Liderança indígena segue o caminho do pai, Davi Kopenawa Yanomami, em busca do reconhecimento de direitos dos povos originários
Por Catarina Duarte, na Ponte
De um lado 31 mil yanomamis, do outro a destruição da floresta, os Celsius lá em cima, as árvores no chão e os rios contaminados por mercúrio. No centro, Dário Vitório Kopenawa Yanomami, 39 anos. Filho do líder Davi Kopenawa Yanomami, 67, ele assumiu para si a incumbência de ser um porta-voz de seu povo, um trampolim necessário para que ganhem amplitude as violações de direitos impostas aos protetores da natureza.
Dário, os yanomamis e indígenas de outras etnias, têm pela Mãe Natureza (como o líder se refere) reverência. Para cortar árvores, caçar bichos, pescar peixes, eles pedem permissão. É necessário, ensina, ouvir o que ela tem a dizer para poder agir. “Ela faz parte da nossa humanidade”, fala.
Ele diz que, diferente do que se prega, os não-indígenas não têm o mesmo respeito. A natureza tomba, os recursos para subsistência ficam escassos e as doenças chegam. Daí a necessidade de lutar, afinal é no colo dos indígenas que a bomba vai estourar com mais força.
“Sou lutador de defesa do direito yanomami e também faço parte política para incentivar a sociedade brasileira”, fala Dário, em português — língua que aprendeu para se comunicar com os não-indígenas.
“Nós não somos destruidores. Não vamos derrubar sem permissão as árvores. Nós temos regras do sistema da floresta, por isso sabemos proteger”, diz Dário.
Espalhados em 384 aldeias, os yanomamis tiveram as terras em que vivem demarcadas em 1992, durante o governo do presidente Fernando Collor. Moram há séculos em áreas que, depois da colonização estrangeira, foram batizadas de cidades dos estados de Roraima e do Amazonas. Segundo a base de dados Terras Indígenas no Brasil, há na Terra Índigena Yanomami (TIY) povos isolados até hoje.
Apesar de históricos, os problemas ambientais na TIY foram agravados no período em que Jair Bolsonaro (PL) ocupou a presidência. “Eu tenho falado que, no que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena”, disse em entrevista à Band ao ser eleito. A promessa foi cumprida.
Contudo, essa não foi a faceta bolsonarista mais cruel em relação aos indígenas. Uma crise humanitária grave e urgente foi gestada no governo de Bolsonaro. Crianças yanomamis enfrentavam quadros graves de desnutrição e os casos de malária cresceram.
Sob Bolsonaro, o número de mortes de yanomamis por desnutrição aumentou 331% em relação aos quatro anos anteriores, conforme mostrou a BBC Brasil.
Em janeiro deste ano, o governo Lula decretou estado de emergência para combater a crise que tirava a vida dos indígenas. Agentes da Força Nacional e do Sistema Único de Saúde (SUS) foram deslocados para prestar atendimentos aos doentes e um Centro de Operações de Emergência em Saúde foi montado em Roraima. Além dos suportes para emergências, a ação que segue estruturada faz vacinação e monitora dados sobre a saúde dos indígenas.
Um inquérito da Polícia Federal investiga se houve crime de genocídio e omissão de socorro contra o ex-presidente em relação aos yanomami. O último ponto diz respeito aos alertas feitos pelos yanomami pedindo ajuda. Segundo o The Intercept Brasil, 21 ofícios encaminhados a órgãos públicos foram ignorados.
Vice-presidente da Hutukara, entidade criada pelos indígenas para articulação em proteção do território, Dário enxerga essa atividade como estratégia política. “É uma estratégia dos políticos que querem reconhecer seus direitos e interesses para violar os nossos territórios, acabar com os rios, animais, biodiversidade e, principalmente, a Amazônia”, diz.
