De acordo com dados do Inpe, os registros de focos de calor no estado estão 96% acima dos ocorridos ano passado. Cenário é de extrema preocupação. Pesquisador do Inpa/Ufac aponta probabilidade de chuvas abaixo do normal e de temperaturas acima da média em mais de 50% até o final do ano. La Niña, que poderia amenizar os efeitos do verão, pode não chegar com intensidade.
Fabio Pontes, Varadouro
O verão está apenas no começo e a população acreana já é severamente impactada por um clima seco, a falta de chuvas, a insegurança hídrica e a poluição causada pelas queimadas – além dos efeitos sobre a fauna e a flora amazônicas. O rastro do fogo pode ser visto aqui no andar de baixo e pelos satélites de monitoramento. Segundo o Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (Labgama), da Ufac em Cruzeiro do Sul, até o último dia 31 de julho, o Acre registrou 17.228 hectares de cicatrizes de queimadas em seu território – ou seja, a marca do fogo deixada no solo.
Mais uma vez Feijó é o município campeão na ocorrência de áreas queimadas no estado, com 3.500 hectares. Em seguida vêm Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Tarauacá, Sena Madureira e Manoel Urbano. É na região da capital acreana onde o Labgama também detectou os primeiros focos de incêndios florestais. Um dos focos está dentro do Projeto de Assentamento Bonal.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), até julho o Acre registrou 740 focos de queimada. Na comparação com igual período do ano passado, os dados são gritantes. Entre janeiro e julho de 2023 o Acre teve 260 focos de calor; um aumento de 96% Até aqui, na lista dos municípios com mais detecção de focos estão Feijó, Cruzeiro do Sul, Tarauacá e Sena Madureira.
“Nós já estamos vivendo um evento de extrema seca, e estamos vendo os reflexos sobre os recursos hídricos. Muitos rios do Acre estão num nível abaixo do esperado para o período. A gente já está há pelo menos três semanas sem chuvas significativas. Tudo isso deixa o ambiente mais seco e estressado para o fogo”, diz a pesquisadora Sonaira Silva, coordenadora do Labgama em Cruzeiro do Sul.
E os cenários analisados pela ciência não são nada animadores para os meses seguintes do verão amazônico. “”Mesmo que pareça crítico agora, os piores momentos ainda estão por vir, que são agosto e setembro, principalmente setembro. Então se a gente não tiver chuva de forma ampla nas próximas semanas a gente tem riscos muito grandes de incêndios florestais”, completa ela.
Para a pesquisadora, a única forma de se evitar um desastre natural com fogo na floresta é as pessoas não queimarem. “Se houver essa conscientização, os riscos podem ser amenizados. Para ela, caso o ambiente de seca extrema se concretize até o fim de setembro, o Acre novamente pode registrar grandes incêndios florestais como os ocorridos em 2005 e 2010. Todavia, como mostram os números, os seres humanos ainda não estão conscientes sobre a gravidade da situação.
Mesmo com a perspectiva da formação de uma La Niña, que é o resfriamento das águas do Oceano Pacífico na Porção Equatorial, responsável por um volume de chuvas maior ao Sul da Amazônia Ocidental, a tendência é a de que, em 2024, o fenômeno ocorra com menos intensidade por aqui. É o que avalia o cientista Evandro Ferreira, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), no núcleo da Ufac em Rio Branco.
“As previsões feitas por todos os institutos são as de que, até o fim do ano, as chuvas vão estar abaixo do normal em todo o Acre. E temos até 45% de probabilidade de que isso seja verdade. Para a região leste do Acre [onde está a área mais desmatada] a chance de que isso se concretize é de 57%. Nós tínhamos essa previsão antes dos estudos mostrarem que a La Ninã pode não chegar”, afirma o cientista.
Se as chuvas estão e estarão abaixo do normal, por outro lado as temperaturas estarão acima da média. “Entre outubro e dezembro temos 70% de probabilidade de que as temperaturas estarão acima do esperado. “Quando a gente analisa só Rio Branco, até o dia 20 de julho, as chuvas ficaram 29% abaixo da média quando comparamos com o mesmo período de 2023.”
Climas extremos
Mesmo com chuvas mais escassas, a capital acreana registrou, em março passado, a segunda maior alagação da história. Agora, quatro meses depois, o rio Acre está em nível crítico de vazante para a época. Em muitas áreas de seu leito o manancial apartou, não há mais água, apenas grandes praias. A situação é de extrema alerta por ele ser a principal fonte de captação de água para os municípios do Vale do Acre – onde está mais da metade da população do estado.
Segundo os dados da Defesa Civil de Rio Branco, o rio Acre media 1,47m na manhã desta quinta-feira, o primeiro dia de agosto, um dos meses mais secos do verão. O rio Acre está próximo de atingir a marca histórica de vazante mais baixa já registrada, que foi de 1,25m, entre o fim de setembro e o começo de outubro do ano passado. “A se manter o volume crítico de chuvas, podemos alcançar essa marca nas próximas semanas”, avalia Evandro Ferreira.
Segundo o pesquisador do Inpa, além dos cenários ambientais e climáticos críticos de 2024, o Acre ainda carrega os efeitos da seca extrema do ano passado, ocasionada pelo fenômeno El Niño. Tudo isso, ressalta ele, forma um ambiente de severo estresse hídrico, o que contribui para a ocorrência de incêndios florestais por a mata estar muito seca.
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Imagem: Para Sonaira Silva, do Labgama/Ufac, “os piores momentos ainda estão por vir”; falta de chuvas e calor extremo de 2023 e 2024 deixam ambiente propício a incêndios florestais (Foto: Agência Brasil)
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Roberta Graf.