AGU participa de pedido de desculpas do Estado brasileiro por impunidade no assassinato de defensor de trabalhadores rurais no Pará

Ato realizado em Juiz de Fora (MG) fez parte do cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que condenou o país por falhas na responsabilização pela morte do advogado Gabriel Sales Pimenta, ocorrida em 1982

O Estado brasileiro reconheceu publicamente a responsabilidade pela impunidade do assassinato do advogado Gabriel Sales Pimenta, ocorrida em Marabá (PA), em 1982, e fez um pedido formal de desculpas aos familiares dele na noite desta terça-feira (30/07), em cerimônia realizada em Juiz de Fora (MG). O ato, que contou com participação da Advocacia-Geral da União (AGU), é parte do cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que condenou o Brasil pela impunidade da morte do advogado de 27 anos, defensor de trabalhadores rurais.

Em nome do Estado brasileiro, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, e o procurador-geral da União, Marcelo Eugenio Feitosa Almeida, apresentaram um pedido formal de desculpas à família da vítima no ato realizado no Teatro Paschoal Carlos Magno, na cidade natal do advogado. O irmão dele, Rafael Sales Pimenta, que preside o Instituto Gabriel Pimenta de Direitos Humanos, representou a família na mesa de autoridades.

Mencionando os nomes de cada um dos familiares do advogado, o ministro Silvio Almeida apresentou o pedido de desculpas e o reconhecimento da responsabilidade internacional do Brasil por violação à Convenção Americana de Direitos Humanos. “Que vocês encontrem, pelo menos em parte, um conforto em saber que o Estado brasileiro reconhece que Gabriel Sales Pimenta foi um corajoso defensor dos direitos humanos e que sua luta ao lado dos trabalhadores rurais desse país é também a luta de todos nós brasileiros. Reconhecemos o trabalho dos defensores de direitos humanos em todo o Brasil e condenamos qualquer tipo de atentado e crimes cometidos contra pessoas”, disse o ministro, ressaltando o compromisso em cumprir a integralidade da sentença.

“Reitero o compromisso do Governo Lula com agenda de direitos humanos, com agenda do direito ao desenvolvimento e, mais especificamente, com a agenda de preservação da memória e realização da Justiça, que são bases para uma sociedade verdadeiramente democrática”, acrescentou o ministro, destacando a atuação do advogado-geral da União, Jorge Messias, para alinhar as defesas do Estado brasileiro nas cortes internacionais de modo que não haja revitimização das pessoas que foram objeto de violação de direitos humanos.

Já o procurador-geral da União disse que o ato público não é apenas um cumprimento de uma sentença judicial, mas um compromisso moral do Estado brasileiro com a verdade, a justiça e a memória. “Hoje, em nome do Estado brasileiro, pedimos desculpas à família de Gabriel Sales Pimenta, aos seus amigos e a todos aqueles impactados por sua perda. Reconhecemos a dor e o sofrimento causados pela impunidade e pela falta de justiça ao longo desses anos”, afirmou Marcelo Eugenio Feitosa Almeida, representando a AGU.

Histórico

Formado em Direito, Gabriel Sales Pimenta dedicou a vida à defesa dos direitos humanos dos mais vulneráveis. Em 1980, deixou o emprego num banco em Belo Horizonte e mudou-se para Marabá (PA), onde tornou-se advogado do Sindicato de Trabalhadores Rurais da cidade. Por sua atuação em defesa dos agricultores, recebia ameaças de morte. Pimenta foi assassinado com três tiros pelas costas em 18 de julho de 1982, dias depois de conseguir reverter na justiça a expulsão de 150 trabalhadores de uma fazenda de extração de madeira.

A ação penal relativa ao assassinato foi ajuizada em 1983 pelo Ministério Público, mas não resultou na condenação de nenhum dos três acusados do crime.  O caso foi denunciado à CIDH em 2006 e o Brasil foi condenado em junho de 2022. A Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou que as falhas do Estado brasileiro na sua obrigação de investigar, processar e punir os responsáveis pela morte de Gabriel Sales Pimenta expõem o contexto de impunidade estrutural em crimes contra trabalhadores rurais e seus defensores.

Para o procurador-geral da União, é fundamental destacar o papel crucial dos defensores e defensoras de direitos humanos na sociedade. “É por Sales Pimenta, mas também por Chico Mendes, Mãe Bernadete e tantos outros que vão fazendo de suas vidas uma luta permanente pela defesa dos direitos de todos nós que estamos aqui hoje”, destacou.

Marcelo Eugenio ressaltou o trabalho que vem sendo realizado desde janeiro de 2023 pela AGU, por meio da Procuradoria Nacional de Assuntos Internacionais em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores e o MDHC para reposicionar o Brasil no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, buscando soluções amistosas e reconhecendo violações de direitos humanos praticadas por agentes do Estado brasileiro. “Temos implementado parâmetros que nos permitam reconhecer essas violações com segurança jurídica e impulsionado junto aos órgãos competentes a adoção das medidas de recuperação”, afirmou.

“Desde o caso Alcântara, o primeiro em que essa nova postura foi adotada, o Estado brasileiro reconheceu que violou direitos humanos em outros seis processos perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Assim ocorreu no caso Muniz da Silva, relativo ao desaparecimento do Sr. Almir Muniz da Silva, defensor de direitos de trabalhadores rurais no Estado da Paraíba, em que houve reconhecimento de falhas na investigação criminal de seu desaparecimento. Já no caso Da Silva, em que se tratou da morte de Manoel Luiz da Silva, agricultor assassinado em contexto de conflitos por terra no Estado da Paraíba, reconheceu-se que a demora excessiva na investigação terminou por violar o direito dos parentes da vítima a uma resposta judicial em prazo razoável”, recordou o procurador-geral da União.

Em discurso emocionado, Rafael Sales Pimenta, irmão da vítima, agradeceu o empenho dos movimentos sociais e do Estado brasileiro. Para ele, a sentença da CIDH é uma vitória de todos os defensores dos direitos humanos no Brasil. “Honraremos a memória de Gabriel e de todos na nossa luta diária por justiça, democracia, com todo entusiasmo de quem luta do lado certo da história”, disse Rafael.

Determinações

Além do reconhecimento público de responsabilidade, a CIDH determinou ao Estado brasileiro a realização de uma série de ações de reparação, entre elas, o pagamento de indenizações aos familiares de Pimenta e a instituição do Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, com o objetivo de propor políticas de proteção para defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas, visando garantir a segurança e a integridade de agentes sociais que combatem violações de direitos e defendem setores vulneráveis da sociedade.

O GTT foi instalado em novembro de 2023 e está encarregado de elaborar um plano nacional com metas, ações, indicadores, responsáveis e prazos, além de um anteprojeto de lei. Um outro grupo de trabalho com finalidade semelhante foi instalado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Também entre a ações de reparação estão: a criação de um protocolo para a investigação dos crimes cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos e um sistema de indicadores que permita medir a efetividade do protocolo; a nomeação de uma praça pública no município de Marabá (PA) com o nome de Gabriel Sales Pimenta e a criação de um espaço público em memória do advogado na cidade de Juiz de Fora (MG).

Também estiveram presentes no evento ainda o procurador nacional da União de Assuntos Internacionais, Boni Soares; o assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do MDHC, Nilmário Miranda; o secretário de Igualdade Racial e Direitos Humanos do Pará, Jarbas Vasconcelos do Carmo; a diretora do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério da Agricultura, Cláudia Maria Dadico; além de diversos representantes da sociedade civil, movimentos sociais e autoridades estaduais e municipais.

Foto: Tatiana Nahuz/MDHC

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