Violência agrária em Rondônia envolve prestigioso grupo educacional paulista

por Josep Iborra Plans, em CPT-RO

Pistolagem, grilagem de milhares de hectares de terras públicas, exploração de madeira, despejo de centenas de famílias, destruição de casas, roças, perseguição de pequenos agricultores, e inclusive assassinato, formam parte das acusações de um tenso conflito de um grupo de sem terras em Machadinho do Oeste, Rondônia, (a 221 km de Porto Velho), envolvendo os herdeiros de João Carlos di Genio, fundador de um dos maiores grupos de educação privada no país, o Unip/Objetivo, falecido em 12 de fevereiro de 2022 em São Paulo, aos 82 anos.

O conflito envolvendo Di Genio e os herdeiros do prestigioso grupo dos colégios Objetivo coloca em xeque o legado do mesmo e a missão do grupo, que anuncia como proposta educacional:

“A absorção do novo, contudo, não pode prescindir de uma sólida formação, da compreensão lúcida das novas realidades e do domínio de equipamentos básicos para a vida: a competência linguística, o raciocínio lógico e matemático, a iniciação científica, a consciência do meio ambiente, a visão histórica, a experiência artística, a formação ética e a construção da consciência de cidadania, além do domínio de recursos tecnológicos, passaporte privilegiado para o mundo futuro.” (O destaque é nosso) Fonte: https://www.objetivo.br/institucional/sobre-objetivo.aspx, acessado em 05/08/24.

Além dos colégios, o grupo controla uma universidade com mais de 800 unidades, que tem como Missão:

“A Universidade Paulista – UNIP tem como missão constituir-se num centro de geração e difusão do saber, articulando as atividades de ensino, de pesquisa e extensão, em consonância com as demandas da sociedade contemporânea e do mundo do trabalho, respeitando a diversidade e cultivando a solidariedade, a inclusão, os valores humanos e a ética, visando à formação de cidadãos qualificados e potencialmente aptos a contribuir para o desenvolvimento socioeconômico da sua região de influência.” (O destaque é nosso.) Fonte: https://www.unip.br/universidade/missao.aspx, acessado em 05/03/2014.

E que conta até com missões nas Nações Unidas: Professora da UNIP representa o Brasil na discussão sobre Paz e Segurança Internacional na ONU

Nada poderia ser mais contraditório o relacionamento do fundador destas instituições com num conflito agrário, que registra denúncias de algumas das estratégias mais atrasadas do Brasil: Roubo de terras públicas na Amazônia, saque de madeira, queimadas de floresta e violência no campo, com milícias armadas e encapuçadas, destruição de casas e de roças, lideranças ameaçadas e inclusive, assassinato. 

A disputa pela Fazenda Maroins enfrenta um grupo de 125 famílias sem terra e o Espólio de João Carlos Di Gênio, um latifúndio de mais de 10.000 hectares, segundo o grupo de famílias, dividido agora em diversas partes, das quais eles reivindicam 3.000 ha, que seriam terras públicas, de um antigo seringal, acrescentadas de forma irregular à fazenda. Até o momento o INCRA ainda não tem se pronunciado sobre a situação fundiária da área do conflito.

O imóvel está localizado no Distrito de Tabajara, numa região de assédio da grande especulação por causa do projeto de construção da Usina de Tabajara. Um projeto que já chamou a atenção da missão em Rondônia do Conselho Nacional de Direitos Humanos de 2023 e que tem apresentado grande resistência das comunidades tradicionais e indígenas da região:

“O eixo de barramento do projeto de aproveitamento hidrelétrico (AHE) Tabajara está localizado no rio Machado, no município de Machadinho do Oeste, em Rondônia, entre as cachoeiras da Candelária e São Vicente, e próximo à cachoeira 2 de novembro, nas coordenadas geográficas 8°54’26.62’’S / 62°10’25.78’’O (UTM 590847E /9015327N). Localizada à 145 km da foz no rio Madeira, a região do barramento é situada próxima aos limites com o Município de Porto Velho, e do sul do Estado do Amazonas, com os territórios dos municípios de Humaitá, Manicoré, Novo Aripuanã e Apuí.” (Disponível aqui)

O referido conflito do Acampamento Ipê e a Fazenda Maroins já tem mais de dois anos, tendo registrado em 02 de março de 2023 um despejo judicial decidido pelo Magistrado da Comarca de Machadinho do Oeste, no processo de Número 7000355-39.2023.8.22.0019. Um processo do qual foi autor JOAO CARLOS DI GENIO, (EDIFÍCIO FUNDAÇÃO CASPER LÍBERO, AVENIDA PAULISTA 900 BELA VISTA – 01310-940 – SÃO PAULO – SP; ADVOGADO DO AUTOR: LUIZ FELIPE PEREIRA GOMES LOPES, OAB nº DF69346), sendo réu: MARIA BESERRA MATOS MARTINS DA COSTA, ASSOCIAÇÃO REGIONAL DOS CHACAREIROS DO VALE DO ANARI – RO, (inicialmente, sem advogados).

No processo, o Ministério Público de Machadinho se peticionou pela sua retirada do feito por não “identificar incapazes”. Posteriormente foi apresentado um Agravo de Instrumento. Das argumentações apresentadas pela defesa cumpre destacar que aparentemente se trata de terra pública, com pedido de cancelamento de matrícula pelo INCRA, contudo ele não tinha se manifestado no processo. Porém o TJ-RO não reconheceu a existência de conflito agrário do caso e o agravo foi desestimado.

O processo de reintegração foi adiante apesar da ADPF 828, do ministro Barroso, do STF, que fixou condicionantes, dentre as quais a criação de grupo no âmbito dos tribunais para o acompanhamento de lides de natureza possessória coletiva. Segundo fontes da Ouvidoria da Defensoria Pública, quando a Polícia Militar chegou no local já não tinha ninguém. 

