Bombas agem com indiferença. Matam e destroem o que está em seu raio de ação. É coisa de espaço. Métrica que delimita a área da morte provável. Não liga para a cor da pele, nacionalidade, religião, inclinação política ou quaisquer outras dessas besteiras que a gente inventa para dizer que gente não é tudo igual. Ela só explode e acaba-se.
Para quem morre, tanto faz se foi morto a tiro, explosão, susto ou raiva. Mas faz diferença para quem mata. Mortos são todos iguais em sua mórbida paralisia. Assassinos é que são diferentes em suas formas de matar.
Quem mata a facada sente o hálito de quem mata. Suja as mãos de sangue. É coisa quase íntima.
Quem atira, tem alvo. Dispara chumbo ou cobre numa direção específica, com um propósito mortífero específico. Ou a esmo, quando tanto faz em quem acertar. Seja como for, é um tiro para uma morte. Tiro tem direção e limite. Não se espalha por aí indiferente à reta que o define.
Mas a bomba, que mata aos montes, é morte provocada por quem não está nem aí para quantos ou quem morrerá. É ferramenta de matar aos montes. Todo lançar de bombas é meio genocida. Da mesma forma que a bomba mata com indiferença. Quem mata com bomba também é indiferente ao matar quem provoca.
Matar só por matar, seja de que jeito for, é coisa rara de acontecer. Mistura de loucura, maldade e tédio. O comum é matar dizendo o porquê do morto merecer morrer. Apela-se às diferenças para justificar a diferença que há entre deixar-se viver e fazer morrer.
Pessoas que matam com bombas – e as que aplaudem quem mata com bombas – são diferentes de bombas. Não são indiferentes como as bombas que lançam com indiferença sobre os que creem não merecer viver. Agem movidos por simpatias e antipatias anteriores às bombas lançadas. E fazem, das mesmas bombas que estraçalham gente, boas ou más dependendo de quem se está a matar.
O curioso é que matar gente com bomba pararia se não olhássemos outros como diferentes. Se não inventássemos e enchêssemos de ódio tantas diferenças, qualquer bomba que mata seria um absurdo. Seria um crime não contra palestino ou israelense. Ou russo ou ucraniano. Mas crime contra a humanidade. Contra o humano que há em mim e em você.
Talvez, na indiferença que nos iguala a todos como humanos só porque somos igualmente capazes de sentir e pensar, pudéssemos ser indiferentes às diferenças do que sentimos e pensamos. Talvez, só talvez, a humanidade pudesse experimentar aquela paz tão falada, tão desejada e tão pouco buscada.
***
Ilustração: Mihai Cauli