Tarcísio, Derrite e a estratégia Bukele

Ao orientar seu secretário a assumir relatoria da lei contra as “saidinhas”, governador paulista abre o jogo: direita vai transformar Segurança Pública em espetáculo. Como enfrentar esta ameaça?

por Glauco Faria, em Outras Palavras

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, exonerou Guilherme Derrite do cargo de secretário de Segurança Pública do estado nesta terça-feira (12). Não houve qualquer tipo de insatisfação do ex-ministro de Bolsonaro com seu subordinado. Ele reassumirá o posto de deputado federal pelo PL, para relatar o projeto de lei que extingue a saída temporária de presos das cadeias, em feriados e datas como o Dia das Mães. Tocada sem discussão e cercada de obscurantismo, a proposta deve ser aprovada com facilidade. Não haveria necessidade alguma de Derrite voltar à Câmara dos Deputados. O que está em jogo é sua imagem e a aposta cada vez mais forte do governador paulista no populismo penal.

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Muitos já identificam o movimento de Tarcísio com aquilo que foi aplicado em El Salvador pelo presidente reeleito Nayib BukeleDesde 2022 em estado de exceção, já renovado 11 vezes, o país reduziu seus índices de criminalidade por meio de medidas autoritárias, que incluem violações de direitos, encarceramento em massa, detenções ilegais e aparelhamento do Judiciário. No auge da violência, em 2015, eram 107 homicídios para cada 100 mil habitantes. O número caiu para 36 no primeiro ano do atual governo – segundo especialistas, por meio de negociações com lideranças de facções criminosas. Agora, segundo dados do governo, a taxa é de 2,4 para cada cem mil. Ninguém sabe por quanto durarão os resultados, já que os problemas estruturais que alimentam a criminalidade, como a desigualdade social e a pobreza permanecem intactos e as prisões superlotadas têm hoje farta mão de obra a ser recrutada pelos grupos armados.

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Não tardou para Buekele virar ídolo de uma extrema direita cada vez mais conectada globalmente. E seu “modelo” passou a ser visto como possível solução para cenários e países distintos.

Em Rosario, na Argentina, quatro pessoas foram assassinadas na semana passada, em possível onda de atentados promovidos por organizações criminosas locais. O governo de Javier Milei reagiu prometendo enviar soldados. Sua ministra da Segurança Pública, Patricia Bullrich, disse na segunda-feira (11) que vai propor lei antimáfia que muitos entendem inspirada no “método” Bukele. Em entrevista ao La Nación, a diretora para as Américas da Human Rights Watch, Juanita Goebertus, alertou para a adoção do modelo. “O próprio Bukele responde a Bullrich que há uma diferença muito grande (…) El Salvador teve historicamente a maior taxa de homicídios na América Latina. A Argentina, apesar dos desafios em Santa Fé, tem a menor”, pontua.

Ela continua: “A prisão em massa não é a resposta para desmantelar as redes do crime organizado. Pode ter efeitos de redução de curto prazo de algumas taxas de insegurança (…) Amanhã podem prender centenas de jovens, e centenas de outros serão recrutados para essas mesmas organizações.”

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Mas a extrema direita não busca soluções efetivas, e sim de espetáculos que nomeiam inimigos e soluções simples. É assim que cresce em todo o mundo.

Tarcísio, um governador que até há pouco tempo não tinha marca, agora quer se associar a uma das bases do bolsonarismo que o criou – o militarismo misturado ao populismo penal. As ações da Polícia Militar paulista na chamada Operação Verão, já resultaram na morte de 43 pessoas, em pouco mais de um mês. São diversos relatos de violência policial, perícias não realizadas e abusos.

O governador, ao ser questionado sobre a escalada da violência policial na região, respondeu: “Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”.

O governador deixava de lado sua vestimenta de “moderado” e agora passava a usar outra farda, que cabe melhor aos propósitos dos extremistas. Não usa mais disfarces.

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Outras ações promovidas na área da Segurança Pública não deixam dúvidas sobre a escolha de Tarcísio.

Nesta segunda-feira (11), o governo estadual promoveu mais uma movimentação na cúpula da PM de São Paulo com 47 transferências de oficiais, 28 capitães e 19 tenentes. Todas as mudanças fortalecem Derrite, um bolsonarista que atuou nas Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), sendo afastado desta tropa conhecida por seus abusos após ocorrência que resultou na morte de seis pessoas. Foi eleito deputado federal em 2018 e reeleito em 2022.

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As trocas afastam tanto oficiais contrários à forma de condução da Operação Verão como os contrários ao abandono das câmeras corporais adotadas pela PM. Em 2023, o governo paulista cortou ao menos R$ 37,3 milhões do programa Olho Vivo, responsável pela manutenção dos equipamentos.

Ao diminuir os recursos, Tarcísio mostra não só que uma eventual alta da letalidade policial não é uma das preocupações do seu governo como também que não lhe interessa a própria vida dos agentes. Segundo levantamento divulgado em janeiro, o número de mortes de policiais militares em serviço em São Paulo caiu pela metade nos três anos posteriores à adoção das câmeras corporais em agosto de 2020.

Parte da população e do corpo policial podem ser rifados em nome de um projeto político que talvez tenha Tarcísio como candidato a presidente em 2026 e, quem sabe, Derrite como postulante ao governo estadual.

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De acordo com dados organizados pelo Monitor da Violência do G1, em parceria com Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, o número de homicídios no Brasil recuou 4% em relação a 2022.

O índice divulgado nesta terça-feira (12) é o menor desde o início da série histórica em 2007. Quando analisados os números por estado, surge algo concreto: um maior número de policiais não significa necessariamente melhores dados para a segurança pública.

“Muitas vezes, pode ser inversa: mais polícia, mais violência. O Amapá, por exemplo, tem a maior proporção de policiais do (4,2 PMs para cada mil habitantes), mas lidera o ranking dos homicídios brasileiros (45,2 mortes por 100 mil). Santa Catarina fica no extremo oposto: tem o menor efetivo (1,3 PMs por mil habitantes) e a segunda menor taxa nacional de homicídios (7,9 por 100 mil)”, analisa Bruno Paes Manso, pesquisador do NEV-USP, para a Carta Capital.

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Mesmo com a redução, a violência continua sendo um problema grave no Brasil. E a percepção de insegurança também. Esta é alimentada diariamente pelas fake news das redes sociais e também pela cobertura midiática que busca na espetacularização da violência o aumento da audiência. Basta ver a intensa e desproporcional cobertura do caso dos dois fugitivos do presídio de Mossoró, que recebeu destaque na TV aberta em programas jornalísticos e não jornalísticos, não se limitando aos tradicionais programas policialescos.

Isso ajuda o ideário da extrema direita que, quando não pode trabalhar com o caos de forma efetiva, usa a ilusão do caos como ferramenta para propor soluções igualmente ilusórias, mas simples. E cresce no vácuo da esquerda e do resto do espectro político que não conseguem propor soluções efetivas para um problema que é multifatorial, embarcando muitas vezes na gramática extremista ou deixando-se seduzir pelo populismo penal. É possível e necessário ir além.

Foto: Governo do Estado de São Paulo/Divulgação

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