MPF, Incra e comunidades quilombolas discutem desafios na regularização de suas áreas na Paraíba

Falta de recursos humanos e orçamentários gera entraves à agilização das etapas do processo de regularização de territórios quilombolas

Ministério Público Federal na Paraíba*

Nesta segunda-feira (13), lideranças quilombolas e representantes do Ministério Público Federal (MPF) estiveram reunidos no Gabinete da Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na Paraíba. Os participantes assistiram a uma apresentação que abordou as intricadas etapas do processo de regularização dos territórios quilombolas. O objetivo principal foi sensibilizar os presentes sobre a complexidade e as dificuldades enfrentadas até a concessão de um título de propriedade coletivo em nome da associação da comunidade quilombola. A discussão também abrangeu estratégias para garantir recursos financeiros e acelerar o trabalho do Incra.

A apresentação, elaborada por servidoras do Serviço de Regularização de Comunidades Quilombolas, revelou, por meio de dados concretos, obstáculos que impactam diretamente na demora dos processos. Um fluxograma destacou de forma evidente a complexidade das etapas que envolvem a instrução desses processos, desde a identificação e reconhecimento até a delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades quilombolas.

Conforme apresentado, na Paraíba há 47 comunidades reconhecidas como quilombolas, 43 comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares, 34 processos abertos no Incra na Paraíba, 11 Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTIDs) publicados, oito portarias de reconhecimento, seis decretos de desapropriação, cinco comunidades imitidas na posse e nenhuma com o título de propriedade coletivo em nome da associação da comunidade quilombola.

De acordo com a antropóloga Fernanda Lucchesi, do Serviço de Regularização de Comunidades Quilombolas do Incra/PB, o primeiro gargalo para a regularização fundiária é a elaboração e publicação dos RTIDs das comunidades, uma peça fundamental do processo. O documento reúne uma vasta gama de informações sobre a comunidade e o território por ela reivindicado e é composto pelo Relatório Antropológico, que aponta os aspectos históricos e socioculturais da comunidade, bem como a relação deles com o território a ser delimitado, pelo Laudo Agronômico e Ambiental, pelo levantamento dominial do território, pelo cadastro das famílias pertencentes à comunidade e pelo mapa e memorial descritivo da área.

A complexidade do RTID exige, segundo a antropóloga, recursos humanos e orçamentários de que o Incra não dispõe atualmente. “A contratação externa de RTIDs destravaria os processos e reduziria o tempo que as famílias precisam esperar para terem seus direitos efetivados”, disse Fernanda Lucchesi.

Um dos participantes da reunião, o deputado federal Luiz Couto, comprometeu-se a destinar uma emenda parlamentar para o Incra/PB. Os recursos serão utilizados exclusivamente para acelerar as etapas do processo de regularização de territórios quilombolas, conforme o superintendente do Incra/PB, Antônio Barbosa Filho.

Para o procurador da República José Godoy Bezerra de Souza, é preciso que o Incra reforce seus quadros, realizando concursos públicos para que possa continuar exercendo sua missão constitucional. “O trabalho do Incra é fundamental porque trata da reforma agrária, da questão quilombola e de diversas outras questões essenciais. Trata de território, e território é a centralidade de direitos. Quando uma comunidade não tem território, há uma cadeia de direitos que são negados, como a saúde, a educação e a moradia”, afirmou o procurador.

Espera prejudica – A demora na conclusão dos processos de regularização e da consequente concessão dos títulos de propriedade às comunidades quilombolas vem causando problemas às famílias.

O procurador da República Djalma Feitosa destacou que faltam recursos ao Incra para garantir direitos fundamentais aos quilombolas. “O prolongamento da finalização do processo de regularização territorial vem provocando conflitos na zona rural”, afirmou.

A presidente da Associação da Comunidade Quilombola de Paratibe, Joseane Santos, acrescentou que a demora para a conclusão dos processos é uma das causas da desistência de lideranças quilombolas.

A orientação dos representantes do MPF foi que as famílias, por meio da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes da Paraíba (Aacade/PB) e da Coordenação Estadual das Comunidades Negras da Paraíba (Cecneq/PB), procurem apoio parlamentar e do Ministério do Desenvolvimento Agrário para que a fatia do orçamento do Incra destinada à regularização de territórios quilombolas seja reforçada.

Áreas do Dnocs – Outra questão discutida na reunião foi a regularização de comunidades quilombolas localizadas em áreas do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), nos municípios de Santa Luzia e de Coremas.

Fernanda Lucchesi contou que as 125 famílias cadastradas pelo Incra na comunidade urbana Serra do Talhado, em Santa Luzia, aguardam, desde 2007, que o Dnocs/PB transfira as terras pleiteadas. Em 2018, o Dnocs declarou a necessidade de autorização legislativa para a destinação de suas terras aos quilombolas.

As comunidades quilombolas Barreiras, Mãe D’Água e Santa Tereza, localizadas no município de Coremas, foram deslocadas compulsoriamente de seu território original devido à construção das barragens de Coremas e Mãe D’Água durante as décadas de 1930 e 1950. Segundo Fernanda Lucchesi, não houve nenhuma política de reassentamento das famílias nos lotes criados pelo Dnocs na bacia hidráulica dos açudes.

“É urgente que se encontre uma solução simplificada para a destinação das terras que já são públicas em favor das comunidades quilombolas, como uma determinação ministerial para que o Dnocs regularize as terras em favor das comunidades, ou ainda decreto presidencial”, afirmou a antropóloga.

Além do superintendente do Incra/PB, Antônio Barbosa Filho, do chefe da Divisão de Regularização Fundiária e das servidoras do setor quilombola da autarquia, participaram da reunião o coordenador-geral do Escritório Estadual do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) na Paraíba, Cícero Legal, os procuradores da República José Godoy Bezerra de Souza e Djalma Gusmão Feitosa e representantes da Coordenação Estadual das Comunidades Negras da Paraíba (Cecneq/PB), da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes da Paraíba (Aacade/PB) e de comunidades quilombolas, a exemplo de Paratibe (João Pessoa), Mituaçú (Conde) e Gurugi (Conde).

Processo de regularização – A missão de regularizar os territórios quilombolas foi atribuída ao Incra em 2003, com a promulgação do Decreto nº 4.887, que regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata a Constituição Federal em seu artigo 68.

As comunidades quilombolas são grupos étnicos que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que, em todo o país, existam mais de 3.000 comunidades quilombolas.

Para terem seus territórios regularizados, as comunidades quilombolas devem encaminhar uma declaração na qual se identificam como comunidade remanescente de quilombo à Fundação Cultural Palmares, que expedirá uma Certidão de Autodefinição. Devem ainda encaminhar ao Incra uma solicitação formal de abertura dos procedimentos administrativos visando à regularização.

A regularização do território tem início com um estudo de vários aspectos da comunidade, que resultam na elaboração do RTID. Uma vez aprovado este relatório, e cumpridas as fases de contestações e recursos, o Incra publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola.

Se o título de domínio particular que incida nos territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos não for invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóvel para a adoção dos atos necessários à sua desapropriação, quando couber.

Após a demarcação e o georreferenciamento do território pelos técnicos de cartografia do Incra, é concedido um título de propriedade coletivo, pró-indiviso e em nome da associação, aos moradores da área, registrado no cartório de imóveis, sem qualquer ônus financeiro para a comunidade beneficiada. Os títulos garantem a propriedade da terra, além do acesso a políticas públicas de educação e de saúde e, ainda, a financiamentos por meio de créditos específicos.

*Matéria produzida pela Ascom do Incra/PB e reproduzida com alterações

Arte: Secom/PGR

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