No UOL
O deputado federal mais combativo em nome dos reais valores da esquerda está ameaçado de perder seu mandato e a falta de engajamento de seu campo ideológico contra esse absurdo é bastante eloquente.
Braga pode ser cassado porque reagiu às provocações de um integrante do MBL dentro das dependências do Congresso. Um encrenqueiro que estava ali para atacar o deputado dizendo coisas absurdas contra ele e até contra sua mãe, que naquele momento estava bastante doente (ela morreria pouco tempo depois). Esse método estratégico de agir, peculiar ao MBL, é conhecido e visa justamente tirar o provocado do sério enquanto o provocador grava tudo em vídeo e depois posta nas redes sociais para mostrar como a esquerda é violenta.
Na ocasião, Braga reagiu e tentou tirar o baderneiro das dependências do Congresso. Correu atrás dele enquanto o bagunceiro, bastante feliz porque havia conseguido o que queria, fugia.
Braga é um dos poucos que faz oposição franca à presidência de Arthur Lira na Câmara. Braga é um dos poucos que fala abertamente sobre valores básicos da esquerda e trabalha por eles no meio de um parlamento infectado por Bíblia, boi e bala e por membros da esquerda que não ousam peitar a oposição diante de pautas fundamentais. Braga é um dos poucos que não teme puxar a balança da polarização para a esquerda. É mais necessário na luta para oferecer um mínimo de equilíbrio à balança política, tão radicalizada para a direita, do que podemos supor.
O que a esquerda faz para proteger um dos seus membros? Nada. Zero. Glauber Braga foi abandonado.
Não existe solidariedade, não existe união. Um Congresso que ainda tem Carla Zambeli e tantos outros acusados de crimes hediondos, como estupro, por exemplo, quer colocar para fora um de seus representantes mais dignos. Arthur Lira ficaria radiante com a cassação de alguém que faz oposição aberta à sua liderança.
A maioria dos nomes que votaram a favor da admissibilidade do processo de cassação de Braga faz parte da base do governo Lula. Alguns dos nomes que faltaram à votação são do PT e do Psol, partido de Glauber Braga.
Erika Hilton, líder da bancada do Psol e conhecida por suas posições combativas, não esteve presente à sessão que poderia ter evitado a abertura de processo contra Braga. O Pastor Henrique Vieira, vice-líder da bancada, também não foi. Guilherme Boulos não se manifestou veementemente a favor de Braga.
Existem problemas entre eles? Acho normal que a esquerda assuma suas muitas camadas de pensamento e ação, nada de errado até aí. Mas quando um de seus membros é atacado como Glauber Braga foi seria recomendável que, contra a violência do ataque por Braga sofrido, ela soubesse se unir. Uma esquerda que perdeu a capacidade de superar desavenças para se articular coletivamente em torno de uma pauta tão importante está morta a despeito das negações.
Era um desses momentos que poderiam mostrar que a esquerda não morreu e que sabe se engajar mesmo tendo discordâncias. O que está acontecendo com Braga pode acontecer com qualquer um de nós amanhã. Trata-se de defender um mínimo de dignidade nas dependências do Congresso e da vida pública. De interromper os métodos violentos e infantilizados do MBL.
O silêncio da esquerda nesse momento é tão triste quanto eloquente.
Onde está a solidariedade que era um valor básico da esquerda? Não gostam de Braga por sua postura abertamente combativa? Querem a doçura da conciliação eterna? Não percebem como Glauber Braga é necessário? Aturam membros que confraternizam com acusados de estupro mas não se levantam para defender Braga?
Uma esquerda que só interrompe a letargia e sai da tumba de forma engajada para berrar com quem avisa que ela morreu ou para levantar suspeitas sobre a palavra de mulheres que se dizem vítima de abuso sexual praticado por algum membro de seu campo ideológico. Assédio, para essa esquerda acovardada, só é assédio se cometido por homem de direita. Quando envolve alguém da esquerda, essa esquerda rompe em campanha contra a mulher que ousou denunciar, agindo exatamente como faz a extrema-direita: colocando a palavra da vítima em dúvida. Uma esquerda assim não abandonou apenas Braga. Abandonou a todos os que se alinham a seus esquecidos valores. Abandonou quem está na lida batalhando por um cotidiano menos sofrido. Abandonou boa parte de seus eleitores. E depois, ignorando a própria morte, ainda coça a cabeça para entender por que estamos despencando no abismo da Pablomarçalização da política.
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