Jornada de Educomunicação em Rondônia: Somos as vozes da terra, águas e florestas

“As palavras que a gente sente é saudade e memórias” (Tapuya Mura)

Por CPT Rondônia

Juventudes do coletivo de jovens dos Povos e Comunidades Tradicionais em 2024 realizam, com aliados e aliadas dos povos das florestas, diversas iniciativas em formação na comunicação popular e comunitária, como estratégia de força conjunta diante às ameaças em seus territórios, com a assessoria do grupo de pesquisa e extensão REC – Rádio, Educação e Cidadania da Universidade Federal de Rondônia, em parceria com o Fundo Casa. A força das encantarias, da espiritualidade na ancestralidade marcam cada encontro.

Ao todo, foram duas oficinas, a primeira realizada entre os dias 10 a 12 de maio nas RESEX Piquiá e Castanheira, localizadas em Machadinho D’Oeste, e a segunda entre os dias 28 a 30 de junho na RESEX Rio Ouro Preto, em forte aliança com o Coletivo de juventude Rio Ouro Preto Sustentável – CROPS, Comissão Pastoral da Terra, Coletivo Mura, Comitê de Defesa da Vida Amazônica na Bacia do Rio Madeira – COMVIDA, Associação dos Seringueiros Agroextrativista do Baixo Rio Ouro Preto – ASAEX com apoio do Instituto Chico Mendes – ICMBIO Uc Guajará-Mirim.

O primeiro encontro e re-encontro de vivência com a juventude foi na RESEX Piquiá. A juventude esteve conhecendo a história de seu Manoel Rodrigues, de 76 anos, que vive ao lado da RESEX e é seringueiro desde o Vale do Anari e de dona Agenora, sua irmã, que acolheu todo o grupo, e preparou pães caseiros com sua receita tradicional. Sua prima, Amélia, nos recebeu na tarde do sábado na sua colocação na RESEX Castanheira, apresentando a prensa da borracha, seringueiras cortadas e contou sua realidade como mulher do seringal.

Com destaque à história, cuidado e memória de tantas mulheres e meninas que cresceram em contexto dos seringais na Amazônia e que assumem até hoje papéis centrais em suas comunidades, partimos com esperança para outra parte da história dessa família, agora na RESEX Piquiá conhecer a colocação do seu João Macedo, seringueiro e membro da OSR, que apresentou a prensa e os sapatos da borracha, o corte das seringueiras e conhecimentos sobre a extração e sua história de vida com a seringueira.

Navegando do Rio Machadinho para o rio tradicional Rio Ouro Preto, e ancestral Tau’Pana dos povos indígenas, a canoa leva a juventude para a segundo encontro de Educomunicação, na RESEX Rio Ouro Preto. Com momentos de muita espiritualidade e mística, fizemos a memória das experiências dos outros territórios e da história da reserva que acolhe a nova etapa, e no outro dia iniciamos a vivência pelo território. No sábado, conhecemos a comunidade Nossa Senhora do Seringueiro, e à tarde construímos o debate sobre o tema da defesa dos rios, povos e florestas na prainha do rio Ouro Preto.

Dentro da programação pudemos fazer um momento de vivência também com a comunidade Nossa Senhora do Seringueiro, de acesso pelo rio. Ao som dos tambores, dos maracás e dos cantos e clamores de ancestrais, a emoção imensa ao sentir a história da família de dona Francisca caminhando pelas águas e mata na mesma rota que fazia para chegar em sua comunidade com suas filhas. Na comunidade, conhecemos as usinas de babaçu e castanha, a primeira escola municipal Manoel Manuzak guiados pela comunidade e grupo COMVIDA, e o plantio de café conilon.

Temos que destacar a figura de uma mulher, filha de dona Francisca, que liderou processos de luta e hoje permanece na memória da comunidade, que em espírito ventilou as árvores, aqueceu nossos corações e esteve presente. Missilene Augusto, presente, presente, presente!

No último dia pela manhã, trabalhamos a metodologia, os desenhos, poemas e afetos sobre o território e nossas experiências para a produção dos memoriais de vida, fruto do trabalho pela comunicação popular e das florestas, com a assessoria do grupo REC que coordenou o espaço. Ao final, finalizamos a mística com o ato de devolver ao rio suas pedras encantadas, mentalizando o sonho de cada um e uma, lançados por mãos de jovens, comunidade, lideranças, crianças, mulheres e idosos ao rio.

Em registro do seu desenho, seu Matogrosso, ancião da Rio Ouro Preto, insere a mensagem “Eu fico triste quando vejo a floresta em chama e mais triste ainda quando vejo os drones jogando os inseticida e destruindo nossa fauna…tudo isso está se acabando porque a ganância do latifúndio está aumentando cada vez mais, e nós queremos nosso rio sem poluição e nossa floresta em pé”.

Há em todo contexto de lutas e resistências históricas das comunidades tradicionais e originárias amazônicas frente à expansão de grandes projetos colonialistas, ancoradas hoje na expansão das fronteiras agrícolas, que só fortalecem o agro-hidro-negócio e a hostil realidade da violência no campo, orquestradas especialmente pelo latifúndio, fazendeiros, madeireiras, com a grilagem de terras e das milícias armadas, a permanência viva das memórias e saudades de tempos que permanecem em suas identidades, no corpo, alma e coração daqueles que permanecem em vida ou em espírito, manifestando seus ancestrais com esperança.

São jovens, crianças, mulheres, homens, em territórios de múltiplos sentimentos, cosmovisões, espiritualidade, e vida. Gritamos mais uma vez contra a morte, e apontamos para o registro daqueles que tecem o Bem Viver, em seus modos, em suas malocas, tapiris, com seus maracás, tambores, flautas, porongas, e redes. Gritamos principalmente pela auto-afirmação da memória ancestral dos mais jovens, mas sobretudo pela defesa de nossas mães, tios, avós, sabedores, caciques, anciãos, lideranças, matriarcas e de toda mãe terra que nos apresenta todos os dias o anseio de continuar, de mãos atadas e sonho vivo.

Entre os dias 21 a 24 de agosto de 2024 convidamos cada um e cada uma a ser presença no quinto encontro da Rede dos Povos de Rondônia, que será realizado na base do Pompeu, da RESEX Rio Ouro Preto, com os temas: espiritualidade, protocolos de consulta, implicações do crédito de carbono, comunicação e juventude, direitos da natureza, terra e território e resistência das mulheres.

Foto: REC – Seu Matogrosso

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