Renan Finamore*
No município de Caetité, sertão baiano, encontra-se a única mina de urânio em atividade no Brasil, operada desde 2000 pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Entretanto, a operação deste empreendimento, desde seu início, recebe críticas de comunidades locais e movimentos sociais com atuação na região. As alegações apontam que a empresa omite informações importantes sobre os riscos e impactos à saúde e ao ambiente, decorrentes das atividades desenvolvidas. Suspeitas de contaminação ambiental são reforçadas pelos acidentes ocorridos, principalmente nos casos em que houve vazamento de material radioativo para o ambiente.
A situação de Caetité, portanto, evidencia um cenário de desinformação e incertezas quanto aos riscos e impactos potencialmente atribuídos às atividades de mineração e beneficiamento de urânio na região, que atingem, sobretudo, trabalhadores da mina e comunidades rurais vizinhas. Este é o quadro analisado em minha tese de doutorado em Saúde Pública intitulada “Riscos, saúde e produção de conhecimentos para a justiça ambiental: o caso da mineração de urânio em Caetité, BA”, defendida no final de abril de 2015, na Fiocruz.
Basicamente, o trabalho assume que as abordagens técnico-científicas clássicas de investigação e produção de conhecimentos mostram-se limitadas para lidar com situações que envolvem riscos complexos, especialmente em contextos de conflito e injustiças ambientais, como a que se verifica em Caetité. Desta forma, buscou-se discutir criticamente a importância de estratégias alternativas de produção de conhecimentos, as quais sejam capazes de incorporar o saber situado (investido na experiência) dos sujeitos atingidos, a fim de permitir uma compreensão mais contextualizada a respeito de riscos tecnológicos complexos e suas implicações para o ambiente e a saúde.
Para tanto, foram tomadas como referência as seguintes experiências participativas de produção de conhecimentos acerca dos riscos e impactos das atividades de mineração e beneficiamento de urânio em Caetité: a oficina sobre justiça ambiental e monitoramento comunitário de radioatividade, realizada em 2012, no âmbito do Projeto Organizações de Justiça Ambiental, Responsabilidades e Comércio (EJOLT) liderado pela Universidade Autônoma de Barcelona que foi desenvolvido de 2012 a 2015 e envolveu dezenas de instituições de pesquisa e organizações de justiça ambiental de vários países (http://www.ejolt.org/); a missão CRIIRAD em Caetité, no ano de 2014, a fim de realizar atividades de monitoramento participativo de radiações ionizantes no entorno das instalações da mina de urânio e o estudo de epidemiologia popular, cujo intuito consistiu na sistematização das informações relacionadas a casos de câncer, na região de influência da mina de urânio, coletadas por organizações locais da sociedade civil de Caetité.
Diante das evidências analisadas ao longo da tese, argumenta-se que as atividades de mineração e beneficiamento de urânio em Caetité se desenvolvem segundo um padrão que agrava as situações de risco para os trabalhadores e para os moradores do entorno da mina. O conflito em torno da exploração de urânio também revela as limitações de abordagens científicas tradicionais (altamente especializadas e sem muita abertura à participação social) para lidar com problemas que envolvem riscos complexos. Assim, o trabalho sugere que é preciso ir além e também considerar as incertezas existentes, seu contexto, as controvérsias, o ocultamento de informações, os processos de desinformação e os interesses relacionados. Neste sentido, portanto, ressalta-se a contribuição dos movimentos por justiça ambiental e da valorização do saber situado, como forma de apresentar novas versões de conhecimentos, a partir do ponto de vista dos sujeitos que vivenciam as situações concretas de riscos.
A íntegra da pesquisa está em: https://neepes.ensp.fiocruz.br/sites/default/files/tese_renan.pdf
* Renan Finamore é engenheiro civil, mestre em Planejamento Ambiental, doutor em Saúde Pública. Atualmente, professor da Escola Politécnica da UFRJ e do Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social (NIDES/UFRJ).
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Imagem: Registro de vazamento de concentrado do minério na área de entamboramento do urânio em pó – Foto: Relatório de fiscalização do IBAMA
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Articulação Antinuclear Brasileira.