Oliver Stone fala à Jacobin sobre política e sua carreira

Conversamos com o lendário diretor Oliver Stone sobre sua carreira, Fidel Castro, Edward Snowden, filmes sobre a Guerra do Vietnã, e por que ele toma o lado dos oprimidos em seu trabalho

Poucos cineastas estadunidenses têm uma carreira tão bem-sucedidas e selvagem como a do triplo vencedor do Oscar Oliver Stone. E pouquíssimos fazem cinema nos seus próprios termos, como fez Stone — forjando um cinema assumidamente de esquerda no coração da Hollywood de Reagan e Bush.

Agora o açoite cinematográfico dos poderosos tem uma nova biografiaChasing the Light: Writing, Directing, and Surviving Platoon, Midnight Express, Scarface, Salvador, and the Movie Game [Perseguindo a luz: escrever, dirigir, sobreviver a Platoon, O Expresso da Meia-Noite, Scarface, Salvador e o Jogo do Cinema, sem tradução no Brasil] reconta a vida e carreira do ator-diretor, desde a infância em Nova Iorque até seu trabalho clássico e controverso em Hollywood na década de 80. E pela primeira vez, Stone mergulha em suas experiências profissionais enquanto soldado no Vietnã, de onde explodiram filmes que entraram nos rankins das maiores obras-primas anti-guerra do cinema.

Em 1979, ele venceu o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por O Expresso da Meia-Noite, primeiro de seus três prêmios da Academia. Mas foi em 1986 — o ano em que ele completou 40 anos e o ponto em que sua biografia termina — que o cineasta realmente se destacou como autor. Foi o ano em que ele dirigiu dois de seus próprios roteiros originais, Salvador (co-escrito por Richard Boyle) e Platoon. Os roteiros de ambos os filmes foram indicados ao Oscar no mesmo ano, mas Stone ganhou o prêmio de Melhor Diretor por Platoon, baseado principalmente em suas próprias experiências como soldado de infantaria na Guerra do Vietnã.

Como o vencedor do Coração Púrpura observa em suas memórias, Platoon – que também ganhou o Oscar de Melhor Filme – tinha “força, vitalidade, originalidade e algo não visto com frequência no cinema estadunidense… um compromisso político radical e dramático que lembra algum jovem dramaturgo das décadas de 1930 ou 1940, um Clifford Odets ou um Arthur Miller, irrompendo para dizer uma verdade de forma direta e dinâmica.”

O colaborador da Jacobin, Ed Rampell, conversou recentemente com Stone para falar sobre Fidel Castro, Edward Snowden, os filmes da Guerra do Vietnã e seu legado cinematográfico.


ER

Scarface abre com clipes de notícias sobre o barco de Mariel que trouxe milhares de cubanos para os EUA, incluindo fotos de Fidel Castro, que Tony Montana, interpretado por Al Pacino, denuncia repetidamente. Isso parece prefigurar seus documentários sobre Fidel, Comandante, de 2003 e Castro in Winter, de 2012, além de Ao Sul da Fronteira, de 2009.

OS

E tem Procurando Fidel, de 2004. Você se esqueceu dele! [Risadas]

ER

O que você pensa sobre Fidel?

OS

Veja, o que escrevi no roteiro de Scarface não são minhas opiniões sobre Fidel. A única maneira de se dar bem em Miami, que é uma sociedade anti-Castro de extrema direita – como você sabe, o senador Marco Rubio, da Flórida, é um dos maiores falcões de guerra que temos – então, naquela época, principalmente em 1980, meu Deus, o ódio pelo experimento de Fidel era extremo. E eu não compartilho dessas opiniões.

Pelo contrário, acho que Fidel trouxe uma grande mudança para a América Latina. Ele é um grande símbolo de reforma – reforma agrária e todas as formas de reforma. E, claro, ele sempre foi atacado, e ainda temos o embargo desde aqueles anos. É insano. A impopularidade das pessoas ao redor do mundo – a comunidade mundial condena esse embargo na ONU há décadas. Ninguém nos EUA parece ouvir, prestar atenção. Acho que temos dois ou três aliados que votam conosco nas Nações Unidas todos os anos nesse embargo contra mais de 190 países.

No que diz respeito à percepção de Cuba, muitas elites que vêm aos EUA são corruptos e fogem das revoluções em seus próprios países. Seja no Vietnã ou em Cuba… muitos deles se tornam terroristas por direito próprio e tentam voltar e ferrar suas próprias nações.

ER

Ao lançar documentários sobre Fidel, você encontrou algum problema de censura por parte de cubanos ou estadunidenses?

OS

Encontrei, sim. O documentário Comandante estava prestes a ir ao ar na HBO e eles tiraram sem me avisar. Fizeram isso abruptamente, em resposta às cartas da extrema direita cubana que prometiam vir e cancelar – já existia a cultura do cancelamento – suas assinaturas da HBO. Houve uma grande ameaça, eles disseram. Ninguém tinha visto o filme, exceto no Festival de Sundance, onde fora exibido um mês antes. Correu muito bem, mas houve um boato de que o filme permitia que Fidel falasse. Não estava tomando nenhum lado editorial; foi simplesmente uma plataforma onde o entrevistei por vários dias, e ele fez muitos comentários interessantes. O filme deu voz à versão da Revolução Cubana contado por Fidel, que nunca ouvimos aqui.

ER

Por que você costuma ficar do lado dos oprimidos que às vezes são impopulares nos EUA, como Fidel e Edward Snowden?

