Ministro divulgou seu voto no dia que marca os 60 anos do golpe com indiretas a teorias golpistas
Por Mateus Coutinho, no Brasil de Fato
Sob o argumento de “expungir desinformações que alcançaram alguns membros das Forças Armadas”, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, propôs que a corte notifique o Ministério da Defesa para que seja difundida em todas as organizações militares a decisão do julgamento que trata dos limites constitucionais da atuação das Forças Armadas no país.
A proposta foi feita no voto do ministro durante julgamento virtual da ação que discute o artigo 142 da Constituição. Com o voto de Dino, divulgado neste domingo, (31), já são três votos contra a possibilidade de uma “intervenção militar constitucional” e outras teses semelhantes que chegaram a ser aventadas durante o governo de Jair Bolsonaro para tentar dar um golpe de Estado. No julgamento virtual, os ministros apresentam seus votos eletronicamente no sistema durante o prazo estabelecido que, no caso dessa ação, vai até o dia 8 de abril.
“Assim sendo, visando ampliar a ‘convicção entre os principais responsáveis pela vida constitucional’ acerca do ora decidido, acresço ao voto do relator a determinação de que, além da Advocacia Geral da União, a íntegra do acórdão seja enviada ao Exmo. Ministro de Estado da Defesa, a fim de que – pelos meios cabíveis – haja a difusão para todas as organizações militares, inclusive escolas de formação, aperfeiçoamento e similares. A notificação visa expungir desinformações que alcançaram alguns membros das Forças Armadas – com efeitos práticos escassos, mas merecedores de máxima atenção pelo elevado potencial deletério à Pátria”, diz o voto do ministro.
Dino divulgou sua posição na data que marca os 60 anos do golpe civil-militar no país. Em seu voto ele rememora o período, lembra que a ditadura cassou três ministros do STF e considera um resquício do regime militar o fato de o Supremo ainda estar se debruçando sobre os limites que a Constituição de 1988 impõe à atuação das Forças Armadas, que devem ser submetidas ao poder civil.
Em uma indireta ao jurista Ives Gandra Martins, cujo parecer sobre atuação de militares embasou teses golpistas de Bolsonaro e seus aliados em 2022, Dino refutou a possibilidade da existência de um “Poder Moderador” dos militares com base na interpretação do artigo 142 da Constituição.
“Eventos recentes revelaram que ‘juristas’ chegaram a escrever proposições atinentes a um suposto ‘Poder Moderador’, que na delirante construção teórica seria encarnado pelas Forças Armadas. Tais fatos, lamentavelmente, mostram a oportunidade de o STF repisar conceitos basilares plasmados na Constituição vigente – filiada ao rol das que consagram a democracia como um valor indeclinável e condição de possibilidade à concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs”.
Artigo usado por golpistas
O artigo 142 da Constituição diz que “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Bolsonaristas vinham utilizando o artigo para interpretar, de forma equivocada, que o presidente da República poderia acionar as Forças Armadas contra outros Poderes para solucionar crises. As teses ganharam força entre radicais em meio à ofensiva de Bolsonaro e seus auxiliares contra as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral na eleição de 2022, na qual Bolsonaro foi derrotado para Lula. A ofensiva foi frequentemente mencionada entre os manifestantes golpistas que ficaram acampados em frente aos quartéis-generais pelo país e depredaram a Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
A discussão sobre o artigo chegou ao Supremo em uma ação movida pelo PDT ainda em 2020, quando Bolsonaro já aventava a hipótese de utilizar o artigo 142. A ação questiona o emprego das Forças Armadas pelo presidente da República, sobretudo com base no artigo 142 da Constituição.
Na época havia sido divulgado vídeo da reunião ministerial de 22 de abril de 2020, por determinação do STF, no qual Bolsonaro diz que “seria preciso fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição”.
Até o momento, os três ministros do STF que votaram no julgamento, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Flávio Dino foram unânimes em entender que o presidente da República não pode acionar as Forças Armadas contra outros Poderes da República. O único a propor a notificação dos militares, até o momento, foi Flávio Dino. Caberá ao restante dos ministros definir se apoiam ou não essa notificação até o final do julgamento.
“Dúvida não paira de que devem ser eliminadas quaisquer teses que ultrapassem ou fraudem o real sentido do artigo 142 da Constituição Federal, fixado de modo imperativo e inequívoco por este Supremo Tribunal”, concluiu Dino em seu voto.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
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O ministro do STF, Flávio Dino – Gustavo Moreno/ Divulgação