Cérebros em fuga: poucas oportunidades e falta de carreira estruturada empurram cientistas brasileiros ao exterior

Por Daniel Lyra-Queiroz, na Abrasco

Estima-se, no Brasil, a perda de quase 7 mil (6,7 mil) cientistas para o exterior nos últimos anos, de acordo com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Ao considerar a importância da Ciência para o desenvolvimento e soberania nacional, reconhecida inclusive na Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil (2016-2022), a chamada “fuga de cérebros” coloca em xeque os avanços sociais, políticos e econômicos que a ciência pode trazer ao país. Entre as diversas causas desse problema estão a falta de uma carreira estruturada para pesquisadores, baixa remuneração e poucas oportunidades.

Ao deixar o Brasil em 2016 para fazer um pós-doutorado na Alemanha, o brasileiro Caio Bragatto percebeu que seria difícil encontrar postos de trabalho no país onde nasceu e aceitou a ideia de morar no exterior. Atualmente, Caio é professor de física nos Estados Unidos da América (EUA) na Coe College, que fica no estado de Iowa.

“Já fui convidado a participar de concursos para voltar ao Brasil, mas não vejo as mesmas oportunidades que tenho aqui nos Estados Unidos. Por mais que eu esteja em uma instituição e departamentos relativamente pequenos comparado com outras instituições famosas por aqui, os recursos que tenho disponíveis são comparáveis às instituições de elite no Brasil”, conta.

Outro fator que contribui com a “fuga de cérebros” é a ausência de uma carreira estruturada, com oportunidades para profissionais que se dedicam exclusivamente à pesquisa. Foi esse cenário que levou a pesquisadora Julia Moreira Pescarini a tocar seus projetos fora do país. Ela chegou a prestar alguns concursos públicos no Brasil, mas as vagas tinham pouca ênfase em pesquisa e maior foco em ensino.

“Eu queria continuar na área acadêmica, e, na época, não tinha nenhum concurso focado em pesquisa. Dessa forma, eu prestei concurso para uma vaga fora do país e fui competitiva o suficiente para conseguir um salário maior […] Infelizmente, no Brasil, quando você termina o doutorado, há poucas opções de fazer pesquisa”, declarou.

Atualmente, Julia atua na área de desigualdades de saúde, migração e políticas sociais da London School of Hygiene & Tropical Medicine.

Pesquisadores em formação e em fuga: precarização e baixa remuneração

Além das escassas oportunidades, a precarização que atinge os pesquisadores em formação, estudantes de mestrado e doutorado, que são a grande mão de obra produtora da ciência brasileira, é outro fator que colabora com o processo de “fuga de cérebros”. O Dossiê Florestan Fernandes: pós-graduação e trabalho no Brasil (2023), produzido pela Cátedra do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ), em uma parceria com a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), detalha a situação desse grupo que não possui, sequer, plenos direitos trabalhistas e previdenciários.

Os valores das bolsas de mestrado e doutorado, por exemplo, não eram reajustados desde 2013 e permaneceram por 10 anos da seguinte maneira: R$ 1,5 mil para mestrado e R$ 2,1 mil para doutorado. Em fevereiro de 2023, o Governo Federal reajustou em 40%, o que levou as bolsas a R$ 2,1 mil no mestrado e R$ 3,1 mil no doutorado, valores ainda defasados.

Para receber a bolsa, mesmo antes do último reajuste, o estudante de pós-graduação ainda precisava se dedicar exclusivamente à pesquisa e não possuir vínculo empregatício, a não ser para ensino. Caso buscasse outro trabalho para complementar a renda, correria o risco de perder a bolsa. Apenas em julho de 2023, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) flexibilizou as normas e liberou, com alguns critérios, o acúmulo da bolsa com atividade remunerada.

O presidente da ANPG, Vinícius Soares, destaca elementos que são necessários para valorizar a carreira científica no Brasil, como a criação de uma política com uma espécie de “cesta de direitos básicos” voltada aos pós-graduandos.

“No Brasil, o pós-graduando é uma categoria híbrida: estudante e trabalhador ao mesmo tempo. A Constituição já destaca que o Estado brasileiro precisa garantir condições especiais àqueles que se dedicam à pesquisa. Então, é preciso haver uma legislação que cubra direitos e assistência estudantil, a perspectiva dos direitos trabalhistas – 13ª bolsa e férias – assim como os direitos previdenciários”, explica.

