Ministro da Justiça afirma que direitos indígenas são cláusula pétrea e assina portaria declaratória de três terras

O anúncio feito no dia da Amazônia rompe um jejum de seis anos do Ministério da Justiça, que desde 2018 não declarava nenhuma terra indígena

Por Maiara Dourado e Tiago Miotto, do Cimi

Na tarde desta quinta-feira (05), o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, reuniu lideranças das Terras Indígenas (TIs) Cobra Grande, Maró e Apiaká do Pontal e Isolados para entregar, após um jejum de seis anos sem declarar nenhuma terra indígena, as portarias declaratórias de seus territórios.

A última assinatura do documento, atribuição do Ministério da Justiça, se deu em 2018 com a declaração da TI Kaxuyana Tunayana, ainda no governo Temer. Essas foram as primeiras portarias declaratórias assinadas desde o início do terceiro mandato do governo Lula, iniciado um ano e oito meses atrás com a promessa de um olhar atento para os povos indígenas.

Essas foram as primeiras portarias declaratórias assinadas desde o início do terceiro mandato do governo Lula

A medida também se dá em um momento inédito da gestão do ministro Lewandowski, que se reúne pela primeira vez desde o início de sua gestão na pasta ministerial com lideranças indígenas. O encontro com o ministro é uma demanda dos povos que tem se estendido ao longo dos seis meses de sua gestão.

Os povos Arapiun, Jaraqui e Tapajó, da TI Cobra Grande, localizada no município de Santarém, no Pará, aguardavam a medida desde 2015. Já os povos Borari e Arapiun, da TI Maró, situados no mesmo município paraense, e Apiaká, da TI Apiaká do Pontal e Isolados, que fica no Mato Grosso e também abriga povos em isolamento, estão há 13 anos na espera pela assinatura do documento que reconhece a tradicionalidade de seus territórios.

O encontro com o ministro é uma demanda dos povos que tem se estendido ao longo dos seis meses de sua gestão

“A gente conseguiu, depois de anos, que o Ministério da Justiça declarasse a terra indígena Maró, assim como a terra indígena Cobra Grande, no Baixo Tapajós, como terras indígenas oficialmente ocupadas. Isso, para nós, demonstra um reconhecimento constitucional do Estado brasileiro, através do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em declarar essas terras indígenas”, afirmou Adenilson Alves de Souza,liderança do povo Borari da TI Maró.

“A gente conseguiu, depois de anos, que o Ministério da Justiça declarasse a terra indígena Maró, assim como a terra indígena Cobra Grande, no Baixo Tapajós”

Após a emissão das portarias, deve ser realizada a demarcação física destas áreas, assim como a remoção e o reassentamento ou indenização de eventuais ocupantes não indígenas, se for o caso. As terras, então, ficam então aptas para serem homologadas pelo presidente da República.

As TIs Maró, Cobra Grande e Apiaká do Pontal e Isolados passam agora a fazer parte de um conjunto de 64 terras nesta fase administrativa, aguardando homologação. Restam, ainda, outras 44 terras que já foram identificadas e delimitadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e aguardam a emissão de portaria declaratória pelo ministro da Justiça.

As TIs Maró, Cobra Grande e Apiaká do Pontal e Isolados passam agora a fazer parte de um conjunto de 64 terras nesta fase administrativa, aguardando homologação

Além destas, pelo menos 157 TIs estão atualmente em processo de identificação e delimitação pela Funai e outras demandas territoriais indígenas 562 ainda não tiveram nenhuma providência do Estado para o início de seu processo de regularização.

Direitos indígenas, cláusulas pétreas

No momento da assinatura, o ministro reconheceu a importância de se fazer avançar as demarcações das terras indígenas, “apesar da discussão que existe hoje entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional”, referindo-se às ações que discutem a constitucionalidade da Lei 14.701/2023. A norma, aprovada pelo Congresso, é considerada inconstitucional e foi questionada junto ao STF. Recentemente, os povos indígenas decidiram se retirar de uma mesa conciliatória criada pelo ministro Gilmar Mendes para discutir o tema.

A medida parlamentar tem causado uma série de empecilhos no andamento dos procedimentos demarcatórios, tendo em seu bojo a tese do marco temporal como critério para demarcação das terras indígenas. Em setembro do ano passado, essa tese foi afastada pela Suprema Corte e considerada inconstitucional, mas a decisão foi ignorada pelo Congresso Nacional, que votou e promulgou a lei meses depois do julgamento no STF.

O ministro reconheceu a importância de se fazer avançar as demarcações das terras indígenas, “apesar da discussão que existe hoje entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional”

Por isso, “nós escolhemos três áreas que não têm problemas, não estão envolvidas nessa discussão, mas que merecidamente devem ser protegidas por um ato formal do governo brasileiro”, explicou o ministro.

Para Lewandowski, a declaração das terras indígenas “cumpre com aquilo que a Constituição determina em relação aos povos indígenas, que é um direito fundamental e, que é, portanto, uma cláusula pétrea. Essa palavra pétrea vem de pedra, que não pode ser mudada, é dura. Então, os direitos que constituem cláusulas pétreas são direitos que não podem ser mudados, não podem ser alterados, nem por emendas constitucionais e, muito menos, por leis ordinárias ou qualquer outro ato”, defendeu o ministro.

A declaração das terras indígenas “cumpre com aquilo que a Constituição determina em relação aos povos indígenas, que é um direito fundamental e, que é, portanto, uma cláusula pétrea”

Além do encontro com o ministro, as lideranças em Brasília também percorreram os gabinetes dos ministros do STF para entrega de um documento que reforça o pedido para que a Suprema Corte declare a inconstitucionalidade da Lei 14.701. Sua declaração para as lideranças é fundamental para que se impeça a negociação de seus direitos.

Após jejum de seis anos, ministro Ricardo Lewandowski declara três terras indígenas. Foto: Robson Alves/Ministério da Justiça e Segurança Pública

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