Deputada do Psol mineiro cobra governo, mas vê Executivo como Poder mais próximo de atender demandas indígenas
Por Lucas Weber, no Brasil de Fato
Às vésperas do Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena, que completa 20 anos em 2024, a deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG) quer aproveitar a vinda de, aproximadamente, 10 mil indígenas de todo Brasil para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a reagir ao Congresso sobre o marco temporal.
A tese foi aprovada no parlamento e promulgada no início deste ano, alterando o entendimento sobre demarcação de terras indígenas. Pelo texto aprovado, só são reconhecidos territórios ocupados pelas comunidades originários no dia 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
Psol, Rede e a Articulação dos Povos Indígenas (Apib) entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF pedindo a revisão da lei.
“Nós estamos tentando articular para o próxima semana uma agenda no STF para tratar sobre essa ADI. E aqui na Casa vários parlamentares já estão com a PEC [Proposta de Emenda à Constituição] pronta, uma vez o STF dê aceno, eles já estão se preparando para entrar com a PEC”, explicou a deputada em entrevista ao programa Bem Viver desta sexta-feira (19), Dia Nacional dos Povos Indígenas.
Na entrevista, a Xakriabá também comentou sobre como o movimento indígena vê a atual relação com o Executivo. Segundo ela, apesar dos resultado aquém do esperado, é o Poder que mais tem dado respostas às demandas.
Sobre o Congresso, ela é taxativa. “O Congresso apenas sofisticou a forma de exterminar povos indígena, mas não mudou a intenção.”
“Porque nós não reconhecemos ecocídio legal. Legalizar desmatamento, sobretudo, em áreas de proteção e preservação permanente, flexibilização ambiental, desproteção da Mata Atlântica da Amazônia, Caatinga e Pantanal é legalizar um ecocídio junto também, orquestrada com o genocídio indígena.”
“A pauta verde não pode ser só pintada de verde. Tem que ter um compromisso mais profundo.”
Confira a entrevista na íntegra
Brasil de Fato: Como que o movimento indígena chega neste momento do ATL? É momento de amizade ou pressão com o governo?
Célia Xakriabá: O movimento indígena chega refletindo, não exatamente numa celebração pelos 20 anos de mobilização nacional indígena. Porque, por muitas vezes, se não é o direito que garante a luta, é com muita luta que garante direito.
Inclusive é resultado da mobilização nacional indígena que chegamos à segunda edição do ATL aqui [como deputada federal], representadas pela bancada do cocar.
Também com o resultado positivo neste ano de ter votado, no mês de março, uma consulta no TSE [Tribunal Superior Eleitora]l que garante fundo partidário e tempo de rádio e TV às candidaturas indígenas neste ano de eleições. É uma regulamentação ainda sendo discutida se é para esta eleição ou essa é pra próxima.
Indicamos o projeto da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas e também o que regulamenta a categoria de agente de saúde indígena e saneamento básico para serem votados na semana que vem.
Vamos receber aqui uma grande marcha descendo até no Congresso Nacional de 10 mil indígenas. Iremos fazer a solenidade sobretudo contra a lei 14.701, que implementa a tese do marco temporal que passou nesta Casa.
Nessa semana foi retomado o Conselho Nacional de política indigenista a CNPI, uma instância muito importante para a sociedade civil.
Mas o movimento indígena, eu falo que é o poder mais permanente, é um momento de oportunidade, mas não existe combate, sobretudo, aos conflitos territoriais, se não garantir a demarcação.
Eu tive reunião diretamente no Ministério da Justiça com Lewandowski, há 15 dias, onde levei, mais uma vez, a pauta já cobrada pela ministração Sonia Guajajara desse abril indígena da demarcação de territórios e ele se comprometeu que teremos notícia boa.
Importante pensar na política nacional de maneira geral, mas só se avança mesmo, concretamente, quando se avança na demarcação dos territórios indígenas. É bem importante dizer que no início do Ministério os Povos Indígenas (MPI), o Congresso Nacional votou a retirada da demarcação dos territórios indígenas retornando para o Ministério da Justiça. É importante dizer que um ano não é suficiente para 523 anos de ausência.
Eu falo que solução é movimento, solução não é mágica e o MPI precisa de articulação, de uma maior aceno da Casa Civil e respostas mais eficazes do Ministério da Defesa.
E aí nesse sentido existe uma responsabilidade, inclusive orçamentária, que está em outros ministérios. São decisões políticas que estão em outros ministérios e que, inclusive, precisavam ter uma atuação maior quando foi votado aqui o marco temporal no Congresso Nacional
A situação do povo Yanomami vai ser tratada como, no ATL?
A situação Yanomami nunca deixou de ser prioridade, sobretudo, no movimento indígena. Nesse momento existe uma cobrança, sobretudo, nas faltas de demarcação, mas também de proteção territorial no que ocorreu com o povo Yanomami na questão da desintrusão, porque ainda há a volta dos garimpeiros.
Mas a partir do momento que o ministério da Defesa e da Casa Civil dão um aceno diferente, também se percebe que tem um impacto maior também nas ações do território.
E não se trata somente do Yanomami. O que acontece no Yanomami é o reflexo do que acontece na terra indígena Kayapó. Inclusive foi tentado aqui no Congresso Nacional desqualificar o processo da carta de identificação que já tinha sido feita pela Funai, e conseguimos derrubar esse posicionamento aqui. A TI Kayapó é o território onde nasceu o cacique Raoni.
A terra indígena Munduruku também vem sofrendo em processo de invasão de garimpeiros e, assim como Kayapó e Yanomami, apresentam alto índice de mercúrio no território.
Mas eu falo que em cada estado existe um território Yanomami. No estado de Minas Gerais, por exemplo, eu comparo que os Yanomami do estado são os Maxacalis e que, há 15 dias, pela primeira vez na história, teve um pedido de desculpa coletiva na Comissão de Anistia ao povo Krenak, que é do estado de Minas Gerais, e é ao povo Guarani, Kaiowá. São dois casos emblemáticos, porque na época da ditadura militar existia a Guarda Rural nesse território indígena do povo Krenak, onde foi torturado mais de 8.350 indígena.
Estive em reunião com o ministro Sílvio Almeida [dos Direitos Humanos e Cidadania] tratando ainda da morte da pajé Nega Pataxó, que vem sendo desdobrada em uma sequência de projetos de ameaça fomentada pela aprovação do marco temporal.
A não demarcação de territórios indígenas não pode ser totalmente argumentada pela lei 14.701, que é o marco temporal. Porque existem procedimentos que nem se enquadram no marco temporal.
Então precisamos avançar. Estamos no ano que antecede a COP no Brasil e não adianta ter um aceno, seja com mais firmeza, relacionado ao combate à crise climática, se não tiver um aceno, diretamente, pensado na regularização fundiária aos territórios indígenas.
Esse ano eu sou titular na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania e o aceno que se dá lá de maneira muito violenta. Tava em pauta, hoje [quarta-feira], e foi feito o pedido de vista de um projeto que estamos chamando PL do despejo arbitrário, que coloca a responsabilidade em qualquer polícia, sem nenhuma ordem de uma ação judicial.
O que é configurado hoje? Qualquer ordem de despejo precisa de uma ação judicial. O PL do despejo arbitrário ignora qualquer ordem de ação judicial ou ele elimina uma ordem de ação judicial e dá autoridade para a polícia fazer o cumprimento de retirar essas famílias, qualquer movimento social seja MST, ou também territórios indígenas que se encontram nesses lugar no processo de 48 horas. E o policial que não fizesse cumprimento, inclusive, passa a ter uma penalização. Então é um projeto que estamos chamando PL do despejo arbitrário.
Como estão as articulações para frear o marco temporal?
A gente já tá articulando, porque nós somos autoras, Psol e Rede junto com Apib, da ADI no STF. Nós estamos tentando articular para o próxima semana uma agenda no STF para tratar sobre essa ADI.
Se não der a liminar direta, o que estamos vendo agora é um acirramento de conflito no campo. O que era uma promessa de segurança jurídica, na verdade, o que a gente vê é uma grande insegurança jurídica. 63% dos territórios ainda não estão regulamentados e o que a gente vê, agora, também é o acirramento desse conflito muito maior, consequência da aprovação do marco temporal.
