O pequeno advogado. Por Julio Pompeu

No Terapia Política

Quando criança, eu não entendia bem o mundo dos adultos. O colorido que eu admirava parecia, aos olhos dos adultos, tristes tons de cinza. Colocava minhas ideias e pensamentos no papel através de desenhos com cores vibrantes de canetinhas. As primeiras palavras, desenhava letra por letra, cada uma com uma cor diferente. Para mim, todas as cores combinavam e todas as palavras eram desenhos. Não me havia a perturbar, ainda, as preocupações estéticas dos adultos, que dizem que tal cor não combina com a outra. Pintava e escrevia pintando numa miscelânea de cores vibrantes feliz da minha ingenuidade estética.

Com o tempo – e já se passou tanto tempo! – fui mudando. Primeiro me disseram que a escrita não podia ser com lápis colorido. Com canetinha, muito menos! O correto era o lápis. Começou aí o acinzentamento da vida. Depois, havia combinações. E tons e técnicas. Para a escrita, mais tons e técnicas ainda. As palavras teriam que se harmonizar, como se tivessem nascido para estarem ali, juntas, por natureza. Como se fossem iguais aos coloridos blocos de madeira que eu empilhava para fazer cidades e as destruir todas em seguida. Sua harmonia tornou-se complicada quando palavras amontoadas viraram coisas estranhas como predicativo do sujeito, objeto direto preposicionado e outras coisas que até hoje não sei bem o que significam.

Passei a desenhar menos o colorido que sentia e mais o correto que me pediam, com os tons e técnicas certas. Passei a escrever do jeito que os outros escreviam. Começava histórias com “era uma vez” e concluía fábulas com uma moral. E cada vez escrevia mais e desenhava menos, porque aprendi que no mundo cinza dos adultos desenho vale menos que coisas escritas. Os desenhos minguaram até eu não desenhar mais. Até eu preencher cadernos inteiros só com palavras e nenhum desenho.

Escrevendo o que esperavam que eu escrevesse, entrei para a Universidade e lá fiquei até virar doutor. Enfim, adulto pleno. Pronto para a vida produtiva de adulto. Mas foi justamente aí, nesse tempo já tão saturado de cinza, que eu percebi que algum colorido ainda tinha sobrevivido em algum lugar aqui dentro. Não sei se coisa de lembrança ou de sentimento. Se por falta de quem eu fui um dia ou falta de algum outro eu. Só sabia que havia o incômodo. A dúvida. A mesma comichão que me levava na infância a desenhar só por desenhar, mas não podia mais desenhar. Desaprendi o que parecia ter nascido sabendo. Agora, só sabia escrever orações coordenadas, subjuntivas, adjetivas, preposicionadas… me senti perdido de mim.

Para afastar estes pensamentos melancólicos, liguei a TV só por ligar. E assistir algo só por assistir. Dei-me com um julgamento no STF. Ministros e advogados que não apenas aprenderam, como eu, a escrever em cinza, como passaram a vestir-se de cinza e dizerem coisas acinzentadas. Mundo adulto mais que adulto. Sério, formal, sisudo, importante, de nobreza estética, cheio de rituais e símbolos que são quase como desenhos de infância, só que nada infantis.

Ouvi um advogado que falava de suas próprias encrencas com a justiça. Vi advogada em apelações tão infantis quanto as minhas birras para que meu pai me comprasse um pirulito. Assustei-me com discursos cujo começo anunciado não caminhava para o fim esperado. Para fim nenhum! Assisti a um desfile de frases e atitudes de adultos arrogantes demais para serem infantis e ao mesmo tempo pueris demais para serem coisa de adultos sérios.

Eram como desenhos infantis, mas vivos e menos coloridos. Estavam ali mais para serem vistos do que para serem ouvidos. Só então me dei conta de que no acinzentamento de meu amadurecimento, aprendi a pensar, falar e escrever. Que passei a dar mais valor às ideias que às aparências. E que, de fato, as dificuldades da vida exigem de nós mais ideias do que imagens, mais pensamentos que performances para o voyeurismo das redes sociais.

Fiquei feliz com meus textos cinzas. E com as lembranças coloridas que levam alguma cor às minhas palavras cinzas. E fiquei vermelho de vergonha alheia daqueles advogados que exibiram, sem pudores, todo o seu vazio de ideias, sentimentos e palavras.

Coitados, perderam a ingenuidade da infância sem com isso ganharem a sabedoria da maturidade. Não aprenderam que o fim de aparecer não justificam os meios toscos. Não aprenderam o essencial, tampouco que ele é invisível aos olhos.

 

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