Justiça da Paraíba desafia STF e promove nova censura a documentário

No Conjur

Uma nova decisão do juiz de Direito de 3ª Entrância do Tribunal de Justiça da Paraíba, Adhemar de Paula Leite Ferreira Néto, contraria o julgamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal na Reclamação Constitucional nº 59.337/PB e determina nova censura ao documentário “Justiça Contaminada — O Teatro Lavajatista da Operação Calvário na Paraíba”, dos jornalistas Camilo Toscano e Eduardo Reina.

Em maio, a censura havia sido derrubada por unanimidade pela 2ª Turma do STF, com votos dos ministros Edson Fachin (relator), Gilmar Mendes, Dias Toffoli, André Mendonça (presidente do colegiado) e Nunes Marques. Um mês antes, Fachin já havia derrubado a proibição através de liminar. Com o julgamento na Turma, a decisão de censura foi anulada, e o STF determinou que o juiz de primeiro grau produzisse nova sentença, em conformidade com a liberdade de expressão e produção jornalística que vigora no país.

Mas, no dia 19 de setembro, o juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Néto, em uma nova decisão de antecipação de tutela, descumpriu frontalmente a Suprema Corte, além de fixar multa diária de R$ 500 caso o documentário não seja retirado do ar. A defesa dos dois jornalistas peticionou ao STF, na Reclamação informando o desrespeito ao Acórdão da 2ª Turma do STF para que seja proferida, em caráter de urgência, decisão suspendendo imediatamente a nova decisão inconstitucional.

Assim, buscam garantir o integral cumprimento do acórdão da Reclamação, deferida em maio e baseada na ADPF 130. A reclamação contra a censura junto ao STF é promovida pelos advogados André Matheus, Diogo Flora e Lucas Mourão, do escritório Flora Matheus e Mangabeira Sociedade de Advogados, e Jonathas Moreth, do escritório Marcos Rogério e Moreth Advocacia, com o apoio da Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores, encabeçada pelo Instituto Vladimir Herzog e pela Artigo 19, Repórteres sem Fronteiras, Intervozes e a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) que é amicus curiae na ação em defesa dos repórteres.

 

O documentário se baseia em farta documentação analisada, em apuração investigativa e em declaração de juristas e alvos da investigação. Assim, a nova decisão de censura manda os jornalistas provarem as falas promovidas por pessoas entrevistadas durante o lançamento do vídeo, no ano passado, e no próprio documentário.

“Vê-se que a sintética fundamentação adotada no ato reclamado, formulada em sede de cognição sumária, teve como objetivo evitar a propagação do conteúdo supostamente ofensivo do documentário, sem, no entanto, discorrer, ainda que de forma sucinta, acerca de tal conteúdo”, afirmou Fachin em seu voto de abril, quando anulou a decisão de primeiro grau.

De acordo com o ministro do STF, a liberdade de imprensa tem importância maior para a democracia. E as queixas apresentadas contra o documentário não foram suficientes para autorizar “a vulneração, mesmo que provisória, do direito à liberdade de expressão”.

Os dois jornalistas também respondem civil e criminalmente pelo audiovisual que faz críticas ao lavajatismo e à prática de lawfare. São duas outras ações que tramitam na Justiça paraibana.

Histórico

Dois meses depois de ter sido lançada em maio de 2022, a reportagem se transformou em alvo do desembargador Ricardo Vital de Almeida, do Tribunal de Justiça da Paraíba. O magistrado alegou que o vídeo contém “diversas palavras ofensivas à sua imagem”. Vital acusa Eduardo Reina e Camilo Toscano de promover uma “construção de ataques pessoais”, com o único intuito de atacar sua imagem e honra.

Ele é o único dos citados no documentário a mover ações na Justiça para impedir a veiculação do conteúdo e responsabilizar cível e criminalmente os jornalistas, apesar de que nenhuma das falas tidas como desonrosas destacadas nas ações tenham sido por eles proferidas. O documentário expõe ações da operação que atingiram o ex-governador Ricardo Coutinho, a deputada estadual Estela Bezerra, a ex-prefeita de Conde Márcia Lucena e outras pessoas ligadas ao mesmo grupo político.

A apelidada “operação Calvário”, que investigou supostas fraudes e desvios na Saúde e na Educação da Paraíba, constitui-se em um caso emblemático de lawfare. Levada ao Tribunal de Justiça da Paraíba, em 2019, prendeu, nas vésperas do recesso de fim de ano, 17 pessoas e impôs várias medidas cautelares aos envolvidos.

A tramitação da ação vive desde então um jogo de empurra e falta de decisões. Em consulta ao TRE- PB, o desembargador questionou a Corte eleitoral paraibana se o referido caso seria de competência eleitoral ou comum. Mas em despacho ele mesmo deixa clara sua opinião, apontando para crime comum.

Esse conflito de competência é um dos pontos levantados pelos jornalistas para demonstrar que a Calvário investigou e prendeu pessoas na esfera criminal, embora o tema seja da esfera da Justiça Eleitoral.

O TRE-PB faz o processo retornar para a Justiça comum, sem ouvir a defesa dos acusados. Mas, em seguida, o STF encaminhou a denúncia para a Justiça eleitoral, seguindo entendimento firmado na Corte antes mesmo de a Calvário ser deflagrada. Então, o TRE-PB mandou o processo para a presidência do TRE-PB, que, por sua vez, remeteu ao TSE para que seja decidido em qual instância o processo deve correr. Isso tudo apesar do entendimento do STF de que se trata de tema eleitoral. Responsáveis pela investigação na Paraíba, o promotor Octávio Paulo Neto, do Ministério Público (MP-PB), e o desembargador Ricardo Vital, do Tribunal de Justiça (TJ-PB), eram chamados pela imprensa local como “Moro e Dallagnol da Paraíba”, em referência ao ex-juiz declarado parcial pelo STF e atual senador Sergio Moro e ao ex-procurador e deputado federal cassado Deltan Dallagnol, que comandaram a “Lava Jato”.

Entre novembro de 2021 e janeiro de 2022, Ricardo Vital recebeu inúmeros e infrutíferos contatos da produção do documentário, assim como a assessoria de imprensa do TJ-PB e a chefia de seu gabinete na Paraíba. Várias alternativas para manifestação foram ofertadas: entrevista pessoal, respostas por escrito sobre questionamentos enviados ou também envio de nota escrita por ele mesmo ou pela assessoria de imprensa do TJ-PB. Não houve respostas às demandas. Na ação, o desembargador recorreu à Associação dos Magistrados do Estado da Paraíba (AMPB) para obter assistência jurídica gratuita.

RCL 59.337

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