Formação aconteceu dos dias 25 a 30 de agosto e reuniu povos, comunidades, pastorais, grupos de estudo e organizações civis na Comunidade Camponesa Alegria (MA)
Dos dias 25 a 30 de agosto, povos e comunidades quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco babaçu, pescadores/as artesanais, sertanejos, pessoas LGBTQIAPN+ e camponeses reuniram-se para a realização do 15º Encontrão da Teia de Povos e Comunidades do Maranhão, que ocorreu na comunidade camponesa Alegria, no território Alegria, em Timbiras (MA).O tema “Na retomada da luta, a vida floresce e o bem viver acontece do jeito que a gente quer” conduziu o diálogo do encontro.
Durante cinco dias, cerca de mil representantes de diversos povos, comunidades, pastorais, organizações civis e grupos de estudo realizaram trocas e articulações sobre as forças que ameaçam as diversas formas de existir, criar e lutar pelo Bem Viver.
O tema “Na retomada da luta, a vida floresce e o bem viver acontece do jeito que a gente quer” conduziu o diálogo do encontro
São articuladores da Teia: o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), o Conselho Pastoral da Terra (CPT), o Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom), o Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco-Babaçu (MIQCB), o Movimento de Pescadores e Pescadoras (MPP), o Movimento das Comunidades Populares (MCP) e o Núcleo de Estudos em Reforma Agrária (NERA).
Povos indígenas estavam presentes e também teceram o processo. São eles: Krenyê, Tentehar/Guajajara, Kariú-Kariri, Anapuru-Muypurá, Apanjêkra Canela, Krikati, Krepym/Catije, Pyhcop Catije/Gavião, Akroá-Gamella, Tremembé da Raposa e Tremembé do Engenho, com a participação do povo Puruborá, de Rondônia.
Povos indígenas estavam presentes e também teceram o processo
Mais organizações civis e movimentos populares participaram da Teia: Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV), Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Justiça nos Trilhos, Fundação Rosa Luxemburgo, Fóruns e Redes de Cidadania, Escola de Ativismo, Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), e o Dom José Valdeci, bispo da diocese de Brejo e presidente da Comissão Episcopal para a Ação Social Transformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Obstáculos e retomando da luta pelo Bem Viver
O 15º Encontrão iniciou no domingo, 25/08, com a saída dos povos em caravanas de seus territórios, e encontrando outros tecedores ao longo do caminho até a comunidade Alegria, onde foram acolhidos na estrutura montada especialmente para o Encontrão.
Nos quatro dias seguintes, foram discutidos os impactos dos projetos desenvolvimentistas, obstáculos na luta pelo Bem Viver, a tese do marco temporal, o processo eleitoral, soberania alimentar e diversidade de gênero nos territórios.
A Teia propõe um espaço para tecer amizades, fortalecer conexões e viver, ao menos durante os dias da formação, fora da rotina maçante imposta pelo sistema capitalista
Além das conversas e encaminhamentos, a Teia propõe um espaço para tecer amizades, fortalecer conexões e viver, ao menos durante os dias da formação, fora da rotina maçante imposta pelo sistema capitalista. Para isso, momentos de rituais, tambor, mística, música e dança começaram e encerraram os dias de atividades.
Rosimeire Diniz, missionária do Cimi Regional Maranhão e articuladora da Teia, contou que o Encontrão é uma oportunidade para discutir temas que impactam as vidas dos povos e comunidades em comum. “Juntos tentamos pensar estratégias para garantir a resistência, defender os territórios e seus modos de vida, e pensar meios que garantam a permanência desses povos em suas terras.”
“Juntos tentamos pensar estratégias para garantir a resistência, defender os territórios e seus modos de vida”
Lideranças do território Alegria, que acolheu o Encontrão, contaram o histórico de luta e resistência contra a grilagem e as invasões. A comunidade relatou ser alvo de pulverizações de agrotóxicos, invasão por parte de madeireiros, fazendeiros e grileiros que cercam o território. Relatam também o movimento de retomada e resistência na terra, iniciado em 2002, reivindicando contra a morosidade da justiça, o voto de cabresto, o latifúndio, os agrotóxicos e pela retirada do gado no território.
No Encontrão também foram discutidos os impactos de projetos desenvolvimentistas, como o projeto Grão Pará-Maranhão e a técnica do fracking (extração do gás xisto). Foi relatado que a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares do Brasil (Conafer), que preside o Conselho da região do MATOPIBA, que impacta profundamente as comunidades com plantios de soja, tem buscado desmobilizar as comunidades em luta por território.
