Na manhã deste domingo (8), a TI Ibirama La Klanõ (SC), foi invadida, ilegalmente, por policiais militares do estado de Santa Catarina; indígenas ficaram feridos após ataques
No Cimi
Em função do descumprimento de acordos firmados com os Xokleng ao longo dos anos 1990 e 2000, em ação transitada em julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) no mês de agosto de 2017*, o Poder Judiciário condenou o estado de Santa Catarina, a União e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) a implementar ações compensatórias e de segurança relativas à Barragem Norte. A sentença judicial nunca foi cumprida e o governo do estado de Santa Catarina deixou as estruturas da citada Barragem abandonadas, sem manutenção há cerca de dez anos.
A Barragem Norte foi construída durante o governo militar sobre a Terra Indígena (TI) Ibirama La Klanõ com o intuito de conter as enchentes do Rio Itajaí. Apesar de estar em funcionamento há cerca de 30 anos, nunca foi concluída. O Canal Extravasor, necessário para garantir a segurança das operações, ainda não foi construído. Em entrevista ao site NSCTotal, o Secretário de Estado da Defesa Civil afirmou que não se sabe as condições da tubulação e seria perigoso fechar as comportas sem garantia de conseguir abri-las novamente. De acordo com o próprio Secretário, a água poderia verter e a situação sair do controle.
Imagens recentes da Barragem, com grande volume de água, demonstram que ela vinha cumprindo o objetivo de reter água e controlar as enchentes do Rio Itajaí. Em função disso, desde a última quarta-feira (4), os Xokleng estão sem acesso à água potável e impossibilitados de fazer uso da principal via de acesso à cidade de José Boiteux, devido ao enchimento do lago da Barragem. Desde então, o governo do estado de Santa Catarina deveria ter acionado e estar cumprindo as condições estabelecidas no “Plano de Contingência para Eventos Hidrológicos e Geológicos na Comunidade Indígena – Barragem Norte”. Tais medidas não foram cumpridas pelo governo estadual.
Em acordo firmado com as lideranças Xokleng, na tarde desse sábado – 7 de outubro de 2023 –, representantes do governo de Santa Catarina se comprometeram a garantir condições de acesso, alimentação e água potável aos Xokleng atingidos pela inundação e, com isso, operar a Barragem Norte.
Ao mesmo tempo que negociava politicamente com os Xokleng, o governo estadual acionou o Judiciário, que concedeu, às 19:01 horas (horário de Brasília), tutela cautelar para o governo operar a Barragem. Mesmo sem saber do acordo firmado pelos representantes do governo estadual e os Xokleng, o juiz federal Vitor Hugo Anderle determinou que caberia à União fornecer o suporte operacional ao cumprimento da decisão, inclusive, caso se fizesse necessário, com a utilização e auxílio de suas forças policiais. Determinou, ainda, a adoção das cautelas e prudência necessárias garantindo a ordem pública no local.
Informado pelo Ministério Público Federal (MPF) acerca dos termos do acordo firmado ao longo do dia, o mesmo juízo, em decisão pronunciada às 23:40h (horário de Brasília), do dia 7 de outubro, determinou que o governo do estado de Santa Catarina adotasse
“todas as medidas necessárias a debelar os riscos e danos decorrentes da operação da Barragem José Boiteux a todos os residentes no local, nos seguintes termos: 1. Desobstrução e melhoria das estradas; 2. Equipe de atendimento de saúde em postos 24 horas; 3. Três barcos para atendimento da comunidade; 4. Ônibus para atendimento da comunidade até a cidade; 5. Água potável na aldeia; 6. Fornecimento de cestas básicas; 7. Ficou acordado que após as comportas serem fechadas algumas casas ficarão submersas e por esse motivo deverão ser construídas novas casas para essas famílias, em local seguro e longe do nível do rio”.
No intuito de acobertar a própria incompetência e ineficácia, na contramão dos acordos firmados e da tutela cautelar, em movimento traiçoeiro, o governo do estado de Santa Catarina determinou, ilegalmente, o uso da própria força policial para atacar o povo Xokleng, com muita covardia e violência, na manhã deste domingo (8). De acordo com informações de lideranças, vários indígenas Xokleng foram feridos na desastrosa e irresponsável operação policial.
Na forma de um revide armado à derrota sofrida no STF, relativamente à inconstitucionalidade do marco temporal, ao culpabilizar arbitrária e injustamente o povo Xokleng pelas enchentes no Rio Itajaí, o governo estadual expõe a vida de centenas de milhares de outros catarinenses que vivem à jusante da Barragem Norte a uma situação de alto risco.
Diante desse cenário absurdo, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul manifesta irrestrita solidariedade e apoio ao povo Xokleng. Ao mesmo tempo, exige das autoridades competentes a apresentação de laudo técnico que ateste a segurança na operação de fechamento de todas as comportas da Barragem Norte, por parte do governo do estado de Santa Catarina.
O Cimi Regional Sul também alerta a população catarinense que vive a jusante da Barragem Norte acerca dos riscos a que está sendo exposta com essa ação irresponsável e potencialmente criminosa do governo do estado de Santa Catarina.
Chapecó, SC, 08 de outubro de 2023
Conselho Indigenista Missionário Regional Sul
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*Ação Civil Pública (ACP) nº 2003.72.05.006252-5/SC indenizatória transitada em julgada via no Recurso Extraordinário com Agravo 943208 no STF em 2018, em Execução de sentença em processo 5013528-53.2018.4.04.7205 na Vara Federal de Blumenau.