Sobreposição do território por unidade de Conservação tem impedido comunidade de realizar a coleta de flores dentro do território tradicional
José Odeveza, Terra de Direitos
A comunidade de apanhadoras (es) de flores sempre-viva da Serra do Cabral – região que agrupa 16 munícios no centro-norte de Minas Gerais – se reuniram com poder público estadual, neste mês de agosto, em busca de solução para os conflitos territoriais e violações de direitos da comunidade na região. Organizado pela Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex) e pela Terra de Direitos, o encontro é analisado pelas lideranças locais como um primeiro passo para a retomada do livre exercício das práticas tradicionais nas áreas do território sobrepostas pelo Parque Estadual da Serra do Cabral – Unidade de Conservação nos municípios de Buenopolis e Joaquim Felício – MG.
Segundo registros históricos, as comunidades vivem a centenas de anos na região e sobrevivem principalmente da coleta de flores sempre-vivas nas serras e do manejo de gado. Desde a instalação do Parque Estadual da Serra do Cabral, em 2005, as comunidades têm sido criminalizadas por realizarem suas práticas tradicionais e seus modos de vida. Ao longo dos anos, lideranças foram multadas e ameaçadas pelos gestores do Parque. Segundo relatos da coordenadora da Codedex, Tatinha Alves, os conflitos na região se acirram pela “falta de informação [dos gestores do Parque] da existência de comunidades tradicionais na região e de seus devidos direitos territoriais, a criação de uma Unidade de Conservação na região sem a consulta prévia as comunidades que ali vivem, e as grilagens de terra”.
A Consulta Prévia, Livre e Informada para indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais assegurada a partir da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) está vigente no Brasil desde 2004. Apesar de ser um tratado importante desde 1989, é um dos direitos mais violados do rol de garantias destinado a esses povos. Pelo texto do pacto internacional, as comunidades tradicionais têm o direito de serem consultadas diante de qualquer medida, seja ela administrativa ou legislativa, que afetem seus modos de vida e territórios. No caso da comunidade apanhadora de flores da Serra do Cabal, já houve uma omissão do estado na realização da consulta a criarem o Parque Estadual da Serra do Cabral sobreposto ao território das comunidades.
Segundo a avaliação da assessora jurídica do Programa Cerrado da Terra de Direitos, Alessandra Jacobovski, o estado de minas gerais tem violado uma série de direitos das comunidades ao não permitirem a realização da “panha” de flores e ao multarem quem exerce a prática tradicional.
“Tanto o Instituto Estadual de Florestal, quanto a Polícia Militar – no exercício da a função de polícia ambiental – violam, sobretudo, o direito das comunidades ao acesso e manejo tradicional de seus territórios e recursos naturais (art. 3º, I Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (PCT’s), Decreto 6040-2007). Isso também impacta na segurança alimentar, na reprodução física e cultural da comunidade. Em última instância é uma violação ao direito de autodeterminação dos povos e comunidades tradicionais PCTs (art. 7º.1. da Convenção 169 OIT)”, destaca a advogada que acompanha o caso.
Reconhecimento e violação de direitos
Em junho deste ano, as comunidades apanhadoras de flores e seu sistema agrícola de produção foram reconhecidos e certificados como Patrimônio Imaterial do Estado de Minas Gerais, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico, Iepha-MG. Para Tatinha Alves, este reconhecimento recente é mais um elemento que precisa ser considerado pelo estado de minas ao violar o direito das comunidades de realizarem a coleta das flores.
“Esse reconhecimento possui um Plano de Salvaguarda que garante que as comunidades têm o direito de permanecer nos seus territórios, de manter seu modo de vida tradicional e o acesso a políticas públicas. Nós esperamos que o estado cumpra o seu papel e que assuma a responsabilidade e garanta o acesso das comunidades ao seu território”, destaca a liderança.
No encontro realizado neste mês de agosto estavam presentes representantes do Ministério Público Federal e do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Na avaliação de Alessandra Jacobovski, é necessário “dialogar e conscientizar os órgãos públicos, em especial os ambientais, quanto à existência de uma legislação que protege o direito dos PCTs e que ela não é contrária à legislação ambiental. O manejo tradicional de PCTs vai no sentido de promover a conservação dos recursos naturais, dos biomas e espécies. Além disso é necessário pensar em instrumentos que garantam os direitos dessas comunidades, quando sobrepostas a UCs de restrição integral, como a formalização de termos de compromisso e a recategorização da Unidade de Conservação para a categoria de uso sustentável”.
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Foto: Felipe Ribeiro/Associação Montanhas