O presidente francês quebrou o silêncio para dizer que ninguém ganhou as eleições e que devem existir “compromissos”. Os ministros dão a conhecer a sua inquietação por permanecerem num governo sem legitimidade. Mélenchon e o resto da esquerda apelam ao respeito pelo voto popular.
Em Esquerda.net
A esquerda, pela boca da insubmissa Manon Aubry, diz que a apresentação da solução de governo está “por horas”. Mas a situação política em França continuará longe de ficar desbloqueada, mesmo no caso de as negociações entre as diversas componentes da Nova Frente Popular chegarem a bom porto.
Ao centro e à direita, as manobras para procurar uma maioria alternativa continuam. Agora encorajadas pela carta de Macron aos franceses e pela sua ideia de dar tempo até que haja um “compromisso”.
A carta aos franceses e a impaciência dos ministros quase demitidos
O presidente quebrou o silêncio a que se tinha remetido antes de rumar à cimeira da Nato para vir reforçar a narrativa de que não houve nenhuma maioria saída das urnas. Ao contrário da sua mensagem de que tinha existido uma maioria clara quando o seu partido ficou em situação minoritária nas eleições de 2022, obtendo menos deputados do que alcançou este domingo a Nova Frente Popular, agora a mensagem de Macron é que “ninguém ganhou” porque todos os blocos são “minoritários”.
A mensagem de que houve uma “recusa clara” da chegada da extrema-direita ao poder desagua assim na de que as “forças republicanas” obtiveram uma “maioria absoluta” e devem “construir uma união ampla”. Isto sem nunca esclarecer quem são estas forças, já que para muitos dos seus apoiantes elas não integram partes da Nova Frente Popular. E o apelo a uma “maioria sólida” serve para justificar “dar algum tempo às forças políticas para construir estes compromissos”, ou seja, manter o governo de Attal com plenos poderes mas sem legitimidade para agir por tempo indeterminado.
Só que a situação desagrada a muitos dos governantes, que fazem questão de o dizer à BFMTV. Um conselheiro ministerial considera que há “um lado ridículo” na situação, um ministro afirma que “falta-nos humildade nos nossos elementos de linguagem”, sendo necessário compreender que “os eleitores queriam sancionar o Presidente”, outro ministro esclarece que são “muitos a fazer pressão para que o Presidente nos liberte, já não temos legitimidade não temos a maioria. É preciso parar com isto”.
Alguns deles estão inquietos porque no dia 17 se votam as distribuições de lugares no parlamento e, sendo ministros, não estão em funções. Outros invocam a possibilidade de uma moção de censura imediata que tornaria um esforço incompreensível a tentativa de manter este governo.
Um dos membros do governo queixa-se que seria “ridículo” estar na tribuna ministerial nas celebrações do 14 de julho: “se dermos a impressão de distorcer as eleições, mantendo-nos no governo ou através de uma aliança, isto dará a sensação de que estamos agarrados ao poder e será politicamente devastador”. Outra “fonte do executivo” resume que “Macron adora isto, estamos todos à sua mercê, não hesitará em lembrar-nos que é o mestre dos relógios e que nos dispensa quando quer”.
Um “abuso de poder”, diz Mélenchon
Num comunicado publicado na sua página pessoal, o dirigente da França Insubmissa Jean-Luc Mélenchon foi um dos muitos à esquerda que reagiram fortemente a esta carta. Defende que o voto do povo “deve ser respeitado” e manifesta-se contra o “golpe de força presidencial”.
O dirigente de esquerda sublinha que “é falso” que ninguém tenha ganho as eleições porque a NFP elegeu mais deputados e ignorá-lo é “um abuso de poder”. Lembra os resultados de 2022 em que, sem maioria absoluta, foi chamada a coligação presidencial a formar governo. E diz que a sua análise dos resultados “viola” o sentido político da “frente republicana”, o “cordão sanitário” para barrar a extrema-direita na segunda volta das eleições, ao sugerir que esta deva produzir um governo, repetindo neste ponto a expressão “abuso de poder político”.