Mas pouco tempo depois, um segundo grupo comprou uma chácara e acampou em frente do local reivindicado para assentamento de reforma agrária. O local foi chamado de Acampamento Ipê. Eles reivindicam as 3.000 ha que alegam tratar-se de terra pública grilada. A intervenção da COMISSÃO PERMANENTE DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RONDÔNIA foi suscitada em 16/10/2023 após nova ameaça de reintegração de posse, porém o oficial de justiça confirmou que não precisava da reintegração, pois o grupo não estava dentro do local, mas acampado numa área própria fora do mesmo.

Iniciou-se, porém, um processo de perseguição e acosso com numerosos incidentes contra os acampados por parte do latifúndio, que nos processos segue em nome do espólio do fundador do Grupo Unip/Objetivo:

  1. Segundo os acampados, um policial civil de Machadinho visitou o acampamento e intimidou os moradores, declarando estar ganhando muito bem para tomar conta da situação. Ele foi denunciado na corregedoria. Também um grupo identificado de cinco policiais militares formaria parte duma milícia contratada e denunciada por realizando por conta rondas intimidatórias a serviço da fazenda.
  2. Os moradores do Acampamento denunciaram para a Comissão Pastoral da Terra e a Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado terem sido atacados por disparos o dia 29 de julho de 2023 e que tiveram as moradias do acampamento invadidas sem ordem judicial por um grupo de policiais sem identificação. Relataram sofrer ameaças de morte de policiais civis e militares, dirigidas também em geral a todos os acampados. Alguns deles solicitaram inclusão no Programa Federal de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Também no dia 29 de julho de 2023 “aconteceu quando estávamos indo trabalhar passando pelas picadas laterais dos lotes, fomos surpreendidos por tiros, foram vários disparos de armas de fogo em nossa direção.” (Confira no blog Terra de Rondônia)
  3. A pior violência foi registrada quando uma das lideranças do grupo, JOSÉ CARLOS DOS SANTOS, de 54 anos, foi recebido a tiros depois de assistir ao culto numa igreja e assassinada violentamente, vítima de 31 disparos de arma de fogo na localidade de Theobroma RO, no dia 13 de outubro de 2023, enquanto a esposa dele também resultou baleada na perna. (Confira a matéria aqui)
  4. Em 16 de novembro de 2023, após novo ataque, dois acampados foram presos, sendo soltos após a Defensoria acompanhar a audiência de custódia em Machadinho do Oeste.
  5. Na mesma época foi denunciado ao MP que alguns membros do acampamento foram perseguidos por um carro depois de terem sido citados pela Defensoria Pública do Machadinho para atendimento jurídico e relataram que troncos atravessados na estrada tinham aparecido nas proximidades do acampamento, em supostas tocaias, e denunciaram serem perseguidos por pessoas armadas quando acudiam ao Distrito de Tabajara para comunicação pela internet. Alguns acampados continuaram recebendo reiteradas ameaças de morte.
  6. Novos ataques foram registrados a inícios de agosto de 2024, quando um grupo de encapuçados, protegido por numerosos capangas armados, foram acusados de destruir mais de trinta casas e roças, de realizar barreiras nas estradas e de incendiar a região, além de trabalho intenso de exploração de madeira da área por um temido madeireiro da região. (Confira aqui)

O relato da Plenária da Missão do Comité Nacional da Violência no Campo em Rondônia, presidido pela Ouvidora Agrária Nacional, Claudia Dadico, em março de 2024, resumia assim a situação:

O representante do Acampamento Ipê, localizado no município de Machadinho do Oeste composto por 125 famílias que residem na área há 1 ano e 6 meses, relatou as constantes violências que têm assolado o acampamento. Ele menciona que alguns companheiros foram vítimas de prisões indevidas por parte da polícia da região em diversas ocasiões. Além disso, destaca que a área é monitorada diariamente por segurança privada e policiais, evidenciando um ambiente de constante tensão e ameaça.

O representante enfatizou que há filmagens que comprovam as violências sofridas dentro da área, incluindo incidentes envolvendo a polícia local. Ele também lamentou o assassinato da liderança do acampamento, vítima de 31 tiros, o que demonstra a gravidade da situação e o perigo enfrentado pelos residentes do acampamento.

Diante desse cenário de violência e impunidade, o representante fez um apelo por ajuda às famílias do acampamento. Ele destacou que todos os órgãos responsáveis já foram notificados sobre as violações e os crimes ocorridos, mas até o momento nenhuma ação efetiva foi tomada. Portanto, ele solicitou urgentemente que medidas sejam tomadas para garantir a segurança e o bem-estar das famílias que estão no acampamento, protegendo seus direitos fundamentais e proporcionando um ambiente seguro para sua luta por terra.

A necessidade de reconhecimento da área como pública não é apenas uma questão de justiça social, mas também de garantia dos direitos básicos de cidadania para todos os que ali vivem. É um passo crucial para que se possa construir uma comunidade estável e próspera, livre do constante temor da expulsão e com acesso adequado aos serviços essenciais que todo cidadão merece. 

(Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários. Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Relatório de Missão ao Estado de Rondônia. De 6 a 9 de março de 2024) 

Sem ter relação direta com os fatos, é claro que um conflito agrário destas características violentas e retrógradas, ligado à parte dum latifúndio de duvidosa propriedade do fundador dos Colégios Objetivo e Faculdades UNIP, não deixa de atingir o prestígio e excelência delas, e teria que tentar outras vias de resolução.

Imagens: Registros da comunidade e equipe CPT Rondônia

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