Um ano depois da eclosão da crise humanitária Yanomami, garimpeiros desafiam o governo federal, e solução depende de “correção de rumos”
A persistência do garimpo ilegal na Terra Yanomami depois de um ano de esforços para retirá-los do território forçou o governo federal a repensar sua abordagem de ação. Ao invés de medidas emergenciais, com operações ocasionais, a ideia agora é estabelecer bases permanentes para forças de segurança dentro da reserva, de forma a facilitar a fiscalização e o combate a ilegalidades.
Segundo informou o Fantástico (TV Globo), o governo federal gastou cerca de R$ 1 bilhão na resposta emergencial à crise Yanomami em 2023. A Polícia Federal abriu 400 investigações sobre crimes cometidos dentro do território, em processos que já resultaram no bloqueio de R$ 600 milhões em bens e valores pela Justiça.
“A Terra Yanomami é um desafio enorme, tanto pelo tamanho, mas também pelos transportes, pelo deslocamento. Hoje é uma área que só se desloca através de transporte aéreo. A situação fluvial é limitada para trazer equipamentos”, explicou a presidente da FUNAI, Joenia Wapichana.
De acordo com o IBAMA, foram realizadas 205 vistorias em pistas de pouso no território e seu entorno, com 31 delas embargadas e 209 monitoradas. O cerco ao garimpo resultou na redução de 85% das áreas mineradas dentro da reserva entre fevereiro e dezembro de 2023 na comparação com o mesmo período no ano anterior.
Ainda assim, a presença insistente do garimpo no território Yanomami mostra que o poder público precisa ir além de operações de fiscalização para proteger as comunidades indígenas. Como destacou o médico Cláudio Esteves de Oliveira, veterano da saúde indígena Yanomami, ao Sumaúma, o governo ainda não atacou a infraestrutura logística que permite a permanência dos invasores.
“Expulsar o garimpo não é tarefa fácil, mas manter o garimpo funcionando na Terra Indígena também é difícil para os criminosos. É preciso ter um apoio logístico bastante complicado. Se foi possível acabar com o garimpo e manter a vigilância na primeira grande onda de invasão, no fim da década de 1980, hoje, contando com muito mais recursos financeiros e tecnológicos, nada justifica que o garimpo esteja ativo, em carga total, depois de um ano”, disse.
Ao mesmo tempo que o poder público precisa atacar a logística do garimpo de forma mais ampla, falta também apoio logístico aos órgãos ambientais e indigenistas para o trabalho em campo. O culpado aqui tem nome: as Forças Armadas, que seguem um curioso e constrangedor silêncio quando o assunto é a crise Yanomami.
Mesmo com apelos da FUNAI e do Ministério dos Povos Indígenas por ajuda para o transporte de suprimentos e equipes dentro do território indígena, os militares continuam quietos na caserna – um contraste marcante para quem passou o governo anterior brincando de fazer política às custas dos Direitos Indígenas.
“Nos bastidores, os militares apresentaram mil argumentos, incluindo supostos limites no decreto presidencial de janeiro de 2023 [que declarou emergência na Terra Yanomami] – questiúnculas burocráticas no contexto de uma emergência humanitária”, destacou o jornalista Rubens Valente na newsletter “Brasília a quente”, da Agência Pública. “O que importa é que os militares se revelaram incapazes de instituir a paz dentro do território. Que vergonha para a nona maior economia do mundo ter Forças Armadas que não conseguem lidar com o quê, dois ou três mil garimpeiros”.
Pois é…
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Pedro Ladeira / Folhapress