A resiliência das mulheres e o engajamento político no G20 frente às mudanças climáticas

As emergências climáticas não são neutras em termos de gênero, e as discussões sobre mulheres e mudanças climáticas têm evoluído gradualmente ao longo dos anos

Isabela Tabarelli Cabral, Mariana Pera de Almeida, Rafaela Castilho Miranda e Ana Beatriz Aquino, Le Monde Diplomatique

A crescente crise climática e as iminentes catástrofes ambientais compõem um complexo estrutural econômico, social e geopolítico associado à manutenção das instituições de poder e grupos dominantes que reafirmam um modelo de desenvolvimento orientado pela transferência dos custos socioambientais às camadas populares mais vulneráveis. Dentro desse cenário, as mulheres se destacam, tanto como vetores de mudança, quanto pela suscetibilidade a qual estão expostas.

Embora o debate acerca das questões ambientais tenha se expandido a partir da década de 1960, a intersecção entre as mudanças climáticas e o gênero foi uma pauta negligenciada. Quando ocorrem, os desastres recaem de maneira desproporcional sobre mulheres e meninas, intensificando as fragilidades já existentes, seja pela ampliação dos casos de violência (física e psicológica) e deslocamentos forçados, seja pela sujeição à pobreza, pela evasão escolar e pela sobrecarga decorrente da divisão sexual do trabalho.

Apesar de expostas à vulnerabilidade socioambiental, as mulheres ainda são importantes agentes no combate às mudanças climáticas e, portanto, na busca pela justiça climática através de ações territoriais que visam mitigar os impactos das crises ambientais. A luta, no entanto, não se restringe à esfera climática, desvelando-se, igualmente, na arena político-institucional, em que a sub-representação e a participação desigual no processo decisório de construção política dificultam a atuação feminina.

O afastamento de mulheres e meninas da arena política, especialmente durante a formulação de políticas públicas, concebe uma agenda política profundamente enviesada, como defende Biroli (2016), já que a manifestação da divisão sexual nos espaços de decisão e expressão pública sustenta a manutenção de recursos de poder – materiais e simbólicos – por grupos dominantes. Assim, a busca pela justiça climática, protagonizada por diversas mulheres, é paralela à busca pela participação equitativa.

Em vista disso, a atuação de mulheres em fóruns globais é um aparelho essencial para combater a problemática socioambiental exposta e gerada pelas alterações climáticas. A participação, dentro dos espaços de decisão, viabiliza a construção de uma agenda política voltada para as necessidades e as fragilidades enfrentadas por mulheres em quadros de crise, bem como para a capacidade de adaptação. Desse modo, a elaboração de ações, atrelada à conduta bottom-up, permite que as resoluções dadas às situações de vulnerabilidade, provocadas por catástrofes climáticas, sejam eficazes.

Nesse contexto, fóruns internacionais, como é o caso do G20, funcionam como espaços de deliberação em que mulheres podem promover soluções locais para a mitigação das crises ambientais, bem como ampliar a resiliência de cidades e comunidades suscetíveis às catástrofes climáticas. Além disso, as atividades realizadas por meninas e mulheres dentro desses espaços fortalecem a representatividade feminina na arena político-institucional e, assim, na própria formação de agenda política.

A agenda de mulheres e mudanças climáticas no G20

As emergências climáticas não são neutras em termos de gênero, e, dentro do G20, as discussões sobre mulheres e mudanças climáticas têm evoluído gradualmente ao longo dos anos, refletindo uma crescente conscientização sobre a interseção entre gênero e questões ambientais. Nos primeiros anos, o foco principal do G20 estava nas questões econômicas globais e na recuperação da crise financeira de 2008. As discussões sobre mudanças climáticas começaram a ganhar mais espaço, mas a questão de gênero ainda não era central nesses debates. Com o passar do tempo, especialmente com a presidência australiana, em 2014, e a turca, em 2015, as questões de gênero começaram a ser mencionadas, ainda que de maneira limitada.

Em 2015, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, que inclui a igualdade de gênero como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), influenciou as discussões no G20. Sob a presidência chinesa, em 2016, e alemã, em 2017, houve um aumento na conscientização sobre a importância da igualdade de gênero. A presidência argentina, em 2018, foi particularmente significativa, pois promoveu a inclusão de questões de gênero em discussões sobre o desenvolvimento sustentável. A Argentina lançou a Iniciativa de Empoderamento das Mulheres, reconhecendo a necessidade de abordar a desigualdade de gênero em todos os setores, incluindo a resposta às mudanças climáticas. Durante a presidência japonesa, em 2019, e saudita, em 2020, as questões de gênero continuam a ganhar destaque.

A partir da criação do “Women 20” (W20), um grupo de engajamento oficial do G20 focado em promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, a s discussões começaram a reconhecer mais explicitamente como as mulheres são desproporcionalmente afetadas pelas mudanças climáticas e a necessidade de políticas que abordem essas vulnerabilidades. Sob a presidência italiana, em 2021, e indonésia, em 2022, o foco na interseção entre gênero e mudanças climáticas continuou a crescer. As discussões destacaram a importância de incluir mulheres nas decisões sobre políticas climáticas, reconhecendo que a participação igualitária pode levar a soluções mais eficazes e sustentáveis. As declarações finais dos encontros do G20 nos últimos anos começaram a incluir compromissos específicos para promover a igualdade de gênero e reconhecer o papel das mulheres na mitigação e na adaptação às mudanças climáticas.