OS

Porque essa é minha natureza. Eu não gosto de valentões. Não gosto que as pessoas sejam intimidadas por governos e outros poderosos. Sempre fui assim. Eu sinto muito, não sei por que. Acho que muitas pessoas também são como eu. Só não acho que seja justo. Quando algo não é justo, surge algum gene em mim que quer lutar.

ER

Em seu documentário de 2009, Ao sul da fronteira, um dos líderes latino-americanos que você cobre é Hugo Chávez. O que você gostaria de dizer sobre Chávez?

OS

Ele tirou 70% da população da Venezuela da extrema pobreza. Deu-lhes uma educação, deu-lhes esperança, deu-lhes um sentido de participação no governo, deu-lhes uma rede de segurança social – coisas que eles nunca tiveram antes. A Venezuela era um dos países mais pobres e pior administrados da América do Sul. Por exemplo, ele certamente influenciou muitos outros países a mudar. Sob seu governo, houve uma maré de mudança. Você viu no filme – visitei cerca de seis ou sete outros presidentes em diferentes países para mostrar a influência que ele teve. É como o New Deal de Roosevelt.

É claro que os EUA estão tentando reverter a maré, e o fizeram isso efetivamente em alguns desses países. Como no New Deal de Roosevelt, as pessoas nunca mais serão as mesmas. Eles foram levantados por Roosevelt e Chávez e esses outros presidentes.

ER

Por que demorou tanto para filmes sobre a Guerra do Vietnã encontrarem público nos EUA?

OS

Eles tinham visto alguns filmes antes dos meus, que eram a versão de Sylvester Stallone [a franquia Rambo] e a versão de Chuck Norris [O Super Comando]. Teve O Franco Atirador (1978), Apocalypse Now (1979) e Amargo Regresso (1978). Amargo Regresso foi muito realista, mas não foi muito bem. Apocalypse Now e O Franco Atirador tiveram muito sucesso, mas ao mesmo tempo não eram muito realistas. Eles eram filmes fortes e metafóricos. Os outros filmes que foram notáveis eram chauvinistas e ruins.

ER

No esforço para colocar o Vietnã no cinema, houve consequências indesejadas ao retratar a guerra como uma espécie de tradição cinematográfica “brutal” do amadurecimento, empurrando a política e as atrocidades cometidas contra os vietnamitas para o lado em favor de se concentrar nas lutas dos soldados estadunidenses?

OS

Sim, O Franco Atirador e Apocalypse Now não levam em conta o ponto de vista vietnamita. Acho que isso aconteceu em Platoon – havia um grande problema sobre matar aldeões e narrar esse ponto de vista. A mesma questão aparece em Nascido em 4 de julho. Mas em Entre o Céu e a Terra, eu entro totalmente no ponto de vista vietnamita. Há uma heroína vietnamita. Mas o filme não foi bem neste país. Acho que é um dos meus melhores filmes. É muito emocionante. A história de uma mulher, Le Ly Hayslip – ela acabou vivenciando quase tudo, como estar dos dois lados, e finalmente acabou na América, casada com um estadunidense, interpretado por Tommy Lee Jones, que trouxe seus problemas para casa.

ER

Em Chasing the Light você menciona muito Costa-Gavras. Você se considera o Costa-Gavras americano?

OS

Bem, eu o admiro muito Z (1969), foi um dos filmes mais evocativos para mim na escola de cinema. Ele me disse que isso poderia ser feito, esse tipo de edição poderia ser eficaz na tela. Me mostrou o caminho. Seu filme, se você olhar de perto, em alguns aspectos tem uma estrutura que lembra JFK (1991). Ele veio para a nossa escola, um dos destaques dos meus anos lá na NYU. Acho que Desaparecido: Um Grande Mistério (1982) também foi um filme muito bom, muito eficaz. Mas também não teve um grande impacto. Todos os filmes sobre a América Latina foram ignorados, não tiveram grande sucesso. Mas Costa-Gavras é certamente um herói, sim.

ER

Você sempre teve objetivos políticos com seus filmes?

OS

Não. Sempre tive a política circulando no sangue em meu corpo porque meu pai falava sobre isso. Aprender a arte do filme – aprender a escrever roteiros, drama, isso é algo realmente crucial. Para mim, minha educação foi realmente em torno disso. Fiz dois filmes de terror [Seizure, de baixo orçamento, de 1974; A Mão, de 1981, estrelando Michael Caine] e depois escrevi O Expresso da Meia-NoiteScarfaceO Ano do Dragão. Eu era roteirista e queria ser diretor. Mas foi só em Salvador e Platoon – aqueles dois seguidos – que me senti realmente um roteirista-diretor.

Mas essa não era minha intenção. Platoon não era sobre política – era apenas para mostrar o drama do dia a dia no Vietnã. Mesma coisa com Salvador. Tem uma cena em que ele [o personagem de James Woods, Richard Boyle] denuncia a CIA. Concordo. Mas ele é um jornalista interessante que é meio maluco. Você aborda a história do ponto de vista de Hunter Thompson, não de um ponto de vista político.

Ai, eu tentei em todos os meus filmes, incluindo JFK, manter a diversão, manter o movimento, manter a tensão – esses são meus objetivos. Se chegarmos a qualquer tipo de esqueleto político, ele deve sair da história, não ser imposto a ela.

Sobre os autores

OLIVER STONE

é um cineasta, três vezes vencedor do Oscar e autor de Chasing the Light: Writing, Directing, and Surviving Platoon, Midnight Express, Scarface, Salvador, and the Movie Game (HMH Books, 2020).

ED RAMPELL

é um historiador / crítico de cinema de Los Angeles e autor de “Progressive Hollywood: A People’s Film History of the United States” e co-autor do The Hawaii Movie and Television Book.

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