Mineradora é acusada de incluir cláusulas abusivas nos acordos individuais, enquanto segunda instância da Justiça mineira corta em até 80% indenizações a atingidos, mostra levantamento.
Em 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, da Vale, matou 270 pessoas, poluiu o rio Paraopeba e causou um rastro de destruição e desamparo em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Cinco anos depois, a dor dos atingidos pela maior tragédia ambiental do país ganha novos dramas, que envolvem o habitual descaso da mineradora e a anuência de parte da Justiça com os desmandos da companhia.
Na 6ª feira passada (19/1), a 2ª Vara de Fazenda Pública de Belo Horizonte deu dois dias para que a Vale, o Ministério Público e a Defensoria Pública do estado se pronunciassem sobre cláusulas de acordos extrajudiciais oferecidos pela mineradora a familiares de vítimas e sobreviventes do rompimento da barragem. O despacho foi assinado pelo juiz Murilo Silvio de Abreu em uma ação civil pública que questiona acordos individuais para encerrar ações judiciais em andamento.
Segundo Guilherme Amado, do Metrópoles, Revista Fórum e Rádio Itatiaia, a ação civil pública, movida pelo Instituto Raymundo Campos, alega que a Vale tem incluído cláusulas abusivas nos acordos individuais, não previstas no termo de compromisso assinado entre a mineradora e a Defensoria Pública mineira em abril de 2019. Conforme a ação, diversas cláusulas nas propostas apresentadas pela empresa violam os direitos das pessoas afetadas.
Entre os pontos questionados estão a obrigação dos atingidos de desistir de ações no Brasil e no exterior; a exigência de que, no aceite da indenização acordada com a Vale, a vítima fica obrigada a renunciar a qualquer outra forma de compensação ou acordo; e o estabelecimento de sigilo nos acordos com as famílias das vítimas mortas na tragédia.
Infelizmente o desespero dos afetados não se resume à pressão da mineradora. Como mostra a Repórter Brasil, em matéria repercutida pela Carta Capital, a 2ª instância da Justiça de Minas Gerais vem cortando em até 80% as indenizações a atingidos de Brumadinho. A pesquisa, feita pelo pelo Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (NACAB), analisou 319 processos julgados em segunda instância pelo Tribunal de Justiça de Minas (TJMG) e verificou que de cada 4 decisões, 3 foram desfavoráveis aos atingidos pela tragédia de Brumadinho.
Em posicionamento enviado por sua assessoria de imprensa, o TJMG afirma que juízes e desembargadores têm autonomia para tomar as decisões nos processos que julgam, “segundo as particularidades de cada ação judicial e o preenchimento dos requisitos legais”. Em suma, o tribunal lava as mãos.
Já a Vale informou que, até o momento, já pagou cerca de R$ 3,5 bilhões em acordos de indenização fechados com mais de 15,4 mil pessoas – nem todos decorrentes de processos judiciais. “Desde 2021, ao menos um familiar de todos os empregados falecidos, próprios e terceirizados, celebraram acordos de indenização”, afirmou a mineradora, em nota. Nesse ano de 2021, a Vale lucrou R$ 121 bilhões; em 2022, foram quase R$ 96 bilhões.
Não custa lembrar, como faz o g1, que o acordo socioambiental bilionário assinado por Vale, governo de Minas Gerais, Ministérios Públicos estadual e federal, Defensoria Pública e TJMG para mitigar os danos causados pelo rompimento da barragem foi assinado no dia 4 de fevereiro de 2021. E sem a participação dos atingidos pela tragédia.
A Folha mostra que o “dinheiro do sangue”, como são chamados os recursos pagos em indenizações a vítimas e usados em programas de transferência de renda, criaram certa pujança econômica em Brumadinho. Assim como um inchaço populacional, com a chegada de cerca de 10 mil trabalhadores contratados para as obras de reparação.
As cifras, contudo, não apagam o trauma. A cidade vê o aumento do uso de remédios controlados em meio ao luto coletivo e novos impactos emocionais e sociais pós-tragédia. “Estamos todos adoecidos”, diz Tânia Campos, diretora da escola Semear, onde estudam 45 órfãos da tragédia. “A lama tirou de mim aquela vontade de viver”, lamenta Rogério Patrício, morador do Parque da Cachoeira, zona quente do desastre que virou um distrito-fantasma.
Para marcar os 5 anos da tragédia, foi lançado o documentário “Brumadinho: relatos de um crime continuado”, do Coletivo das Pessoas Atingidas pelo crime da Vale. O filme denuncia, a partir de depoimentos dos próprios atingidos, os diversos impactos causados na vida das famílias e em todas comunidades, desde o rompimento da barragem, relata o Brasil de Fato.
Outra lembrança cruel – e macabra – de Brumadinho: segundo o UOL, mais de 400 fragmentos de corpos, de 133 vítimas, recuperados na área da barragem, permanecem armazenados no Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte. Eles fazem parte dos 1.023 corpos ou segmentos, localizados ao longo dos cinco anos de buscas.
Os 5 anos da tragédia de Brumadinho foram destaque também no Projeto Colabora, Folha, Poder 360, g1 e CNN.
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Rovena Rosa – 15/01/2023