A carta presidencial mostra que Macron quer “manter o poder que o voto dos franceses lhe retirou” e Mélenchon promete lutar para que o presidente “respeite a decisão do sufrágio universal” e não imponha uma espécie de “veto real” sobre o voto popular.
O líder do PS, Olivier Faure, alinha pelo menos mesmo discurso: “o Presidente da República deve respeitar o seu dever de republicano, respeitar o sufrágio universal e respeitar o voto dos franceses”.
A ecologista Marine Tondelier escreveu no X que é preciso “aceitar o veredito das urnas” e que a negação lançaria no abismo “o país e a democracia”.
Fabien Roussel, secretário-geral do Partido Comunista, acusou Macron na TF1 de não respeitar o sufrágio, apesar de conceder que há que aceitar com “humildade” o facto de a maioria de esquerda ser relativa.
Na extrema-direita, a resposta é que é “um circo indigno”, escreve Marine Le Pen no X, acrescentando que “se compreende bem” a carta, é proposto barrar a França Insubmissa de chegar ao poder quando há dias os macronistas votaram nela e aceitaram os seus votos. O dirigente da União Nacional, Jordan Bardella, acusa Macron de “organizar a paralisia do país”, ao mesmo tempo “colocando a extrema-esquerda às portas do poder”.
Já parte da direita reage com alguma satisfação à iniciativa presidencial, O presidente do Senado, Gérard Larcher, dos Republicanos, mostra compreensão pela demora, ele que se encontrou com Macron antes de ser conhecida a carta presidencial. Defende mesmo que um novo Governo só deveria ser nomeado “no início do mês de setembro”, depois dos Jogos Olímpicos de Paris.
Os patrões queixam-se do programa da Nova Frente Popular
Patrick Martin, presidente da Medef, a grande confederação patronal francesa, insiste que “o programa da Nova Frente Popular seria fatal para a economia”. Em entrevista ao Les Echos critica medidas como a subida do salário mínimo, a revogação da reforma das pensões que diz ser “um sinal terrível para os mercados financeiros” e o regresso do imposto sobre as grandes fortunas que faria com que algumas das pessoas “que têm fortunas mobiliárias” saíssem do país.
Este, afirma, é apenas o programa da França Insubmissa e “precipitaria o nosso declínio”.
Sindicatos defendem medidas da Frente Popular
Sophie Binet, líder da confederação sindical CGT, defende este programa. Em entrevista ao canal LCI citada no Le Figaro, fala numa esperança “imensa” suscitada pelo voto popular que deve ser “respeitado”. Ineditamente, a central sindical tinha apelado ao voto na NFP.
Macron, com a sua carta, ao contrário de parecer “Luís XVI que se fecha em Versalhes” deveria “preservar o país em vez de lançar barris de gasolina nos incêndios que ele acendeu”, defende. Isso implicaria que saia do “estado de negação” em que está porque “perdeu as eleições”.
Por sua vez a dirigente da CDFT, Marylise Léon, aos microfones da France Inter, apela a “alianças ou compromissos” mas pensa que devem ser dirigidos pelo bloco mais votado, a NFP, que “é legítimo” que “ponha as condições” e que “se parta do seu programa” para “respeitar o voto”.
Lembra ainda que os resultados refletem a presença da extrema-direita nos embates da segunda volta: “um deputado eleito do Ensemble não pode fazer de conta que não votaram nele cidadãos que não aderem ao seu programa”.
Quanto ao programa diabolizado pelos patrões, esta dirigente sindical cauciona-o, defendendo o aumento do salário mínimo, necessário porque muitos que o ganham “não conseguem viver dignamente”, e a revogação das reforma das pensões, que considera “indispensável”.
—
Foto: Elysee.Fr