Na Declaração de Hangzhou, em 2016, durante a cúpula do G20 na China, foram incluídos compromissos para promover a igualdade de gênero, destacando a importância da participação das mulheres na economia digital e na força de trabalho. Na Cúpula de Hamburgo, em 2017, na Alemanha, as discussões focaram na necessidade de integrar a perspectiva de gênero nas políticas de desenvolvimento econômico e social. Em 2018, durante a presidência argentina do G20, foi lançada a Iniciativa de Empoderamento das Mulheres, enfatizando a promoção da igualdade de gênero em todas as esferas, incluindo a resposta às mudanças climáticas. Na Declaração de Osaka, em 2019, no Japão, os compromissos com a igualdade de gênero foram reforçados, e houve discussões sobre inclusão digital e participação das mulheres em todos os setores econômicos.

Já na Cúpula da Arábia Saudita, em 2020, realizada virtualmente, foram fortalecidas as discussões sobre a vulnerabilidade das mulheres às mudanças climáticas e a necessidade de políticas inclusivas. Na Declaração de Roma, em 2021, durante a cúpula do G20 na Itália, foi reafirmado o compromisso com a igualdade de gênero e a inclusão das mulheres nas políticas de recuperação econômica pós-pandemia. Na Cúpula da Indonésia, em 2022, em Bali, as discussões se aprofundaram sobre a importância da participação feminina na mitigação e adaptação às mudanças climáticas, bem como na transição para uma economia verde.

Nesse sentido, as cúpulas anuais têm incluído compromissos crescentes para integrar a perspectiva de gênero nas políticas climáticas. Essas discussões destacam desafios como a falta de representação de mulheres em decisões climáticas e políticas, o acesso limitado a recursos para elas e a necessidade de dados desagregados por gênero. O G20 tem explorado oportunidades como o fortalecimento do papel do W20, o desenvolvimento de políticas inclusivas, aumento da representação feminina em liderança climática e parcerias para promover a igualdade de gênero nas iniciativas climáticas.

W20: promovendo a equidade de gênero no G20

O W20, concebido na Austrália, em 2014, e em atividade desde 2015, no G20 Turquia, visa elaborar recomendações para políticas públicas em prol do empoderamento econômico de mulheres em 5 áreas temáticas: empreendedorismo, mulheres em STEM, economia do cuidado, violência de gênero e justiça climática.

Todos os anos, mulheres formadas por diferentes partes da sociedade civil, organizações e think tanks se unem para elaborar um “communique”, documento com recomendações para os líderes do G20. Através de um consenso entre todos os membros, que possuem distintas realidades e percepções sobre as questões de gênero, as delegadas desempenham um papel crucial na promoção da igualdade de gênero e na garantia de que as vozes e necessidades das mulheres sejam ouvidas e, principalmente, sejam pautas prioritárias nas agendas de políticas globais.

Este ano, a presidência do G20 está sob o Brasil, apresentando o slogan “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”, que demonstra o compromisso e o desejo do Brasil em viabilizar acordos justos e que promovam desenvolvimento econômico e social global. Porém, de acordo com Janaina Gama (2024), co-líder do W20 Brasil, não há como debater sustentabilidade e justiça sem equidade de gênero, de modo que a ativista aponta a necessidade de haver um debate justo e diverso, condizente com as variações étnico-raciais brasileiras.

Desde o início das atividades do W20 Brasil, houve esforços para que os diálogos realizados não fossem restritos à realidade de regiões específicas, levando as discussões políticas sobre igualdade de gênero para diversas cidades do Brasil. No dia 18 de junho, o grupo de engajamento realizou o 6º Diálogo Nacional do W20 Brasil, com o tema Justiça Climática na perspectiva de gênero, etnia e raça. O evento foi realizado em Belém (PA), cidade que será o centro das discussões sobre mudanças climáticas no próximo ano, durante a COP 30.

Durante o diálogo, Mariana Belmont – assessora sobre clima e racismo ambiental do Instituto Geledés da Mulher Negra – destacou a importância de agir não só na mitigação, como foi observado em maio de 2024 no Rio Grande do Sul, mas na adaptação para os eventos climáticos extremos, por meio de políticas públicas como planos nacionais, estaduais e municipais de adaptação às mudanças climáticas. Para Mariana, a justiça climática está relacionada ao direito à vida e à segurança, de modo que é preciso garantir os direitos dos cidadãos de viverem em seus territórios, sem a ameaça das políticas de remoção – que geram perda dos vínculos comunitários, gentrificação e embranquecimento dos territórios. Representando a ONU Mulheres, Larissa Cervi pontuou a necessidade de rever os arranjos de governança vigentes, repensando esses espaços e ampliando o acesso aos espaços de tomada de decisão para trazer as perspectivas das mulheres em suas diversidades.

*Isabela Tabarelli Cabral, Mariana Pera de Almeida, Rafaela Castilho Miranda e Ana Beatriz Aquino são pesquisadoras do Projeto Legislativas.

Referências

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Imagem: Discussões sobre mulheres e mudanças climáticas têm evoluído. Foto: Bernardo Jardim Ribeiro

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