Um ano após tragédia climática, moradores de São Sebastião tentam retomar a vida

Marcas da destruição seguem visíveis na Vila Sahy, área mais afetada pelos deslizamentos no ano passado; enquanto obras atrasam, poder público gasta dinheiro com “show”.

ClimaInfo

Um dos maiores desastres climáticos do Brasil completou um ano na última 2a feira (19/2). As marcas das chuvas históricas que atingiram a região de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, seguem visíveis, especialmente para quem vive nas áreas atingidas por deslizamentos de terra em fevereiro de 2023. O risco de um novo desastre continua assombrando essas comunidades.

Mesmo com a interdição de alguns imóveis e a retirada de famílias para outras áreas, muitos seguem vivendo na Vila Sahy, insatisfeitos com as alternativas apresentadas pelo governo do estado e pela prefeitura de São Sebastião, como a transferência para conjuntos habitacionais em outras regiões do município.

Em novembro passado, a Procuradoria-Geral do Estado chegou a pedir na Justiça Federal autorização para demolir pelo menos 893 imóveis em áreas de risco. No entanto, no começo do ano, o governo paulista voltou atrás, alegando que os moradores não querem deixar suas casas e que a realização de obras de contenção poderia mitigar o risco de um novo desastre.

“A gente não saiu porque aqui a gente construiu nossa família, aqui nós temos uma vida. E a gente sabe que com tudo isso que está sendo feito, essas drenagens, contenções, barreiras e isso nos dá uma segurança”, disse João Bosco, eletricista e representante dos moradores da Vila Sahy, ao Fantástico (TV Globo). “Eu acho que jamais vai acontecer o que aconteceu novamente”.

Infelizmente, a esperança de João não é compartilhada com especialistas. “A execução dessas obras não vai eliminar o risco. [Ele] ainda existe e não é pequeno”, afirmou ao g1 o geólogo Marcelo Gramani, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) da Universidade de São Paulo (USP). “Tem o que a gente chama de suscetibilidade. O que a gente assistiu em 2023? Vários escorregamentos de encostas e taludes que a gente chama de natural. Eles não foram induzidos pela ocupação. Escorregamentos ocorreram em função das chuvas”.

A chuva mais intensa já registrada no Brasil despejou 661 milímetros de água em um período de 12 horas em São Sebastião, provocando deslizamentos de terra e inundações que ceifaram a vida de 64 pessoas. A destruição foi particularmente mais forte na Vila Sahy, uma das 21 áreas de risco identificadas em um levantamento do IPT de 2018.

Mesmo com o alerta de seis anos atrás, o poder público só iniciou as medidas de redução de risco após o desastre do ano passado. Ainda assim, a resposta do poder público ainda está lenta. Como a Folha pontuou, apesar dos bilhões de reais destinados para a ajuda emergencial e a recuperação das áreas afetadas, a ação do governo paulista e da prefeitura de São Sebastião acumula atrasos, recuos e desacertos quanto a oferta de moradias, desocupação de locais de risco e conclusão de obras preventivas.

Além dos atrasos, a administração municipal também chamou a atenção nesta semana por conta de um evento programado para marcar o primeiro ano da tragédia. A prefeitura contratou o show de uma dupla sertaneja, ao custo de R$ 165 mil. Moradores e familiares de vítimas questionaram a insensibilidade de se realizar um evento festivo para marcar um episódio trágico para o município.

Depois das críticas, o prefeito Felipe Augusto cancelou a apresentação, mas se justificou: “Temos que homenagear os nossos mortos, as pessoas que infelizmente perderam a vida e as famílias sempre. Mas nós temos que celebrar a vida”, disse à Folhag1 e O Globo também repercutiram esse absurdo.

A situação de São Sebastião um ano depois das chuvas também foi abordada pela Agência BrasilEstadão e Nexo Jornal, entre outros.

Em tempo: Um levantamento da Agência Pública, a partir de dados da Defesa Civil da cidade de São Paulo, mostrou que os distritos onde moram mais pessoas negras tiveram mais alagamentos, inundações e deslizamentos de terra nos últimos dez anos. Os distritos de Jardim Helena, Vila Jacuí e São Miguel Paulista, todos na zona leste da capital paulista, obtiveram a maior média de ocorrências no período. Além da proximidade geográfica, eles também contam com uma proporção de população preta ou parda acima de 37%, que é a proporção do município – 54%, 49% e 44%, respectivamente.

Reprodução Instagram / marina.helou

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