Manifesto de mulheres feministas e antirracistas reivindica política de cuidados contra desigualdades e baseada no Bem Viver

Fórum Feminista Antirracisa reivindica em manifesto: planos do Estado para o Cuidado precisam ser estruturantes, e não assistencialistas; devem ter as mulheres no centro das reflexões e decisões; e requerem ampla participação popular

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Mais de três dezenas de entidades, representantes de movimentos sociais, feministas, antirracistas, reunidas no Fórum Feminista Antirracista, construíram um manifesto em defesa de uma Política Nacional de Cuidados que enfrente as desigualdades, pautada no Bem Viver. No manifesto, reafirmam a urgência de políticas públicas estruturantes, de qualidade e ao alcance prioritário das milhões de pessoas jogadas na pobreza pelo capitalismo extrativista, pela injusta divisão sexual e racial do trabalho, que impõem a miséria às mulheres negras, trabalhadoras e periféricas.

No manifesto, as mulheres reivindicam “que o enfrentamento das desigualdades vividas pelas mulheres sejam elemento central não só da Política Nacional de Cuidados, mas também uma diretriz orientadora do novo Plano Plurianual 2024-2027 e de todo o Ciclo Orçamentário. A diretriz da política que reivindicamos deve ser construída com a participação dos movimentos de mulheres, feministas, antirracistas, de trabalhadoras domésticas e cuidadoras. E, da mesma forma, devem ser monitoradas e avaliadas em suas estratégias e metas, bem como na execução dos recursos públicos investidos para o seu desenvolvimento. Não aceitaremos uma política de cuidado na qual continuemos sendo as exclusivas encarregadas dos cuidados, meros instrumentos para os fins dos outros, sem direitos nem reconhecimento”1.

Elas saúdam o esforço do Governo Federal em constituir um Grupo de Trabalho para propor uma articulação entre as políticas públicas referentes ao cuidado. No entanto, alertam ser necessário avançar para políticas estruturantes universais a fim de enfrentar as desigualdades criadas pelo sistema político e econômico vigente que exclui as mulheres e a população negraSegundo dados recém-divulgados pelo Observatório Brasileiro das Desigualdades, os 0,01% mais ricos do Brasil possuem uma riqueza acumulada e líquida de dívidas de R$ 151 milhões em média. Os 10% mais ricos obtinham, em 2022, um rendimento médio mensal per capita 14,4 vezes maior do que os 40% mais pobres. Ao mesmo tempo, cerca de 7,6 milhões de brasileiros vivem com uma renda domiciliar per capita mensal menor do que R$ 1502.

O momento também exige pressão social sobre o Congresso Nacional, que tem composição de maioria comprometida com os interesses dos super ricos. É nesse lugar, o Parlamento, que estão em pauta e devem ser votadas nos próximos dias as prioridades orçamentárias, por meio do conjunto de leis que disciplinam os gastos públicos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o Plano Plurianual (PPA) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). É preciso evidenciar: igualdade e justiça social sem orçamento é falácia. As políticas públicas precisam de investimentos na proporção necessária para enfrentar as desigualdades e as injustiças de gênero e raça, bem como incluir mecanismos de transparência e monitoramento para a participação social.

Cuidado tem gênero

Historicamente, são as mulheres dos movimentos feministas antirracistas, das lutas em associações de bairro, hortas e cozinhas comunitárias e das periferias que se articulam e são parte do debate de cuidados, incidindo nas políticas públicas locais como creche, segurança, alimentação, saúde etc. Ao reivindicar a responsabilidade do Estado na formulação de diretrizes, desenho de políticas e na orientação de recursos públicos que financiem infraestrutura social de cuidado, os movimentos de mulheres feministas antirracistas querem assegurar o direito à cidadania plena. Por isso, destacam que o cuidado não deve se dar às custas da sobrecarga das mulheres, majoritariamente negras, nem do seu trabalho não remunerado, mal pago, precário e sem direitos.

O manifesto enfatiza que o cuidado é um princípio democrático indispensável à construção do bem viver coletivo. Para isso, deve se estruturar com o Estado assumindo a responsabilidade pública; com a iniciativa privada assumindo seus deveres, inclusive fiscais; e com as famílias e as comunidades compartilhando em equidade de gênero estas tarefas de cuidado.

Como ressalta o manifesto, “para promover a justiça e a igualdade, o enfrentamento da pobreza e da fome, nossos movimentos se articulam para exigir o indispensável reconhecimento e compartilhamento pelo Estado das atividades de reprodução social, possibilitando que o trabalho não remunerado, realizado na esfera doméstico-familiar e no âmbito comunitário quase que exclusivamente pelas mulheres, seja efetivamente assumido pelo Estado. O cuidado é uma necessidade humana. Somamos nossas forças para assegurar a instalação de infraestrutura social do cuidado, em caráter prioritário, a responsabilidade do Poder Público com a garantia de direitos trabalhistas, previdenciários, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sobretudo e urgentemente para as mulheres racializadas, sujeitas a múltiplas formas de discriminação e exploração é indispensável”.

Sendo assim, o manifesto se configura como um instrumento de articulação e visibilidade para a questão do cuidado e sua importância para sustentação da vida humana. A criação e o fortalecimento de uma infraestrutura social pública nos territórios são urgentes e precisam ser debatidas com as mulheres que passam a vida cuidando de pessoas (filhos, pais, pessoas com deficiência) sem tempo de cuidar de si mesmas.

O cuidado é um conceito em construção que articula os campos de conhecimento com a agenda de políticas públicas e financiamento público aglutinando o debate feminista antirracista que, por sua vez, aponta para as questões fundamentais para garantia vida e do bem viver. A centralidade do cuidado se dá também quando as mulheres exigem debater os investimentos públicos no Sistema de Seguridade Social brasileiro (Saúde, Assistência e Previdência Social, Pública Universal), atacado todos os dias pelo sistema financista que quer um estado mínimo para maioria da população, transformando os direitos socias em mercadoria para quem puder possa pagar.

Segundo o manifesto, “é neste sentido que o feminismo antirracista que nos reúne nos organiza em luta contra todas as formas de opressão e exploração, para sustentar o debate sobre a criação da Política Nacional de Cuidados como política pública capaz de garantir às pessoas este direito e reduzir drasticamente as desigualdades sociais, de gênero, raça, etnia, de condição física e mental, geracional e tantas outras. Para que isso aconteça, é fundamental o fortalecimento de políticas públicas estruturantes”.

Esses e outros temas foram tratados em encontros do Fórum Feminista Antirracista com o governo e parlamentares quando foi entregue o manifesto, na primeira semana de setembro. As mulheres encontraram a Mministra das Mulheres, Cida Gonçalves, a secretária nacional de Cuidados e Família, Laís Abramo, o relator do Plano Plurianual, deputado Elvino Bohn Gass, e a segunda secretária da Câmara dos Deputados, deputada Maria do Rosário3. Nos próximos meses, várias atividades serão organizadas com a participação dos movimentos feministas e antirracistas para debater a questão de políticas de cuidados com diretrizes para o bem viver das mulheres.

1 https://www.cfemea.org.br/index.php/pt/?view=article&id=7586:manifesto-por-uma-politica-nacional-de-cuidados&catid=562:feminismo.

2 https://www.metropoles.com/brasil/observatorio-brasileiro-das-desigualdades-sera-lancado-em-30-de-agosto

3 Ver: https://www.cfemea.org.br/index.php/pt/?view=article&id=7723:forum-feminista-antirracista-por-uma-politica-nacional-de-cuidados-mobiliza-participacao-social-e-financiamento-publico&catid=562:feminismo

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