Então estou articulando essa agenda direta no STF. E aqui na Casa vários parlamentares já estão com a PEC pronta, uma vez o STF dê aceno, eles já estão se preparando para entrar com a PEC.
Se trata de cláusula pétrea, é um direito imensurável, inquestionável e intocável, porque a lei que origina os direitos dos povos indígenas é na Lei de Terras, que antecede inclusive a Constituição Federal brasileira, ela já garantia esse direito crucial aos povos indígenas do Brasil.
A tese do marco temporal se falava que era uma tese jurídica, no entanto é uma tese política e, sobretudo, uma tese econômica. Mas importante dizer que os efeitos da crise climática — se as pessoas querem falar de número e economia — e com o desmatamento, em 2022, na Amazônia, o PIB diminuiu 10%.
O pessoal que é dos grandes produtores no Mato Grosso do Sul, ano passado, perdeu grande safra de soja, consequência, também, da grande seca.
Percebe que é a própria economia sendo impactada pelos grandes efeitos da crise climática. Por isso que nós temos articulado com vários parlamentares do mundo inteiro. Ano passado, a gente lançou uma campanha bancada pelo planeta inteiro, reunindo parlamentares do mundo inteiro. Ontem tivemos uma agenda com um grupo de parlamentares de todas as regiões da Amazônia.
Estamos nos preparando para COP e eu tenho dito que a única pauta capaz de reunir a humanidade tem sido as questões ambientais.
Ano passado assinamos com parlamentares da Colômbia, que puxou essa iniciativa com 800 parlamentares do mundo inteiro, contra a exploração de combustíveis fósseis na Amazônia. É preciso que o Congresso Nacional Brasileiro vote de maneira coerente, porque não vai existir nem Congresso Nacional se não existir planeta.
A pauta verde não pode ser só pintada de verde. Tem que ter um compromisso mais profundo.
Você citou o assassinato da pajé Nega Pataxó, que aconteceu em janeiro deste ano. Um dos grupos investigados é o Invasão Zero. Como a senhora vê a atuação deste grupo?
É uma grande articulação. E o que mais assusta é que o Invasão Zero, que está articulado no sul da Bahia, mas em vários lugares do Brasil, foi acolhido aqui [Congresso Nacional], foi adotado pela bancada agropecuária, inclusive numa ação de apoio direto. Então, a gente percebe que as milícias que incitam essa guerra territorial fundiária têm apoio aqui no Congresso Nacional.
E nós estamos falando da redemocratização dos uso terra, não é um lugar sem limite, que é a fala agressiva deles. As falas mais agressivas no dia de hoje na CCJ têm sido inclusive contra o MST.
Mas é bem verdade que votando contra o MST, também, há uma junção, uma quantidade de jabuti nos projetos colocados na casa que impactam diretamente o direito aos territórios indígenas e sobretudo nós que entendemos a ameaça ao território, também, como uma ameaça à cultura dos povos indígenas.
Nós não entendemos, até hoje, o artigo 16 do marco temporal, que falava da alteração de traços culturais. Porque eles falam ‘ah os indígenas agora querem produzir, eles querem educação, eles, na verdade, querem pensar em produzir em grande escala’.
Mas ao mesmo tempo esse mesmo grupo que fala isso, quando nós povos indígenas temos acesso seja a educação, seja no espaço da política, eles questionam se nós povos indígenas estamos deixando de ser indígena.
Então o mesmo argumento que se usa para um capitalismo predatório, mais tarde esse argumentos é usado para dizer que não somos indígenas. É muito perigoso e o marco temporal tinha, na verdade, um condensado de projetos do mal que tratavam de permitir a exploração a abrir território de indígenas de recém-contatados.
A senhora apresentou ainda no passado um projeto de lei que regulamenta os procedimentos a serem adotados pelas delegacias de polícia em relação ao atendimento de mulheres indígenas vítimas de violência. Ele é, de certa forma, uma resposta a algumas ameaças do marco temporal?
