A ciência verdadeiramente inclusiva é aquela que reconhece e valoriza a diversidade de perspectivas e experiências, onde mulheres e mães têm espaço e oportunidades equitativos de produção do conhecimento
Por Ana Pimentel, Le Monde Diplomatique Brasil
Nas últimas semanas, veio ao debate público a denúncia da professora da Universidade Federal do ABC, Maria Caramez Carolotto, a respeito da discriminação de gênero em parecer do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) como resposta a sua solicitação de bolsa de produtividade, a mais importante da agência concedida a docentes. Contudo, para as mulheres pesquisadoras, professoras e cientistas, assim como para o movimento nacional de ciência e tecnologia, essa realidade não é uma novidade.
Historicamente, o ambiente acadêmico, científico e da produção do conhecimento tem sido negado às mulheres que, na contramão das estruturas patriarcais, têm ocupado e conquistado estes espaços. Com um maior número de mulheres, ficam latentes os sintomas dessa desigualdade: hoje elas são mais da metade da pós-graduação, contudo são minoria nos cargos de liderança e como beneficiárias de bolsas de excelência, como é o caso da bolsa de produtividade do CNPq.
Contudo, também à medida que este espaço tem sido ocupado e disputado pelas mulheres, novas lutas e avanços vêm sendo conquistados. E nós não pretendemos parar. Em agosto de 2023, realizamos uma audiência pública na Câmara dos Deputados que tratou dos desafios e lutas por direitos das mulheres na carreira científica com a presença de diversos movimentos da sociedade civil e com as agências de fomento nacionais. Debatemos a partir da perspectiva da divisão sexual do trabalho e da discriminação de gênero como fatores de impacto estruturantes do trabalho científico das mulheres, e buscamos formular saídas coletivas baseadas na realidade das pesquisadoras e docentes brasileiras.
Nesse sentido, vale destacar a importância de termos parlamentares e uma Câmara alinhadas com o desenvolvimento de estratégias que visem a mitigar essas desigualdades e descriminações de gênero. Esforços que dão ainda mais resultados quando têm o apoio de um governo federal comprometido com as mesmas lutas. Assim, a resposta do CNPq à denúncia da professora não foi apenas individual, mas buscou ser mais ampla, respondendo a um dos sintomas de um problema estrutural. Essa resposta busca por mais equidade nos processos avaliativos, ao estender os prazos para apreciação da produtividade de pesquisadoras que se tornam mães.
O caminho que teremos que percorrer é ainda longo. As mulheres seguem sendo impactadas pela divisão sexual do trabalho e pela desigualdade de gênero em todas as esferas, condição ainda mais agravada quando consideramos raça, classe e sexualidade. O impacto dessa realidade em suas carreiras é brutal, e a solução requer políticas que promovam não só a valorização das mulheres, mas a desorganização de toda uma estrutura que as exclui, assim como os conhecimentos que produzem, em detrimento dos homens e seus saberes.
É vital que os órgãos de pesquisa, como a Capes, o CNPq e as agências de fomento estaduais, se comprometam com políticas neste sentido, indo além de medidas paliativas. O governo federal e a comunidade científica podem contar com nosso trabalho, num esforço profundo para valorização e promoção das mulheres cientistas, em busca de uma inclusão plena e equitativa.
A ciência verdadeiramente inclusiva é aquela que reconhece e valoriza a diversidade de perspectivas e experiências, onde mulheres e mães têm espaço e oportunidades equitativos de produção do conhecimento. Seguiremos em busca de um comprometimento contínuo e incansável por políticas públicas efetivas que criem um ambiente científico justo, inclusivo e plural.
Ana Pimentel é deputada federal pelo PT-MG. É médica defensora do SUS, professora universitária e pesquisadora de saúde pública. Na Câmara dos Deputados, é vice-líder do PT e membro titular da comissão de Saúde, de Defesa dos Direitos da Mulher, de Legislação Participativa e suplente da Comissão de Ciência e Tecnologia. Preside a Frente Parlamentar Mista do SUS e a Frente Parlamentar da Vacina. Participa e é coordenadora-geral da Frente Parlamentar de Enfrentamento às ISTs, HIV/AIDS e Hepatites Virais e, além de ser vice-presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação.
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