Luta contínua
Dário nasceu na comunidade Watoriki, que fica dentro da TIY. Na infância e adolescência viu o pai ser reconhecido como liderança dentro e fora do país. Como observador privilegiado, passou a acompanhar Davi na vida política. Esteve com ele em congressos, assembleias e premiações, entre elas a entrega do prêmio Right Livelihood Award, o “Nobel dos Direitos Humanos”, vencido pela liderança em 2019. A ativista ambiental sueca Greta Thunberg também foi premiada na data.
“Meu pai está lutando há quase 49 anos de resistência e luta pelo direito do povo Yanomami e na política no âmbito da sociedade brasileira”, diz Dário. Davi é um dos fundadores da Hutukara e autor dos livros A Queda do Céu (Companhia das Letras, 2010) e O Espírito da Floresta (Companhia das Letras, 2023).
Ambas obras, escritas em conjunto com Bruce Albert, têm como plano de fundo a vida dos povos da floresta, a complexidade das disputas na região e as consequências trágicas na vida dos que ali habitam.
Espelhando-se no pai, Davi entendeu que precisa agir. Ele conta que após aprender o português, chegou a dar aulas dentro da TIY para que outros jovens aprendessem a língua, que para eles é estrangeira. Estuda na Universidade Federal de Roraima (UFRR) o curso de Gestão Territorial Indígena. Vê a formação como uma forma de potencializar conhecimentos importantes para conseguir alertar sobre os dilemas dos yanomamis.
Por conta dos estudos e da agenda de compromissos pela Hutukara, divide o tempo ao longo do ano entre os meses que passa na TIY e os demais que passa na cidade de Boa Vista. Faz questão de estar nas redes sociais e postar o máximo de denúncias de violações que recebe. Acredita que por ali consegue levar informação e mobilizar parte dos 20 mil seguidores que tem apenas na rede X (antigo Twitter).
Mensagem de @Dario_Kopenawa contra o Marco Temporal#MarcoTemporalNão pic.twitter.com/reK2gV6iIw
— Marco Temporal Não #PalestinaLivre 🇵🇸 (@Karibuxi) August 30, 2023
Foi por ali, através de vídeos e textos curtos, que fez questão de cobrar dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que a tese do marco temporal fosse tida como inconstitucional.
Em setembro, a corte rejeitou a tese que postulava a data de promulgação da Constituição Federal como marco para definir o direito à ocupação de terras por povos tradicionais. Em contrapartida, os parlamentares aprovaram o PL 2.903/2023, que tornava o dispositivo válido.
O trecho acabou vetado pelo presidente Lula. A medida vai à análise do Congresso, que pode rejeitar a decisão presidencial. Uma sessão para discussão deste PL estava marcada para a última quinta-feira (9/11), mas acabou adiada para o dia 23.
“Essa tese do marco temporal vai matar seres humanos, principalmente os povos indígenas. Um massacre vai acontecer”, alerta Dário. Ele diz que o marco temporal representa o avanço da destruição sobre a cultura, tradições e direitos dos indígenas. “Precisamos que as autoridades tomem providências sobre isso. Essa tese é uma grande doença. Não tem resultado, não tem vida”, afirma.
Planeta em colapso
Davi é um dos convidados do seminário “Perspectivas do Clima”, que ocorre de 22 a 24 de novembro, em São Paulo. O evento organizado pelo CPF SESC busca discutir diferentes perspectivas e narrativas do clima e do ambiente.
Participam da discussão cientistas de diversas áreas, lideranças indígenas, quilombolas e urbanas, comunidades ribeirinhas, jornalistas e artistas indígenas.
O seminário pretende também discutir condições e possibilidades de alianças e diálogos, colocando, nesse sentido, outras questões para o já tão conhecido debate global.
As inscrições podem ser feitas no site do CPF SESC com valores a partir de R$ 15 para associados.
Serviço:
O quê: Seminário “Perspectivas do Clima”
Quando: 22 a 24 de novembro de 2023
Onde: CPF Sesc: Rua Dr. Plínio Barreto, 285 – 4º andar
Mais informações: Ingressos a partir de R$ 15. Inscrições podem ser feitas no link https://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/
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