É um projeto importante, sobretudo, porque nós sabemos que há um grande índice de violência na sociedade geral que se trata do feminicídio. Mas você sabia que quando se trata das questões de violência cometidas contra as mulheres indígenas não existe um dado qualificado de política pública embora, nós não queremos ser números, nós não sabemos contar as nossas mortas, afinal desde a invasão do Brasil existem mulheres indígenas vítimas desses processos de violência.
Quando a gente fala da grande exploração de garimpo ilegal, de desmatamento, de mineração, exploração de territórios indígenas, parece que essa pauta fica como secundária, mas, quando eu fui no Yanomami, existiam 30 casos subnotificados de mulheres, meninas indígenas que foram exploradas por violência sexual. O resultado dessas violências sexuais são meninas mães muito cedo.
É uma série de violências que são cometidas aos corpos das mulheres indígenas. Falar desse projeto de combate à violência às mulheres indígenas é sobretudo pensar de onde vem esse mal, vem das áreas de fronteira, vem das áreas de exploração.
Eu acredito que é um gesto mínimo também trazer essa pauta do combate à violência às mulheres indígenas. Uma pauta muito sensibilizadora porque entendemos que as mulheres são grande guardiãs do planeta
Como vocês avaliam a promessa do governo de finalizar 14 território homologados, desde o início do governo, neste mês de abril?
Entendemos que a partir da demanda de 63 territórios indígenas ainda para serem regulamentados é um número que precisa avançar muito. Mas eu tenho acompanhado de perto todo o esforço da ministra Sonia Guajajara fazendo as conversas, intervenção direta junto ao Ministério da Justiça que é onde está a responsabilidade da demarcação dos territórios indígenas, articulação com a Casa Civil diretamente com o presidente Lula.
Acredito que para o ano que vem, que é o penúltimo ano de governo, nós precisamos, se queremos dar uma resposta mais concisa do que foi argumento de campanha as demarcações dos territórios indígenas, todo o combate ao desmatamento ilegal, nós vamos ter que fazer um replanejamento para dar a aceno de que os povos indígenas são prioridade.
Nesta semana vimos o resultado de uma queda de 42% no desmatamento dentro de terras indígenas em relação ao ano passado. A que se deve esse resultado?
Se deve exatamente a essa retomada da política de gestão ambiental e territorial da ministra Marina Silva [do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas], que tem trabalhado muito em conjunto com o ministério dos Povos Indígenas e por isso, mais uma vez, se faz necessário a aprovação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas, a PNGATI, que é um dos principais programa do Ministério dos Povos Indígenas.
Os territórios estando demarcado ou não demarcados precisam dessa política de proteção e gestão territorial, porque entendemos que a alternativa para barrar o desmatamento ilegal, não é como os governos anteriores, ex-ministro — que se eles fossem chamado um filme teria que ser chamado Exterminadores do Futuro, os passadores de boiada — falavam que a alternativa para barrar o desmatamento ilegal é legalizando. O Congresso Nacional faz esse gesto o tempo inteiro, é legalizando silvicultura, que é a monocultura de eucalipto como atividades não altamente poluente, então a alternativa não é legalizar.
O Congresso apenas sofisticou a forma de exterminar povos indígena, mas não mudou a intenção.
Porque nós não reconhecemos ecocídio legal. Legalizar desmatamento, sobretudo, em áreas de proteção e preservação permanente, flexibilização ambiental, desproteção da Mata Atlântica da Amazônia, Caatinga e Pantanal é legalizar um ecocídio junto também, orquestrada com o genocídio indígena.
Sobretudo entendendo que os efeitos das mudanças climáticas atingem primeiramente os que mais protegem. Hoje nós somos em torno de 1 milhão e 700 mil indígenas no Brasil. Ainda não somos nem 1% da população brasileira, em torno de 7% da população do mundo. Mas protegemos mais de 83% da sociobiodiversidade. Nós povos indígenas somos reconhecidos pela ONU como as últimas alternativas para barrar a crise climática.
E quando todo esse setor da grande agropecuária nos ignora é como se tivesse jogando a solução fora. Ano que vem, ano de COP no Brasil, o Brasil tem muitos desafios, mas a boa notícia é que o Brasil é grande parte da solução.
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