Problemas. Por Julio Pompeu

No Terapia Política

Amanda é superlativa. Não discorda de ninguém, fica indignada. Não prefere brigadeiro a pudim, ama brigadeiro e “detessssta” pudim. No que diz, é sempre no tudo ou nada. No que faz, é de um “talvez” desconcertante. Quando a coisa é com ela, paralisa. Desdiz e afirma que não é bem assim. Que tem que ponderar melhor. E pondera até não fazer mais sentido ponderar. Amanda não segue os próprios princípios porque os seus princípios são para os outros. São do mundo que quer ver, não do que vive. Pelo mundo desejado, só fala, julga e condena essa gente que ela detesta. Amanda acha que os outros são problemáticos.

Pedro fala bem. Desenvolve discursos com a segurança de quem não faz ideia do que diz, mas que também não se preocupa com isso porque sabe que os outros sabem ainda menos do que ele. Entre ignorantes, burro carregado de livros é doutor. Ainda mais se tiver o ar doutoral de Pedro. A fleugma de Pedro. As citações em inglês, francês, alemão e em outras línguas que Pedro também não fala. Mas Pedro não é mau. Só não é tão bom quanto acha que é. Com anúncio da melhor das intenções, pavoneia-se todo para criticar com ar sofisticado e vocabulário confuso ideias alheias. Basicamente porque são alheias. Pedro, do alto de sua cultura de prefácio, vê problemas num mundo sem cultura.

Beto tem carisma e charme. Do tipo que se faz notar sem precisar chamar a atenção. Seu magnetismo parece natural. Mesmo mal vestido, a roupa lhe cai bem. Sem envaidecimento, supera muitos vaidosos. Beto é ouvido, mas não tem nada a dizer. E sempre querem que ele diga alguma coisa. Esperam dele ideias belas, mas só o que ele tem a oferecer é alguma beleza de se ver, não de se ouvir e menos ainda de se pensar. Pensar cansa. Pensar enfeia. Não ligar para nada, enfeita. Ele nunca quer dizer nada. Fala só por falar. Tem medo de falar a sério. Não quer briga. Nem compromisso. Quer sossego e admiração. Quer seduzir enquanto espera ser seduzido. Acha bem problemática essa gente que espera de sua beleza belas ideias.

Carlota tem cara amarrada. Seu sorriso insinua mais sarcasmo do que alegria. Está sempre vigilante das faltas dos outros. Milita firme na política. É aguerrida em seus ideais. Para ela, a vida é luta. Não do tipo de luta que é travada por tanta gente que acorda e trabalha para comer sem saber sequer se conseguirá o que comer. Carlota tem de tudo. Nasceu em casa com amor e dinheiro. Mas faz cara feia para tudo. Luta por todos, exceto pelas pessoas que conhece, porque não gosta das pessoas que conhece. Elas sempre lhe decepcionam. Deixou de falar com Amanda, que disse amar o que Carlota não gosta. Cancelou Pedro porque o viu tomar vinho feito em uma vinícola que escraviza gente. Brigou com Beto porque ele sempre concorda com ela.

Diferentes e iguais. Problematizam o mundo imperfeito em nome do sonho de um mundo perfeito. Esperam, delirantes em suas brigas e omissões, por um mundo sem problemas e sem essa gente problemática.

Ilustração: Mihai Cauli

 

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