Nota Pública do CNDH sobre assassinato de indígenas no Mato Grosso do Sul

CPT

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) emitiu Nota nesta quinta-feira (19), demonstrando preocupação diante das violências recentes sofridas pelos povos na Terra Indígena Nhanderu Marangatu, município de Antônio João (MS), além da solidariedade à família do jovem Guarani-Kaiowá Neri Ramos da Silva, de 23 anos, assassinado ontem (18) durante a retomada dos indígenas na Fazenda Barra.

Na avaliação do Conselho, o nível de violência empregado durante a chegada da Polícia Militar pela madrugada, para cumprimento de mandado judicial, foi desproporcional na ocasião, o que não colabora para a manutenção da ordem pública e somente agrava a tensão e as violações de direitos na região.

“Conforme vem sendo analisado pelo CNDH, tudo leva a crer que o aumento da violência contra os povos indígenas é decorrente da vigência da lei do Marco Temporal, aprovada no Congresso Nacional em 2023”, afirma trecho da Nota. A lei 14.701/23 acabou sendo aprovada pelo Congresso, mesmo após o STF reconhecer a inconstitucionalidade da tese, desrespeitando o direito originário dos povos indígenas garantido na Constituição Federal de 1988.

Leia a Nota Completa (que também pode ser baixada neste link).

NOTA CNDH No 17/2024

NOTA SOBRE O ASSASSINATO DE INDÍGENAS NO MATO GROSSO DO SUL

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) vem a público manifestar sua extrema preocupação com os graves acontecimentos recentes na Terra Indígena Nhanderu Marangatu, localizada no município de Antônio João, Mato Grosso do Sul. O CNDH expressa sua mais profunda solidariedade aos familiares do jovem Neri Ramos da Silva, vítima fatal deste lamentável episódio de violência. Estendemos nossos sentimentos a toda a comunidade Guarani e Kaiowá, que sofre com a perda de um de seus membros em circunstâncias tão trágicas.

Na manhã dessa quarta-feira, 18 de setembro de 2024, Neri Ramos da Silva, jovem indígena de 23 anos, da etnia Guarani-Kaiowá, foi assassinado no município de Antônio João, Mato Grosso do Sul. O ataque ocorreu na Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu, durante a retomada dos indígenas na Fazenda Barra. Segundo os relatos dos próprios indígenas, vítimas da ação violenta, a Polícia Militar chegou ao território nessa madrugada em cumprimento de mandado judicial. Contudo, o nível de violência empregado durante a operação é objeto de profunda indignação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), absurdamente desproporcional, não condizente com a manutenção da ordem pública e que só faz reforçar ainda mais o grave cenário de violações de direitos humanos no estado.

Apesar de a Terra Indígena já ter sido homologada, o processo demarcatório não se concretizou por existir pendência de julgamento em processo judicial referente à mesma, tramitando junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo informações recebidas, a presença da Polícia Militar na área é decorrente de medida liminar requerida por uma fazendeira da região concedida pela Justiça Federal para realização de “policiamento ostensivo” na área de retomada.

O episódio de violência brutal ocorre em um contexto de graves e persistentes violações de direitos humanos das populações indígenas no Brasil, notadamente no Mato Grosso do Sul. A Comissão Pastoral da Terra registrou, em 2023, 130 ocorrências de conflitos por terra no estado, em sua grande maioria composta de violências contra os indígenas.

No mesmo ano, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) contabilizou 43 assassinatos de indígenas no estado. Somente nessa Terra Indígena, em 12 de setembro de 2024, três indígenas foram baleados, sendo que uma jovem, Juliana Gomes, permanece hospitalizada após ser atingida por um tiro de arma letal no joelho. E, em 18 de setembro de 2024, o jovem Neri Silva teve a vida ceifada nessa ação policial.

