Para órgão, iniciativa traz riscos socioambientais e prejuízos à segurança pública e nacional
O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se contrariamente à proposta de emenda à Constituição que transfere os terrenos de marinha – terras da União no litoral – para estados, municípios e ocupantes particulares (PEC 3/2022). Nota técnica elaborada pelo Grupo de Trabalho (GT) Terras Públicas, vinculado à Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral do MPF (1CCR), sustenta que, caso aprovada, a iniciativa representaria prejuízo socioambiental para a população, além de riscos à segurança nacional e para a segurança pública. A NT foi enviada ao Senado Federal, onde o assunto está sendo discutido.
Ao analisar a proposta, o MPF concluiu que a aprovação da PEC 3/2022, conhecida como PEC das praias, tende a causar a privatização das praias, excluindo parte da população brasileira que não tem condições de pagar pelo acesso aos locais mais valorizados. Na prática, se aprovado, o texto permitiria que empresas de diversos setores passem a ter domínio sobre esses territórios, como resorts e hotéis, por exemplo. Além disso, se criaria um incentivo à especulação imobiliária em áreas de especial interesse na proteção do meio ambiente.
Segurança – O MPF alerta, ainda, para o risco de a medida servir como incentivo ao tráfico internacional de drogas, entre outros crimes, como a entrada no país de armas de fogo provenientes do exterior pela costa brasileira. A nota lembra que a polícia só pode entrar em uma propriedade privada em determinadas hipóteses previstas na constituição e nas leis. “Assim, não há dúvida de que, se as praias forem transformadas em propriedade privada, especialmente por força de Emenda Constitucional, a segurança nacional e a segurança pública serão prejudicadas”, diz trecho do documento.
A nota técnica sustenta ainda que a transferência de áreas de marinha aos municípios contribui muito pouco para uma melhor gestão das praias, diferente do que afirma a PEC. Isso porque as praias atualmente já se encontram sob gestão municipal por meio de termos de adesão à gestão de praias (TAGP).
Ao assinar o termo, o município passa a receber diretamente as receitas das áreas sob sua gestão, em contrapartida, compromete-se com a fiscalização e com a elaboração do planejamento integrado desses espaços. Mas o TAGP abrange aspectos apenas patrimoniais, enquanto a transferência de áreas de marinha para os municípios com base na PEC tem como efeito prático isentar a responsabilidade da União por irregularidades cometidas nas praias.
Justificativas – Entre as justificativas da PEC, está a suposta necessidade de dar destinação adequada aos terrenos, uma vez que inúmeros municípios, alguns extremamente populosos, cresceram ao longo da costa e possuem grande parte de seu território assentado em terrenos de marinha. Também destaca a necessidade de dar segurança jurídica a proprietários que compraram áreas sem ter conhecimento que se trata de terreno de marinha. Ainda de acordo com os parlamentares que defendem a aprovação da proposta, a medida favoreceria o desenvolvimento de políticas públicas de desenvolvimento e de planejamento territorial urbano, dificultada hoje pelas restrições de uso em decorrência da titularidade exclusiva dos terrenos pertencer à União.
Para o MPF, no entanto, a PEC traz profundas implicações sobre a propriedade e uso das praias e, ao desconsiderar a inter-relação entre os terrenos de marinha e as praias – dois institutos diferentes – prolonga a insegurança jurídica.
A NT lembra que a propriedade privada é direito fundamental no Brasil e a sua ausência impede o pleno desenvolvimento nacional, além disso, a falta de regularização fundiária é um problema em diversos estados. “No entanto, especificamente no âmbito dos terrenos de marinha, a implantação do instituto jurídico da propriedade privada pode trazer inúmeros prejuízos, que superam em muito os eventuais benefícios vislumbrados com a edição da PEC”, conclui a nota.
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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo.