Mpox: lições foram aprendidas com a pandemia?

Novo surto eclode na África. Para combatê-lo, há estrutura para fabricação de vacinas e fundo de emergência para países adquiri-las. Mas falta coordenação do Norte Global para diminuir a desigualdade, além de garantir autonomia para o continente enfrentar novas crises

Na Nature | Tradução: Gabriela Leite

Antes que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças da África (África CDC) declarassem o surto de mpox que acontecia em um número cada vez maior de países africanos como uma emergência de saúde pública, em meados de agosto, havia temores de que as lições da pandemia de covid-19 fossem ignoradas nessa nova crise. Mas a comunidade internacional começa a se organizar, e algumas lições estão sendo aplicadas. Há vacinas disponíveis e mais delas podem ser produzidas. Além disso, foi criado um fundo para comprá-las e distribuí-las. Porém, em outros aspectos, nem tudo está como deveria, na luta para controlar a mpox e proteger a vida (e o sustento) de milhões de pessoas na África.

Em primeiro lugar, os países africanos carecem de recursos para rastrear a doença – o que resulta em uma grande discrepância entre o número de casos suspeitos e aqueles confirmados por testes laboratoriais. Segundo: as vacinas precisam chegar rapidamente aos territórios que mais precisam, o que requer acesso a financiamento e uma melhor coordenação da comunidade internacional de doadores com as nações africanas. Terceiro: a mpox é um lembrete de que a África necessita urgentemente de sua própria infraestrutura de fabricação e regulamentação de vacinas. Em particular, a Agência Africana de Medicamentos, um projeto planejado há muito tempo para criar um único regulador de medicamentos para os países africanos, precisa se tornar realidade rapidamente.

A mpox é causada por variantes do vírus da varíola dos macacos, identificado pela primeira vez em humanos na República Democrática do Congo (RDC) em 1970. Ela se espalha por contato próximo com alguém infectado ou por contato com materiais contaminados pelo vírus. Os sintomas da mpox incluem lesões características, febre alta, dor de garganta, tosse e gânglios linfáticos inchados.

Um grande surto de mpox foi declarado em 2022, quando houve novos casos principalmente nas Américas e na Europa, mas esse surto já está sob controle. A nova emergência é causada principalmente por um vírus da linhagem clade Ib. Até 1º de setembro, haviam sido registrados cerca de 20 mil casos de mpox confirmados em laboratório ou suspeitos no ano. A grande maioria ocorreu na RDC, embora o vizinho Burundi esteja agora passando por um aumento. A maioria das pessoas se recupera em até quatro semanas, mas essa é uma doença potencialmente fatal – e quatro em cada cinco mortes por mpox neste ano ocorreram em crianças.

Um grande problema é que os países afetados carecem de instalações suficientes para identificar indivíduos infectados, testá-los e depois rastrear seus contatos. Não é necessário ressaltar que os doadores internacionais devem priorizar absolutamente a vigilância de doenças.

Lições da pandemia

Quais são as lições relevantes da covid-19 – aquelas que estão sendo aplicadas e aquelas que não estão?

Um resultado importante dessa pandemia é que há dinheiro disponível para os países mais pobres enfrentarem emergências de saúde, segundo a Gavi, a aliança de vacinas. Esses países agora têm acesso a um fundo de US$ 500 milhões para vacinas, medicamentos, testes e rastreamento de contatos quando uma emergência de saúde pública de interesse internacional é declarada, além de crédito extra de até US$ 2 bilhões de bancos da União Europeia e dos Estados Unidos, se necessário. Esse “fundo de financiamento do dia zero” foi criado após a pandemia de covid-19, para evitar os efeitos da evidente desigualdade. À medida que o coronavírus se espalhava, a OMS e seus parceiros foram forçados a gastar um tempo valioso arrecadando dinheiro para pagar vacinas para os países de menor renda, enquanto os países de alta renda simplesmente faziam acordos com as empresas farmacêuticas.

As vacinas existentes contra a varíola foram adaptadas para a mpox, e duas devem receber uma licença de uso emergencial da OMS até meados de setembro. Uma das vacinas, administrada em duas doses, é chamada Jynneos e é fabricada pela Bavarian Nordic, com sede em Hellerup, na Dinamarca. A segunda vacina, LC16m8, é produzida pela KM Biologics, com sede em Kumamoto, no Japão.

Na semana passada, o CDC da África, a Gavi, a OMS e o Unicef declararam que estavam prontos para comprar e distribuir vacinas. Os problemas, como na covid-19, são o fornecimento, o preço e, potencialmente, a falta de coordenação entre os doadores. A Bavarian Nordic afirmou que tem dois milhões de doses prontas para distribuição neste ano e que pode fabricar mais dez milhões até o final do próximo ano. Porém, o preço de mercado (de US$ 70 a US$ 100 por dose) esgotará os recursos rapidamente. Os negociadores da Gavi precisarão de grande habilidade e experiência para tornar o preço mais acessível.

O CDC da África afirma que serão necessárias dez milhões de doses até o próximo ano. Até agora, o Japão prometeu até 3,6 milhões, de acordo com o site Think Global Health, que acompanha as promessas. A União Europeia prometeu cerca de meio milhão; os Estados Unidos, apenas 60 mil. Não parece haver muita coordenação.

Infraestrutura africana

A mpox também é um lembrete de que os países africanos precisam colocar em funcionamento seu órgão regulador de medicamentos de “balcão único”. A União Africana (UA) tem um plano para estabelecer a Agência Africana de Medicamentos (AMA), modelada com base na Agência Europeia de Medicamentos. Uma vez estabelecida, a AMA, com sede em Kigali, Ruanda, apoiará os países durante surtos e emergências, garantindo que os produtos medicinais não precisem passar por licenciamento em cada estado-membro da UA. Até agora, 38 estados-membros da UA ratificaram o tratado da AMA. No entanto, o projeto tem enfrentado atrasos na finalização de seu conselho governamental e na contratação de sua liderança.

Os países africanos devem poder acessar vacinas sem precisar estar em uma emergência de saúde pública – assim como ocorre em outras partes do mundo. Até agora, o continente importa 99% de suas vacinas. Durante a pandemia de covid-19, falou-se muito sobre trazer a fabricação de vacinas para o continente, mas o progresso foi limitado. Na verdade, as coisas estão retrocedendo. Em abril, a empresa farmacêutica Moderna, com sede em Cambridge, Massachusetts, “suspendeu” um plano para criar uma instalação de fabricação de vacinas de mRNA no Quênia, alegando ter sofrido perdas de US$ 1 bilhão e baixas contábeis, agora que a covid-19 não é mais prioridade. Em resposta, o CDC da África declarou que “culpar a África e o CDC da África pela falta de demanda por vacinas contra a covid-19’ e, assim, colocar em espera os planos de fabricar vacinas na África “apenas perpetua a desigualdade que caracterizou a resposta” à pandemia.Algumas medidas tomadas como resultado da pandemia de covid-19 significam que o mundo está melhor posicionado para enfrentar a mpox. Mas, em outros aspectos, parece ser business as usual [“negócios como de costume”]. Precisa haver um compromisso de ferro por parte dos líderes mundiais da saúde para não repetir alguns dos erros da pandemia, se a ideia é controlar a mpox na África.

Créditos: Augustin Mudiayi/AP

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