A Faria Lima não convenceu as ruas

Além da subida da popularidade de Lula, pesquisa Quaest mostra: população não engole o discurso de “austeridade”. Maiorias rechaçam o arrocho, juros altos e interferências do “mercado”. E ensinam governo e movimentos: pauta econômica ainda é central

por Glauco Faria, em Outras Palavras

Segundo o levantamento, 66% dos entrevistados concordam com as críticas de Lula à política de juros do Banco Central. E chegam a 87% aqueles que concordam com a opinião do presidente de que a taxa no Brasil é muito alta.

As pessoas também foram questionadas a respeito de outras opiniões de Lula emitidas em suas entrevistas concedidas a rádios e 90% apontam que o presidente está certo quando afirma que o salário deveria ser aumentado todo ano acima da inflação. Sobre a afirmação de que o governo não deve satisfação ao mercado, mas aos pobres, 67% estão de acordo com a fala.

É uma vitória do governo e uma derrota para o pessoal da Faria Lima, muito bem representado em veículos por alguns que chegaram ao nível da ofensa para contestar as análises do presidente. Mesmo com um esforço midiático e uma verdadeira campanha em prol dos juros altos, contra o reajuste real do salário mínimo e em defesa de mais medidas referentes à austeridade fiscal, parte da população não compra o ideário que garante lucros e dividendos, pouco ou nada tributados, aos rentistas.

A economia no centro da agenda do governo

A sondagem mostra ainda que Lula acertou duplamente ao conceder as entrevistas. Primeiro, fazendo uma comunicação direta com segmentos que ainda têm no rádio um veículo importante de informação, já que um bom número de outras emissoras acabou retransmitindo as intervenções do presidente.

Mas o principal foi ter pautado a discussão. Um problema central do atual cenário político é a capacidade que a extrema direita tem em mobilizar o debate e impor sua agenda, deixando na maior parte do tempo questões relevantes para o governo em segundo plano. Ainda que seus interesses sejam os mesmos da mídia corporativa no caso da condução da economia, este segmento tem nítida dificuldade para debater quando sai da sua zona de conforto, o que se convencionou chamar de pauta de costumes, embora seja mais correto chamá-la de pauta de direitos.

Segundo o diretor da Quaest, Felipe Nunes, o “desempenho positivo [da avaliação do governo] foi puxado especialmente pela melhora entre quem tem renda familiar de até 2 salários: a aprovação foi de 62% para 69%, enquanto a desaprovação foi de 35% para 26%. Nos outros estratos de renda não houve variação significativa”.

Os números podem sugerir que, com a economia no centro do debate, as pessoas podem perceber de forma mais palpável o nível de melhora das condições materiais. Com uma inflação controlada, o rendimento médio mensal real domiciliar per capita chegou em 2023 ao maior valor da série histórica da pesquisa PNAD contínua, com alta de 11,5% ante 2022. E isso ganha um realce maior, em especial nas camadas mais pobres da população. Mas é o lugar que o fato vai ocupar no imaginário que determina a sua importância ou a relação da ascensão econômica com a condução do governo.

Faria Lima descontente

O comportamento de manada dos veículos contra Lula ilustra que o setor pouco numeroso da sociedade que ganha com juros altos não quer que esse tema seja discutido, mas, sim, invisibilizado. Não é à toa que a diversidade de fontes sobre o assunto é quase nula.

Parte da população, 53%, no entanto, ainda concorda que Roberto Campos Neto tende a usar critérios técnicos na condução do Banco Central. São 28% os que discordam e 19% aqueles que não sabem responder. A questão do suposto atributo “técnico” ao manejo da política monetária e da economia de um modo geral sempre foi uma forma de isolar a sociedade de debates como o da taxa de juros, por exemplo.

Também por isso a taxa de juros e questões relacionadas à economia poderiam e deveriam ser tomadas como bandeiras de partidos de esquerda, entidades sindicais, da sociedade civil e movimentos populares. Em episódios recentes, já se viu como mobilizações podem barrar retrocessos, mas é necessário construir uma agenda propositiva. Os temas econômicos, que têm influência no cotidiano da população, podem ser esse gatilho, contanto que sejam bem discutidos e bem comunicados. Para terror da Faria Lima.

Publicado originalmente na revista Fórum

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