MPF aponta ineficácia da política de segurança do RJ e indica parâmetros para atuação da União

Em documento entregue nesta terça-feira (17) ao Ministério da Justiça, órgão destaca necessidade de ações para cumprir decisões do STF e da Corte Interamericana de Direitos Humanos

O Ministério Público Federal (MPF) se reuniu, nesta terça-feira (17), com o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, para tratar da atuação da União na segurança pública no Rio de Janeiro. Na ocasião, o órgão entregou ofício em que aponta a ineficácia da atual política adotada pelo Estado e ressalta a necessidade de atuação da União na definição de metas e diretrizes e na construção de uma política de segurança eficaz e democrática. Para o MPF, as ações precisam estar baseadas em evidências, estratégias de inteligência, foco e participação social.

No ofício, o procurador regional adjunto dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, Julio Jose Araujo Junior, destacou a responsabilidade compartilhada de todos os órgão integrantes do Sistema Único de Segurança Pública e apontou uma série de medidas a serem adotadas para assegurar a construção de uma política pública nacional capaz de assegurar o direito da população à segurança. Para o órgão, é preciso que a União estabeleça diretrizes a serem observadas por todos os estados e municípios, como forma de cooperação, coordenação e compartilhamento de responsabilidades.

Segundo o documento, estudiosos apontam que entre 1995 e 2018 houve aumento de gastos na segurança pública na ordem de 116%, sem resultados significativos na queda da violência no país. “A ausência de foco, integração e proatividade dos entes federativos, sem qualquer estratégia baseada em evidências, tende a aumentar apenas o número de presos de baixo risco e não atingir resultados substanciais”, alerta Julio Araujo.

O MPF defende, por exemplo, que a União tenha um papel indutor, atento às violações de direitos fundamentais, na definição de medidas baseadas em evidências científicas – com avaliação de impacto das iniciativas e de práticas já adotadas. As políticas devem ser regidas por princípios como proatividade, foco, integração, legitimidade social e precaução. Outro ponto destacado pelo MPF é que as operações policiais com confronto armado devem ser excepcionais, além de baseadas em inteligência e estratégias claras, de modo a oferecer o menor risco possível à vida das pessoas e ao cotidiano das comunidades.

“O papel indutor da União deve servir de estímulo ao cumprimento da Constituição e das decisões da Justiça na efetivação do direto à segurança, e não ao aprofundamento do cenário violador”, aponta Araujo. Em agosto deste ano, o MPF já havia recomendado ao Rio de Janeiro a adoção de plano para reduzir as mortes causadas por policiais, que é condição obrigatória para o recebimento de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública.

O MPF destaca ainda a importância da participação da sociedade na definição dos protocolos de atuação policial, assim como a avaliação dos impactos que eventual operação pode causar na rotina dos moradores, como o fechamento de serviços essenciais de saúde e educação. Segundo o MPF, a interrupção dessas atividades merece análise criteriosa e deve ser adotada apenas em situações excepcionais. Também é preciso que o Estado disponibilize ambulâncias em operações policiais previamente planejadas com a possibilidade de confrontos armados.

Força Nacional – No documento ao Ministério da Justiça, o MPF defende que o eventual uso de intervenção da Força Nacional, em cooperação aos órgãos de segurança de estados e municípios, deve ser fundamentado na imprescindibilidade dos serviços para a proteção da ordem pública, das pessoas e do patrimônio. Além disso, é preciso delimitar previamente o escopo dessa atuação, para possibilitar o controle da atividade, assim como informar à sociedade de forma transparente sobre os recursos despendidos no deslocamento e manutenção de agentes na localidade.

Providências – O objetivo das medidas é assegurar o cumprimento de decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no Caso Favela Nova Brasília, e do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635. No ofício entregue ao Ministério da Justiça, o MPF defendeu que a União – por meio do Sistema Único de Segurança Pública – monitore o cumprimento das medidas estabelecidas por essas Cortes.

No julgamento da chamada ADPF das Favelas, o STF determinou que o governo do Rio de Janeiro adote medidas para reduzir as mortes ocasionadas por policiais, incluindo a elaboração de um plano de redução da letalidade policial, a fixação de protocolos transparentes de atuação das forças de segurança e a utilização de câmeras pelos agentes. No mesmo sentido, a Corte Interamericana decidiu que o Estado estabeleça metas e políticas de redução da letalidade e da violência policial, entre outras providências, como a indenização das famílias e atendimento a vítimas de estupro.

As duas ações estão conectadas por casos de violência policial no Rio de Janeiro. O julgamento da Corte Interamericana trata de duas operações policiais em 1994 e 1995 na Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, que resultou em 26 homens vítimas de homicídio e três mulheres vítimas de violência sexual. Foi a primeira sentença em que o país foi condenado em âmbito internacional por reconhecida violência e negligência policial.

Já a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 foi proposta em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), para tratar da coibição da violência policial no Rio de Janeiro. Em junho de 2020, no auge da pandemia de coronavírus, o STF proferiu decisão cautelar suspendendo a realização de operações policiais, salvo em circunstâncias excepcionais.

Íntegra do ofício

Foto: Secretaria de Polícia Militar do RJ

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