Publicação é fruto do esforço coletivo que busca evidenciar e problematizar as lacunas presentes nas decisões judiciais
Por Taynara Borges e Isabella Pilegis, jornalistas do ISA
Com origem em uma demanda do Instituto Socioambiental (ISA) ao Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado, o livro “Tribunais Brasileiros e o Direito à Consulta Prévia, Livre e Informada” é uma resposta à escassez de pesquisas abrangentes sobre o papel crucial das decisões judiciais no estabelecimento de conceitos e na efetivação deste direito nos tribunais federais e superiores no Brasil.
A publicação é composta por coletâneas de decisões relativas ao direito de consulta livre, prévia e informada obtida junto aos Tribunais Regionais Federais (TRFs) de todas as regiões do país, bem como em decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Além da coletânea de decisões, o livro traz um texto analítico por tribunal, onde especialistas avaliam a atuação dos tribunais no tema.
Assim, cada capítulo, elaborado por um grupo dedicado de autores e autoras, mergulha em análises específicas, desde metodologias de pesquisa até discussões aprofundadas sobre jurisprudência socioambiental, racismo estrutural, efetividade do direito de consulta à luz da Convenção n.169 da OIT, entre outros temas fundamentais para a compreensão desse direito no contexto do sistema jurídico da justiça federal no Brasil.
Assessora jurídica e coordenadora do Programa Xingu do ISA, Biviany Rojas conta que a arte de capa foi cedida pela artista Daiara Tukano e simboliza a força e a harmonia entre uma mulher indígena e a natureza, representando a luta coletiva e a união na defesa dos direitos humanos socioambientais.
“Este livro não apenas desvela o intrincado contexto das decisões judiciais relacionadas ao direito à consulta prévia, mas também aponta caminhos para promover decisões judiciais que contribuam com um futuro mais inclusivo e respeitoso aos direitos dos povos indígenas e as comunidades tradicionais”, ressalta a advogada.
Fernando Prioste, assessor jurídico do ISA, reforça que “sua importância transcende o campo jurídico, colocando em pauta um debate fundamental para o futuro da sociedade brasileira, instigando reflexões sobre diversidade, justiça socioambiental, participação social e garantia de direitos para as próximas gerações”.
A publicação desta obra não marca um ponto final, mas sim um convite para a continuidade desse diálogo, da busca por uma justiça mais ampla e inclusiva, em que a diversidade seja não apenas reconhecida, mas celebrada e protegida em todos os âmbitos da vida nacional.
Acesse agora a versão digital do livro sobre a jurisprudência brasileira no direito de consulta a povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais: clique aqui.
Direito em risco
Recriado em agosto pelo Governo Lula, o Programa de Aceleração do Crescimento (“Novo PAC”) foi apresentado com um conjunto de medidas consideradas necessárias para o crescimento econômico do Brasil.
Entre as propostas apresentadas no documento está o “aperfeiçoamento do marco regulatório do licenciamento ambiental”. Ou seja, o Governo quer mudar a forma de fazer o licenciamento ambiental. Entre essas medidas está a proposta de regulamentação do direito de consulta livre, prévia e informada.
A regulamentação da Consulta já existe em alguns estados, e em alguns órgãos do Governo Federal, como no caso do INCRA para quilombolas. Mas até agora não existe uma regulamentação nacional que se aplique igualmente para todos os casos. É justamente por isso que o Governo Federal disse que vai fazer a regulamentação do direito de consulta.
As experiências da Bolívia, Venezuela, Colômbia e Equador ensinaram que a regulamentação do direito à consulta prévia é feita através de decisões políticas que, na maioria dos casos, não garantem direitos a povos indígenas e povos e comunidades tradicionais..
Confira os principais riscos de uma possível regulamentação do direito de consulta:
1. Risco de retirar das comunidades tradicionais o direito à consulta
Essa restrição poderia acontecer:
(I) Pelo reconhecimento de que apenas indígenas e quilombolas deveriam ser consultados, excluindo-se as comunidades tradicionais de todo o Brasil;
(ii) Pelo estabelecimento de critérios que impeçam ou limitem o direito de consulta, como fazer diferenças entre área diretamente afetada e área indiretamente afetadas nos casos de licenciamento de empreendimentos;
(iii) Pela desconsideração das várias formas de representação que cada povo indígenas, comunidade quilombola ou outras tradicionais tem;
2. Risco de alteração da responsabilidade de quem pode e deve conduzir o processo de consulta
Este risco está relacionado com o fato do Governo poder:
(i) Colocar a responsabilidade pela realização da consulta a órgãos públicos que não são os responsáveis pela decisão que será tomada pelo Governo;
(ii) permitir que empresas privadas com interesses nos empreendimentos possam realizar os procedimento de consulta, indo contra o estabelecido pela Convenção 169 da OIT;
3. Risco de limitar as medidas e ações que devem ser objeto de Consulta
Essa restrição poderia acontecer:
(i) Caso sejam criadas regras em que a consultas só devem ocorrer nos casos de empreendimentos de infraestrutura e mineração, excluindo outras decisões importantes, como projetos de lei e políticas públicas direcionadas a comunidades tradicionais e povos indígenas.
(ii) Pela definição de uma única consulta sobre um empreendimento que tem várias fases de licenciamento ambiental e de decisões de governo. Como, por exemplo, determinar que a consulta sobre empreendimentos ocorra uma única vez no licenciamento ambiental, ignorando as etapas de planejamento, ou vice-versa;
4. Risco de padronização ou generalização dos procedimentos de Consulta
Esse risco pode acontecer:
(i) Pelo descumprimento dos Protocolos Autônomos de Consulta, substituídos pela regulamentação geral que se aplicaria de forma igual a todos os povos e comunidades;
(ii) Por imposição de prazos rígidos para a realização do processo de consulta, incompatíveis com os tempos necessários para a realização do procedimento por cada povo e comunidade tradicional;
5. Risco do Governo não considerar a decisão tomada no processo de consulta
Esse risco poderia acontecer:
(i) Se não for respeitada a necessidade de que a tomada de decisão do Governo deve levar em consideração, obrigatoriamente, os resultados do processo de consulta;
(ii) Se o Governo alterar decisões sem considerar os processos de consulta, desrespeitando sua eficácia.
Leia a nota completa AQUI.
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Imagem: Arte de Daiara Tukano que ilustra a capa do livro e simboliza a força e a harmonia entre a mulher indígena e a natureza, representando a luta coletiva na defesa dos direitos humanos.
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Julio Araujo.