Caminhos possíveis para evitar a fuga e estruturar a carreira de cientista no Brasil

O pesquisador Elzo Júnior, que atua no Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia, explica que a estruturação da carreira de cientista no Brasil precisa de uma plano estratégico de Estado, que envolva não só o Executivo, mas também o poder Legislativo e a sociedade civil, para pensar políticas que incorporem o trabalho do cientista.

“Um passo inicial é a criação de carreiras no setor público que incorporem o trabalho de cientista em instituições de fomento à pesquisa, fundações e órgãos ligados à Saúde Pública, a exemplo do que é feito na Fiocruz, que conta com cargos de ‘Pesquisador em Saúde Pública’. As universidades também têm papel importante na consolidação da carreira de cientista no Brasil, haja vista que grande parte da pesquisa nacional é feita nos seus laboratórios e por seu corpo docente. Nesse contexto, é relevante ampliar a oferta de incentivos para que docentes conduzam pesquisas científicas de qualidade e que contribuam para responder os desafios enfrentados pelo país nas mais diversas áreas”, detalha.

O pesquisador aponta também que é necessário ampliar os recursos investidos nas atividades de pesquisa. “Nesse contexto, é relevante ampliar a oferta de incentivos para o que docentes conduzam pesquisas científicas de qualidade e que contribuam para responder os desafios enfrentados pelo país nas mais diversas áreas. Isso envolve o aumento da quantidade de editais de pesquisa e do volume de recurso oferecido para que cientistas dessas instituições possam propor pesquisas mais robustas”, complementa.

Uma tentativa de repatriar cérebros

Em abril de 2024, o Governo Federal divulgou que lançaria um programa específico para promover a repatriação de talentos, uma das ações do plano para a fixação de pesquisadores no país.

Inicialmente, a expectativa era investir R$ 1 bilhão, em cinco anos, para repatriar mil pesquisadores brasileiros, que receberiam, cada, uma bolsa de R$ 10 mil a R$ 13 mil; até R$ 400 mil em recursos de capital e custeio; e até R$ 120 mil para participação em eventos ou visitas, além de auxílio-instalação, recursos para plano de saúde e auxílio previdência.

A iniciativa foi alvo de críticas da comunidade científica, sob o argumento que as medidas adotadas no programa, ainda a ser lançado, não resolveriam o problema. Além disso, há fragilidades na proposta, como destaca o pesquisador e vice-presidente da Abrasco, Reinaldo Guimarães.

“Uma das razões da fragilidade da proposta – talvez a mais importante – é a falta de controle na seleção dos convidados a voltar, que deveria ser comandada pelas universidades, institutos e grupos de pesquisa e não por um convite aos potenciais retornáveis mediante um edital. Outra é o choque entre o valor da bolsa e o contracheque dos professores adjuntos e associados que já fizeram concurso e estão nas universidades. Há outras questões, relacionadas ao estabelecimento de compromissos formais quanto à permanência no país”, afirmou.

Em nota enviada à Abrasco, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado ao MCTI, esclareceu que “O Programa de Repatriação de Talentos – Conhecimento Brasil será oficialmente lançado em breve e terá duas frentes: uma voltada à atração e fixação de profissionais, e outra dirigida à formação de redes internacionais de cooperação científica. Desse modo, além de repatriar pesquisadores, o programa permitirá também que os brasileiros que tenham carreira estruturada no exterior e não se sintam atraídos pelas condições de retorno ao Brasil possam pleitear cooperação com profissionais de instituições brasileiras, promovendo a troca de conhecimentos, fortalecendo a ciência nacional e contribuindo para sua internacionalização”.

O órgão destacou ainda: “O CNPq entende que bolsas de longa duração são importantes mecanismos indutores da atração de pesquisadores, que em muitos casos não se encontram em ocupações estáveis fora do país. Mas elas se inserem em uma política mais ampla de fixação, cujo foco é a melhoria contínua das condições de trabalho e pesquisa, tanto no setor público, em especial nas universidades e empresas públicas, quanto no setor privado, permitindo maior absorção de pós-graduados por empresas. O sucesso dessa política depende da continuidade dos investimentos na robustez do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), fortemente vilipendiado ao longo dos últimos anos e que somente no ano passado começou a ser reconstruído”.

A Abrasco, enquanto associação científica, segue vigilante e mobilizada em apoio aos profissionais que fazem a ciência brasileira. Acreditamos que essas pessoas são fundamentais no processo de desenvolvimento social do país que inclui o combate à iniquidades em Saúde e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Foto: Divulgação

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