Por que a sociedade civil está rompendo com o GT Ferrogrão?

Organizações e denunciam falta de transparência e diálogo do Ministério dos Transportes, responsável pelo GT

Com informações do Movimento Tapajós Vivo e de Leonardo Fernandes (Brasil de Fato – Brasília/DF), em CPT

Organizações da sociedade civil que integram o Grupo de Trabalho (GT) criado pelo Ministério dos Transportes para debater o projeto da ferrovia Ferrogrão, anunciaram, na última segunda-feira (29/7), que não participam mais do grupo. A decisão das organizações ocorreu devido ao esvaziamento de um espaço que deveria ser de diálogo transversal e interministerial entre o governo e membros da sociedade civil, uma vez que não houve representantes da Casa Civil nas reuniões.

O projeto inicial da ferrovia possui estudos falhos, ignora impactos e desrespeita o direito à consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades da região, conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada no Brasil há mais de 20 anos. O traçado da ferrovia, paralelo à rodovia BR-163, vai resultar no desmatamento de mais de 2 mil km de floresta nativa, impacta 4,9 milhões de hectares de áreas protegidas e afeta pelo menos 16 Terras Indígenas, além de diversos quilombos e comunidades tradicionais, um megaprojeto do agronegócio brasileiro que pode devastar 50 mil km² de Amazônia.

Na carta entregue ao Ministério dos Transportes, pelo Instituto Kabu, a Rede Xingu+, a Aliança #FerrogrãoNão e o Psol, as organizações afirmam que foram surpreendidas na semana passada com a informação de que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) havia anunciado a previsão de leilões para a construção da ferrovia para 2026. No documento, as entidades manifestam “discordância e profunda preocupação pelo tratamento dado ao tema.”

Com o rompimento, as organizações integram a Aliança Contra a Ferrogrão: “Expressamos nossa discordância e profunda preocupação pelo tratamento dado ao tema. No entanto, não mediremos esforços para barrar esses trilhos de destruição e seguiremos os diálogos com o governo federal de outras maneiras e em outras instâncias,” afirmam.

A atualização dos estudos de impactos socioambientais excluiu indígenas e sociedade civil. A estatal Infra S/A e o Ministério dos Transportes contrataram a mesma empresa que fez os primeiros estudos em 2012, sem discussão, transparência e participação da sociedade civil.

As organizações pedem que o governo brasileiro reconheça a inconstitucionalidade do traçado da Ferrogrão e cancele o empreendimento. “Do mesmo modo, é urgente promover a regularização fundiária, titulação de territórios quilombolas, demarcação das terras indígenas e a execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal na região. Projetos de infraestrutura e logística não podem seguir promovendo a destruição da Amazônia, do Cerrado e do futuro de todas e todos nós,” diz o texto.

“Nós não comemos soja. A gente não se alimenta de soja. A gente quer apenas água limpa e a floresta em pé,” declarou ao Brasil de Fato, Alessandra Korap Munduruku, coordenadora da Associação Indígena Pariri.

Cobrança ao governo

A decisão de se retirar do GT demonstra a insatisfação das organizações indígenas em relação ao andamento de projetos do governo que têm impactos diretos nas populações tradicionais. Alessandra Munduruku afirma que o próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é responsável pela situação, por privilegiar setores do agronegócio brasileiro, em detrimento dos povos originários.

“Olha o que esperar [do governo]? Esperar que aconteça uma nova Belo Monte? Como esperar? Na COP30, que o mundo vai estar todo de olho na Amazônia, e ele [Lula] vai construir essa Ferrogrão passando por cima de todo mundo?,” questionou.

A liderança indígena afirmou que as organizações seguirão em luta para barrar o “projeto de morte” do agronegócio.

“A gente vai impedir com as nossas próprias forças, com o nosso ritual, com a nossa pintura, com os nossos cantos, com a nossa língua, o nosso rio, a nossa floresta. Porque é isso que nos faz mover há 524 anos. Não vai ser essa Ferrogrão que vai nos matar. A gente vai continuar vivo, a gente vai continuar resistindo.”

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