Acompanhamos estarrecidos a repercussão da não aprovação, por parte do Senado, do defensor público federal indicado ao comando da Defensoria Pública da União (DPU) no último dia 25. As manchetes nos jornais denunciam: como pode uma pauta como o aborto ser usada como cortina de fumaça para disfarçar o jogo que pressiona o presidente da República a abrir mão de sua prerrogativa legal de indicar nomes para a DPU, o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República?
A rejeição ao meu nome para o cargo de defensor público-geral federal é uma possibilidade legítima, uma decisão que cabe ao Senado; entretanto, conforme abertamente declarado, naquele dia no plenário e nas redes sociais, foi um recado para o governo não indicar Flávio Dino ao Supremo, em vez de ser uma apreciação de fato da situação da Defensoria Pública.
Nunca, na nossa história, um defensor-geral foi rejeitado pelo Legislativo. A DPU segue dando o seu máximo para garantir os direitos humanos, mas ela não tem como se fortalecer e ampliar a atuação, tomar decisões estruturais, atuar robustamente pela universalização do acesso à Justiça e pela interiorização da sua atuação com um dirigente e uma equipe temporários.
Por que deixar a DPU, instituição encarregada constitucionalmente dos direitos humanos no Brasil, quase um ano sem definição, sob o risco de passar mais vários meses e talvez outro ano assim?
Em minha opinião, isso ocorreu porque, em nosso país, é comum pensar que algumas vidas têm valor e outras não, e que tudo que envolve a garantia e a proteção de pessoas subalternizadas é desprestigiado e pode ser manobrado da maneira que convém.
Vulnerabilizar a Defensoria Pública é penalizar a população que mais sofre; é dar o recado, não ao governo, mas a toda a sociedade de que a garantia dos direitos humanos pode esperar.
Antes de ser indicado pelo presidente da República, que examinava a lista tríplice votada pelos membros da DPU, eu e outro defensor fomos convidados para uma conversa no Palácio do Planalto. Na ocasião, Lula foi claro: quem ele indicasse deveria cumprir a missão da DPU de chegar a quem mais precisa, de atender a população mais pobre e vulnerabilizada do nosso país.
São incontáveis povos indígenas que estão, ainda, sendo massacrados, sem seus territórios demarcados, sem seus modos de vida e direitos respeitados — cabe à DPU, constitucionalmente, defendê-los.
São pessoas com deficiência que precisam de benefícios previdenciários; senhoras idosas que trabalharam no campo toda a sua vida e precisam da aposentadoria rural; são milhares de jovens negros vítimas de tortura e assassinato todos os anos.
A DPU não pode seguir em frente sem um defensor ou uma defensora-geral ocupando o espaço que a lei determina. A população brasileira precisa da Defensoria Pública forte e atuando na máxima potência, na força do que ela é: instrumento e expressão do regime democrático.
*artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo
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Roque de Sá/Agência Senado