Ações como essa escancaram a escalada alarmante da violência contra os Guarani-Kaiowá na região, colocando em risco a vida e a integridade física dos povos indígenas. A violência, infelizmente, não se restringe nem ao estado do Mato Grosso do Sul, nem aos Guarani-Kaiowá. Não muito longe de Antônio João, em Guaíra, no Paraná, indígenas Avá Guarani, do Tekoha Y’Hovy, também foram brutalmente atacados por fazendeiros fortemente armados nos últimos dias do mês de agosto.

Considerando o histórico de violência contra esses povos, ainda em 2023 o CNDH expediu a Recomendação 18/23, instando os órgãos públicos do Poder Executivo Federal, Estadual e Poder Judiciário, bem como instituições financeiras públicas a adotarem medidas de proteção, promoção e defesa dos Povos Indígenas GUARANI E KAIOWÁ AVAE’TE E YVY RORY POTY, em Dourados/MS. Do mesmo modo, a Organização das Nações Unidas (ONU) já se debruçou sobre o tema da violência contra povos indígenas no Brasil, expedindo recomendação ao estado brasileiro.

Conforme vem sendo analisado pelo CNDH, tudo leva a crer que o aumento da violência contra os povos indígenas é decorrente da vigência da lei do Marco Temporal, aprovada no Congresso Nacional em 2023. Mesmo após extensa discussão travada sobre o tema junto ao STF durante anos, reconhecendo ao final a inconstitucionalidade da tese, a lei 14.701/23 foi aprovada pelo Congresso Nacional, em flagrante desacordo com o direito originário dos povos indígenas, consagrado na Constituição Federal de 1988.

Sem dúvidas, é necessário que o STF retome o julgamento das ações do controle concentrado que questionam a lei 14.701/23, mantendo sua decisão majoritária e impedindo que essa tese seja utilizada para continuar a secular dizimação dos povos indígenas em solo brasileiro. A tentativa de negociação iniciada pelo STF a respeito do tema, não pode ser motivação para paralisar processos demarcatórios das Terras Indígenas no País, pois há riscos eminentes de que episódios de violência extremada como esse continuem a ocorrer.

Diante da gravidade da situação e da necessidade urgente de garantir a segurança e os direitos fundamentais dos povos indígenas envolvidos, instamos os órgãos públicos competentes a atuar imediatamente para prevenir novos atos de violência. Para tanto, faz-se necessária a interrupção da operação policial com a completa retirada dos policiais militares do local, e ainda, a adoção das medidas abaixo listadas:

– Garantir a proteção imediata da integridade física e da vida dos membros da comunidade indígena Guarani e Kaiowá na Terra Indígena Nhanderu Marangatu;

– Investigar de forma célere, imparcial e rigorosa os atos de violência ocorridos, inclusive a morte do jovem Neri Guarani Kaiowá, assegurando que os responsáveis sejam identificados e responsabilizados;

– Implementar medidas de segurança adequadas na região, incluindo o imprescindível acionamento da Força Nacional de Segurança Pública;

– Acelerar os processos de demarcação e proteção das terras indígenas, respeitando os direitos constitucionais dos povos originários;

– Promover o diálogo e a mediação entre as partes envolvidas no conflito, buscando soluções pacíficas e duradouras;

– Assegurar o pleno respeito à decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 1.017.365 (Tema 1031 de Repercussão Geral) em todos os processos judiciais relacionados a conflitos de terra envolvendo povos indígenas.

O CNDH reafirma seu compromisso com a defesa intransigente dos direitos humanos e dos direitos dos povos indígenas. Continuaremos monitorando atentamente a situação e tomaremos todas as medidas cabíveis dentro de nossas atribuições para garantir o respeito à vida, à dignidade e aos direitos territoriais dos povos indígenas.

Conclamamos toda a sociedade brasileira a se unir na defesa dos direitos humanos e na proteção dos povos indígenas, patrimônio cultural inestimável de nossa nação.

Brasília, 18 de setembro de 2024.

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

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