na beira do rio Tapajós. Estamos preocupados com a construção da Ferrogrão. A gente já está sentindo o impacto”, comenta, referindo-se à via férrea que visa interligar o Pará ao Mato Grosso.
Para a lider indígena, uma das vozes mais críticas, a grilagem ameaça os povos da floresta. “Tem pessoas chegando na cidade, mapeando a área e registrando no cartório como se fosse terra delas. Muitas comunidades sofrem ameaça de expulsão de gigantes do agronegócio. Dizemos que Elder Barbalho [governador do Pará] faz propaganda para fora, mas aqui dentro a situação é crítica”, opina.
A DW questionou o governo do Pará, mas não obteve respostas até a publicação desta reportagem.
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Foto: Ibama