“É um movimento poderoso em São Paulo”, diz presidente de sindicato sobre greve unificada

Trabalhadores de trens, do metrô e do saneamento se uniram em protesto contra privatização de serviços no estado

Por Texto: José Cícero | Edição: Mariama Correia, em Agência Pública

Pela primeira vez, trabalhadores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e da Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp), se uniram em greve conjunta, nesta terça-feira (3), para protestar contra os planos de privatização do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Os sindicatos sinalizam falta de transparência do governo no processo de privatização dos serviços e de diálogo com os trabalhadores. Em entrevista na manhã desta terça-feira, o governador Tarcísio de Freitas classificou a greve como “política, ilegal e abusiva”. Ele disse que o processo de privatização das linhas está no começo e que “chegará o momento em que a população, a sociedade civil e os sindicatos serão ouvidos”.

“Ou o governador Tarcísio está confuso ou ele está mentindo, porque ele está falando que só tem estudos. Mas na semana que vem vai ter um pregão de terceirização dos serviços de atendimento do metrô. Se ele não sabia que tinha essas coisas marcadas, então tudo bem, ele retira esses editais e aí acabou o impasse. Agora, se não é confusão, se é mentira, aí o governador Tarcísio tem que passar a falar a verdade para a sociedade”, disse a presidente do Sindicato dos Metroviários, Camila Lisboa, em entrevista à Agência Pública.

Lisboa é a primeira mulher presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo. Ela é formada em Ciências Sociais e já foi demitida por uma greve, em 2014. Em 2018 foi readmitida por ordem judicial. A presidente do sindicato falou com a reportagem sobre a paralisação geral dos serviços de transporte e de água na maior cidade da América do Sul, que começou desde a madrugada desta terça-feira, com as linhas de trem administradas pela CPTM paradas (10-Turquesa, 12-Safira e 13-Jade) e outras duas em operação parcial (7-Rubi e 11-Coral). As linhas que já funcionam sob gestão da iniciativa privada operaram normalmente (8-Diamante e 9-Esmeralda). No metrô, todas as linhas estão paradas, com exceção das linhas 4-Amarela e 5-Lilás, que já são privatizadas.

Por volta das 9h, trabalhadores da Sabesp que aderiram à paralisação se reuniram na porta da sede administrativa da Companhia e receberam o apoio de um grupo de estudantes da USP – que também estão em greve – e de parlamentares do município e estado. Não houve interrupção no fornecimento de água à população.

Confira a entrevista completa com a presidente do Sindicato dos Metroviários, Camila Lisboa.

Camila, a pauta principal dessa greve unificada é a privatização do trem, metrô e da Sabesp. Por que vocês acham que privatizar não é a solução?

Olha, nesse momento está acontecendo uma falha grave na linha 9 [Esmeralda] da via mobilidade, a linha privatizada. As pessoas estão descendo [do vagão] e tendo que andar pelos trilhos na região da Vila Olímpia. Isso só comprova o que a gente tem dito ao longo do dia inteiro de que a eficiência da iniciativa privada é zero no transporte sobre trilhos. Um dos exemplos mais próximos é esse, que nós estamos vendo neste momento.

Mas tem outros exemplos, a Supervia do Rio de Janeiro, o metrô do Rio de Janeiro. São serviços muito ruins e que ficaram muito mais caros para a população. Os contratos de concessão das linhas de transporte sobre trilhos privatizados são contratos que garantem o lucro dessas empresas por 30 anos.

Por 30 anos, a sociedade paulistana estará pagando para essas empresas ganharem muito dinheiro e não estará recebendo um serviço de qualidade, um serviço decente. Estará recebendo, ao contrário, um serviço inseguro.

Podemos também atribuir esses eventos em relação aos serviços de água e saneamento. Depois da privatização da CEDAE [Companhia Estadual de Águas e Esgotos] no Rio de Janeiro, o serviço ficou pior e a tarifa aumentou. Então, por conta dessas questões, a gente está lutando e enfrentando a tentativa do governador de privatizar essas três empresas públicas.

Já aconteceu essa greve unificada ou é a primeira vez? O que isso significa? Como foi a construção desse movimento unificado?

É a primeira vez com essas três categorias juntas. Isso significa muita coisa. Quando a gente viu o governador de São Paulo falando que queria privatizar Sabesp, Metrô e CPTM, a gente viu que o ataque é muito grande. A gente viu ao longo das entrevistas do governador, das suas declarações durante o dia, a quantidade de ataques que ele divulgou contra os trabalhadores. A gente sabia que o grau de agressividade do governador seria muito grande.

Então, a gente viu que as nossas categorias, por si só, não se bastavam. Por isso que a gente foi construir essa unidade, é um movimento muito poderoso em São Paulo. O pessoal da Sabesp parou em todo o estado de São Paulo também. Não foi fácil construir essa unidade, porque as categorias têm os seus calendários, têm as suas demandas, mas a gente se dedicou bastante a isso. Estamos fazendo um plebiscito popular que está sendo um sucesso junto à população. E hoje a gente fez essa mobilização que promete ser a primeira de várias.

Caso as privatizações aconteçam, o preço das passagens vai aumentar?

Aqui em São Paulo, o modelo de concessão das linhas de transporte sobre trilhos, desde a primeira concessão, que foi da linha 4, funciona com uma Câmara de Compensação das Tarifas.

Essa Câmara de Compensação recebe toda a arrecadação tarifária do transporte sobre trilhos. E aí, na hora de fazer a distribuição, ela prioriza o repasse de verbas para as empresas privadas, começando pela linha 4, depois para a linha 5, depois para as linhas 8 e 9 [privadas], depois para o Metrô público e depois para a CPTM pública. Para garantir o lucro contratual que está no contrato de concessão, o Estado tira dinheiro do Metrô público e da CPTM Pública para repassar para as empresas privadas.