A comunidade relatou ser alvo de pulverizações de agrotóxicos, invasão por parte de madeireiros, fazendeiros e grileiros que cercam o território
A expansão das boiadas e monoculturas na região do Matopiba, sigla que representa os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, foi um dos desafios identificados. A Conafer é apontada como desmobilizadora das resistências nas comunidades afetadas pela grilagem de terras e crimes ambientais.
O Projeto Grão Pará-Maranhão, desenvolvido pela empresa de sócios portugueses homônima, a empresa pública alemã Deutsche Bahn e o governo do Estado do Maranhão, prevê a construção de um terminal portuário na ilha do Cajual, no município de Alcântara, e uma ferrovia que vai do porto até a cidade de Açailândia. O projeto quer ocupar uma área equivalente a 87% do território quilombola da região. As comunidades afetadas relatam não terem sido consultadas e o projeto segue sem avaliação dos impactos ambientais consequentes.
As comunidades afetadas relatam não terem sido consultadas e o projeto segue sem avaliação dos impactos ambientais consequentes
Gilderlan Rodrigues, da coordenação do Cimi Regional Maranhão, destacou que a troca de experiências entre as comunidades impactadas por violências ajuda a fortalecer a luta. “Estes povos estão em resistência por seus territórios. Muitos continuam tendo seus territórios invadidos, com agrotóxicos jogados sobre eles, também madeireiros. O Encontrão é um momento em que esses povos se unem para depois voltar aos seus territórios e continuar a luta pela continuidade da existência.”
Projetos de transição energética, mineração, créditos de carbono, destruição da vegetação nativa e dos corpos d’água, trabalho escravo e pistolagens também foram apontados. Todos os desafios enfrentados pelos povos e comunidades estão listados na Carta do 15º Encontrão, documento que reúne as considerações feitas durante a formação, disponível em português e espanhol.
Construindo o bem viver do jeito que a gente quer
Os dias do Encontrão foram marcados pela espiritualidade, pela música e pela celebração dos corpos e territórios livres. Os dias foram divididos com inspiração nos elementos da natureza: vento, água, fogo e ar, e os povos quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco, pescadores e camponeses foram responsáveis pela dinâmica que iniciava a cada dia de conversas.
Em uma das primeiras atividades realizadas coletivamente pelos participantes da jornada, a comunidade Alegria guiou o caminho até uma nascente que lhes é sagrada: o Olho d’Água Velho. No local, povos quilombolas e indígenas entoaram cantos, pontos e tocaram maracás em uma cerimônia de proteção, pedindo aos encantados e orixás pela vitória em sua luta pela terra e pela dignidade.
Povos quilombolas e indígenas entoaram cantos, pontos e tocaram maracás em uma cerimônia de proteção
A’tor Krenjê, articulador da Teia e liderança do povo Krenjê, aldeia Mangueira Mãe em Tuntum (MA), contou que o intercâmbio entre os povos que tecem a formação possibilita a proteção coletiva contra projetos que ameaçam seus modos de vida. “Aqui tem vários povos, de diversas culturas, que trazem seus relatos. Com essa troca de experiências com nossos parentes, podemos reestruturar a nossa base; com as dificuldades dos parentes, sabemos o que pode causar problemas na nossa comunidade. Eu vou levar essa construção para minha aldeia, para meu povo.”
Adju Kariú, articuladora da Teia e liderança do povo Kariú-Kariri, aldeia Recanto Kariú em Estreito (MA), explicou que o Encontrão é também um espaço para fortalecer os povos que estão em retomada. “Essa foi a primeira Teia que coordenei um dos dias de conversa, e foi uma experiência muito importante para mim e para o nosso povo. Estar aqui, tecendo, conversando, fazendo trocas, é um espaço muito bom, que fortalece muito a gente nesse processo, sobretudo o meu povo, que está em processo de retomada de território.”
“Com essa troca de experiências com nossos parentes, podemos reestruturar a nossa base”
No último dia, foi feita uma plenária para avaliação dos resultados do 15º Encontrão e a escolha do território que vai receber a próxima formação. Conforme a organização dos esteios da Teia, a faixa da formação foi passada para o povo Akroá-Gamella, terra indígena Taquaritiua, aldeia Cajueiro Piraí, em Viana (MA).
O Encontrão encerrou com dança e música, sinais da força e da alegria que emanam dos povos e comunidades que lutam por um sistema mais justo, mais acessível e mais digno.
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15º Encontrão da Teia de Povos e Comunidades do Maranhão: bem viver, territórios livres e retomada da luta marcaram esta edição da jornada. Foto: Andressa Algave/CimiMA