Paradoxos da transição energética brasileira. Por Roberto Malvezzi (Gogó)

Parque eólicos e solares. Descarbonização via hidrogênio verde. Carro elétrico. País tenta reduzir emissões, mas iniciativas são capturadas pelo mercado. É preciso outra lógica: descentralizar produção e desprivatizar ventos, água e sol do país

Outras Palavras

Os combustíveis fósseis são a causa fundamental do aumento de CO2 na atmosfera, produzindo o efeito estufa. A queima de florestas também emite CO2. O metano, menos presente na atmosfera, porém com mais poder de estufa, é emitido pelos gases da digestão dos animais. Daí a grande contribuição brasileira com seus 210 milhões de cabeças de gado bovino. Ainda mais, o Brasil vai explorar o petróleo na foz do Amazonas em nome da própria transição energética.

Entretanto, para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, é necessário mudar a matriz energética global para fontes que não emitam CO2 na atmosfera. O Brasil, pela intensidade do sol e dos ventos, o Brasil torna-se um dos países mais ricos do mundo nessa transição energética que emita menos CO2. Não quer dizer que sejam limpas totalmente, mas não emitem esse gás, portanto, ataca a causa fundamental das mudanças climáticas.

A região mais rica em sol e ventos do Brasil é o Nordeste. Então, há enormes investimentos em parques eólicos e solares na região. Porém, se não há impacto na atmosfera, há enormes impactos nas comunidades locais, como invasão de território, destruição de topos de morros com seus mananciais, derrubada da Caatinga pelas usinas solares, zumbido das pás de ventos afastando animais e prejudicando pessoas, além do transtorno fundamental da perda de terras e territórios para essas empresas por parte das comunidades tradicionais como os Fundos de Pasto, Quilombolas, Territórios Indígenas e pequenos camponeses difusos pela Caatinga.

O propósito fundamental – além de gerar energia solar e eólica no conjunto do leque de energias brasileiras – é gerar o Hidrogênio Verde. Esse combustível é simples de entender: o hidrogênio é o elemento mais abundante no Universo, mas na Terra ele sempre está associado a outros elementos. Por exemplo, na molécula de água (H2O), há dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Para capturar só o hidrogênio da água, é preciso separar os dois átomos de hidrogênio do átomo de oxigênio, por um processo chamado hidrólise. Acontece que para fazer essa separação é preciso muita energia. Então, se a fonte dessa energia for combustível fóssil, continua a emissão de CO2 na atmosfera. Portanto, a fonte de energia para separar os átomos de Hidrogênio Verde tem que ser a solar ou a eólica.

Se a fonte da energia for suja, como o petróleo, e o CO2 for emitido na atmosfera, então esse hidrogênio se chama Hidrogênio Cinza. Se o CO2 for capturado e preso debaixo da terra, então esse hidrogênio se chama Hidrogênio Azul. Se esse hidrogênio vier de fontes limpas, como a solar e a eólica, lhe dão o nome de Hidrogênio Verde.

Esse Hidrogênio Verde pode ser vendido em bombas de gasolina como qualquer combustível e, ao ser queimado, nos dizem os cientistas, se transforma em vapor de água. Portanto, não emite CO2 na atmosfera e nem desequilibra o volume de água do nosso planeta, já que a fonte principal do Hidrogênio Verde seria a água, tendo como energias básicas para sua produção a energia solar e a eólica. O impacto do Hidrogênio Verde nos mananciais de água não está sendo analisado.

Esse combustível seria principalmente para a Europa, que é muito pobre em termos energéticos. Portanto, o Brasil seria uma espécie de “Arábia Saudita” desse tipo de combustível, o que infla os olhos do capital.

Para o Brasil, o futuro seria o carro elétrico, já que, com a abundância de energia solar e eólica, não teríamos problemas para abastecer as baterias desses carros. Tanto é que, na Bahia, já está sendo instalada a primeira fábrica de carros elétricos do Brasil. O impacto da exploração minerária para fabricar essas baterias, principalmente o lítio, também não está sendo discutido.

Enfim, a lógica é perfeita e letal. Não há perguntas sobre a situação das comunidades invadidas por esses empreendimentos, o impacto nas águas do Semiárido, nem se discute se é possível trilhar outros caminhos, como o transporte público, ou menor consumo de energia, ou se essa energia poderia ser produzida de forma descentralizada, a partir das casas do povo e das pequenas e médias usinas nas comunidades rurais. Essas experiências existem e são exitosas. Entretanto, o que há é um novo mercado de combustível em gestação e o capital, que um dia já privatizou a terra e a água, agora já se apropria dos ventos e do sol.

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