Hoje, a tarifa não aumenta porque o Estado tira dinheiro das empresas públicas. Mas, se privatizarem todas as linhas de metrô, de onde que o Estado vai tirar dinheiro para garantir o lucro contratual das empresas privadas? Muito provavelmente do bolso do trabalhador, do bolso da população, através do aumento das tarifas. Isso é um exemplo do modelo de São Paulo, mas a gente tem modelos práticos, por exemplo, em Belo Horizonte.

O metrô foi privatizado no início desse ano, a tarifa era R$ 1,80 e agora, para a empresa poder lucrar, ela aumentou a tarifa para R$ 5,30. Na Supervia do Rio de Janeiro, esse processo aconteceu várias vezes porque foi o primeiro trem urbano privatizado na história do Brasil e hoje tem a tarifa mais cara do Brasil, R$ 7,40.

Na avaliação do Sindicato, qual é a situação das linhas que foram privatizadas pelo governo do estado? Elas têm atendido melhor a população? 

As linhas 8 e 9 deram problemas, muitos problemas, desde janeiro de 2022. Foram oito descarrilamentos na linha 9, um descarrilamento na 8 e um na 9. Colisão de trem em plataforma, trem andando com velocidade reduzida, trem andando com porta aberta. Isso é tudo reportado, inclusive, em uma página do Instagram que foi feita pelos usuários dessas linhas, que chamam de Via Imobilidade.

Está tudo reportado lá, você vê que falhas nessas linhas são cotidianas. Na linha 5 Lilás, também a quantidade de falhas aumentou. Mesmo na linha 4, que é uma linha totalmente nova, ela foi construída totalmente com dinheiro público e mesmo nessa linha tiveram quatro falhas graves no ano passado.

A gente percebe falhas porque não se investe em manutenção, não se investe em treinamento e qualificação dos trabalhadores. É assim que a gente percebe o impacto de um serviço ruim sobre a população.

Qual é a situação hoje das linhas que o governo pretende privatizar? Há justificativa para o governo seguir com esta intenção?

Ele diz que a iniciativa privada é mais eficiente e gera mais economia para o Estado. Só que a realidade mostra que não há nem eficiência e nem economia para o Estado, porque segundo os contratos de concessão, o Estado é obrigado a garantir o lucro dessas empresas por 30 anos.

Portanto, mesmo que não ande nenhum passageiro na linha 4, na linha 5, na linha 8 e na linha 9, a empresa já tem o seu lucro garantido. É um negócio que é muito bom para o empresário e muito ruim para a população.

O governador alegou hoje, durante uma coletiva de imprensa, que, até o momento, o estado apenas contratou o estudo para possíveis privatizações e que a hora da participação da sociedade irá chegar. Como você vê essa declaração?

Ou o governador Tarcísio está confuso ou ele está mentindo, porque ele está falando que só tem estudos. Mas na semana que vem vai ter um pregão de terceirização dos serviços de atendimento do metrô.

No dia 17 de outubro vai ter um pregão de terceirização dos serviços de manutenção da linha 15 do metrô. No dia 29 de fevereiro do ano que vem está marcado um leilão de concessão da linha 7 Rubi da CPTM.

Se ele não sabia que tinha essas coisas marcadas, então tudo bem, ele retira esses editais e aí acabou o impasse. Acabou a greve e resolvemos o problema. Agora, se não é confusão, se é mentira, aí o governador Tarcísio tem que passar a falar a verdade para a sociedade.

Você acha que o processo de privatização está sendo transparente? 

Eu acho que está atendendo a interesses de pequenos grupos que têm muito poder econômico. O Grupo CCR, por exemplo, foi quem abocanhou todas as concessões de transporte, sobretudo daqui de São Paulo. Recentemente saiu a nova lista de bilionários do Brasil e cinco deles fazem parte do Grupo CCR. Ou seja, essas concessões estão deixando um punhado de pessoas bilionários e deixando os trabalhadores atrasados e tendo que andar pelos trilhos das linhas privatizadas.

 O Tribunal Regional do Trabalho determinou o funcionamento das linhas com 100% do efetivo nas horas de pico e 80% nos demais horários com multa de 500 mil para cada um dos sindicatos em caso de descumprimento. Como o sindicato avalia essa determinação?

Com certeza isso fere o direito à greve, inclusive a gente está questionando em juízo essa determinação porque isso fere totalmente o direito à greve. Ou a gente tem direito à greve ou a gente tem que trabalhar 100%. Nós estamos questionando na Justiça, estamos recorrendo dessa decisão.

Existe a possibilidade da paralisação continuar?

Decidiremos hoje em assembleia, às 18h. Ao longo desta terça-feira, a gente tem visto bastante manifestação de apoio das pessoas, apesar do governador Tarcísio ter feito todas as declarações com mentiras, com ameaças, apesar inclusive da grande imprensa dar um espaço desigual para os lados do conflito.

Apesar de tudo isso, tem muita gente apoiando. A gente viu as manifestações nas redes sociais, uma enquete do UOL, 85 % apoiando a nossa greve. A gente viu inclusive declarações de juízes falando que a greve em si não pode ser tratada como ilegal.

Se retirar os editais agora do dia 10 e do dia 17, tudo se resolve.

Camila Lisboa, presidente do Sindicato dos Metroviários, aponta falta de transparência do governo no processo de privatização dos serviços (Divulgação Sindicato dos Metroviários)

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