A bomba relógio dos planos de saúde

Em algumas capitais e regiões de grandes indústrias, mais de 50% da população recorre à saúde privada. Por isso, reajustes e cancelamentos abusivos são problemas nacionais. É urgente regular o setor – sem perder de vista a luta pelo SUS

por Rudá Ricci, em Outras Palavras

Célio Turino, a locomotiva que colocou os Pontos de Cultura como o maior plano estratégico do país na área cultural, enviou uma mensagem para mim nos últimos dias sugerindo atenção para a bomba relógio que está prestes a explodir: os planos de saúde.

Inicialmente, fiquei meio desconfiado porque me pareceu algo muito paulista, na verdade, paulistano. A minha desconfiança vinha de alguns dados que levantei e, também, as pesquisas que havia lido a respeito da opinião da população mais pobre sobre a saúde.

As pesquisas diziam que a principal queixa popular era o atendimento médico e a dificuldade de acesso e agendamento de consultas com especialistas.

Já os dados indicavam que o problema dos planos de saúde estaria mais diretamente relacionado com a região centro-sul do país. Com efeito, das capitais brasileiras, as que possuem maior cobertura dos planos de saúde são: Vitória (61%), seguida por Curitiba (50%), São Paulo (48%), Rio de Janeiro (46%) e Porto Alegre (41%).

Como não tenho acúmulo nenhum na área, consultei o ex-ministro Arthur Chioro, que conheço há décadas. Questionei se o problema é nacional ou meramente paulistano. Reproduzo a resposta dele:

“Não é paulistano. Santos tem 67% cobertura. O ABC por aí. Região Metropolitana de Campinas, Ribeirão Preto, Triângulo Mineiro, BH até Brasília. Temos cidades industrializadas no interior que ultrapassam 70%. Como a maioria são planos coletivos empresariais, o fenômeno está diretamente relacionado à concentração do emprego formal. São 51 milhões de brasileiros com planos (25% da população), sem contar servidores municipais, estaduais e militares, que ficam fora da conta porque a ANS não atua sobre as operadoras dos servidores públicos.”

Completa: “A pessoa aposenta ou perde emprego e vai para plano individual ou falso-coletivo.”

O que ocorre é que no plano coletivo aparece um padrão de desigualdade brutal. O chão de fábrica fica com o plano-açougue e o dos donos e alta direção possuem um plano “padrão Fifa”. A já conhecida desigualdade social brasileira.

Nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, o tema tem impacto mais restrito, mais concentrado sobre capitais ou cidades onde há concentração de grandes indústrias ou mineradoras.

Retornei à conversa com Célio Turino, agora com as informações mais sólidas. E ele me presenteou com essas observações que passo a socializar:

“Em São Paulo tem a cultura do mutualismo que vem dos imigrantes (anarquismo, doutrina social da igreja). Meu avô tinha plano de saúde, proletário confeiteiro. Ocorre que hoje o mundo empresarial se apropriou dessa cultura e distorceu o mutualismo. Outro dia eu estava conversando com a diarista de casa, ela tem plano por conta da filha que teve AVC, e está desesperada com o reajuste.”

Eu estava focado em outro ciclo da dinâmica social no que tange à saúde. Estava focado na qualidade e abrangência do serviço público e não tinha a dimensão do enraizamento dos planos de saúde privados na vida social do nosso país.

Por algum motivo, estamos nos “americanizando” muito rapidamente. Neste século 21, o mundo empresarial avançou e conseguiu capturar parte dos governos progressistas. Na área educacional é evidente e transparente. Mas, na saúde, os escaninhos são mais complexos e tortuosos.

O brasileiro pagará caro por este descaminho.

Ilustração: Yevgenia Nayberg

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