O “terrorismo tecnológico de consumo” de Israel no Líbano sinaliza uma nova e aterrorizante ameaça global, levantando preocupações urgentes sobre a segurança das cadeias de suprimentos internacionais e a crescente insegurança de civis em todo o mundo.
Por Mohamad Hasan Sweidan, no The Cradle
Os ataques coordenados de Israel ao Líbano, marcados pela explosão quase simultânea de milhares de pagers e walkie-talkies ao longo de dois dias, resultaram na morte de pelo menos 37 pessoas, incluindo crianças, e deixaram milhares gravemente feridos.
Este ataque terrorista brutal deve servir como um aviso terrível para o mundo: um lembrete claro de que as ações criminosas do estado de ocupação não conhecem limites, visando indiscriminadamente aqueles que desafiam seus interesses ou os de seus aliados ocidentais.
Na esteira dessa agressão, quem pode garantir que as exportações israelenses para outros países não serão transformadas em armas em conflitos futuros? O “ataque de pager” serve como mais uma evidência de que Israel representa uma ameaça global, inaugurando uma nova era perigosa e distópica na qual os civis não estão mais seguros, nem mesmo em suas próprias casas.
Ato terrorista ou crime de guerra?
Ao analisar as detonações de pagers de um ponto de vista legal, fica claro que a onda de assassinatos de Israel no Líbano esta semana está em algum lugar entre um crime de guerra e um ato de terrorismo. A classificação legal depende do estado atual das coisas entre o Líbano e Israel. Se o Líbano for considerado em guerra com Israel, o ataque a civis — não combatentes — por meio do bombardeio de pagers viola flagrantemente as leis internacionais de guerra, incluindo as Convenções de Genebra.
O Artigo 51 do Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra (1949) proíbe estritamente ataques indiscriminados a civis, e o Artigo 85 lista ataques a civis como violações graves que equivalem a crimes de guerra. Neste caso, precisamos identificar quem se qualifica como “combatente” sob o direito humanitário internacional.
Um combatente é definido como alguém sob comando militar, vestindo um uniforme distinguível e portando armas abertamente. Sem esses marcadores, os alvos do ataque de pager são considerados civis sob a lei internacional.
Além disso, o ataque viola os princípios de distinção e proporcionalidade, princípios fundamentais do direito humanitário internacional. O princípio de distinção determina que os combatentes devem ser diferenciados dos civis — uma regra claramente ignorada nos ataques de Israel, evidenciada pelas mortes de crianças.
O princípio da proporcionalidade proíbe ataques onde o dano a civis é excessivo comparado à vantagem militar obtida. Neste caso, o impacto militar mínimo empalidece em comparação ao pedágio devastador sobre civis, incluindo os danos psicológicos e morais infligidos. Portanto, a adoção por Israel de uma estratégia de violência indiscriminada durante sua recente agressão ao Líbano é um crime de guerra.
O Guardian observa que meio século após a Segunda Guerra Mundial, um tratado global — do qual Israel é signatário — entrou em vigor, que “proibia em todas as circunstâncias o uso de armadilhas ou outros dispositivos na forma de objetos portáteis aparentemente inofensivos, especificamente projetados e construídos para conter material explosivo”.
“Terrorismo” por todas as definições
No entanto, se considerarmos que o Líbano não está em estado formal de guerra com Israel, a agressão se enquadra em uma classificação legal diferente: terrorismo.
De acordo com a Convenção Internacional para a Supressão de Atentados Terroristas (1997), as ações de Israel podem ser categorizadas como “atentados terroristas”. O uso de dispositivos civis, como pagers, em zonas não militares com a intenção de espalhar o medo se alinha com a definição de terrorismo da convenção, que criminaliza o uso ilegal de explosivos para atingir civis ou infraestrutura com a intenção de intimidar populações ou coagir governos.
A Declaração da Assembleia Geral da ONU sobre Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional (1994) define terrorismo como qualquer ato que vise causar morte ou danos corporais graves a civis com o propósito de intimidar uma população ou compelir um governo ou organização internacional a agir. Consequentemente, os bombardeios de pager tinham a intenção de intimidar os libaneses e a resistência ou forçá-los a fazer concessões, o que é consistente com a definição de terrorismo sob o direito internacional consuetudinário.
Ontem, a vice-primeira-ministra belga Petra De Sutter condenou o “ataque terrorista massivo ” no Líbano e na Síria, enquanto Volker Türk, o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, escreveu em uma declaração que o ataque “viola o direito internacional dos direitos humanos e, na medida aplicável, o direito internacional humanitário”.
Um gol contra israelense?
O bombardeio de pagers de Israel também gerou preocupações globais sobre a segurança das cadeias de suprimentos internacionais. Se Israel realmente começou a armar dispositivos civis por meio de terceiros em outros países, isso levanta a perspectiva aterrorizante de que cadeias de suprimentos antes consideradas seguras podem ser comprometidas a qualquer momento.
Em uma entrevista à India Today TV, um tecnólogo expressou preocupação de que as ações de Israel possam levar a riscos semelhantes em outros países, criando a possibilidade de dispositivos eletrônicos com armadilhas se infiltrarem em lares no mundo todo.
As implicações são profundas: as ações de Israel sinalizam um novo nível de risco para o comércio global, onde produtos civis podem ser adulterados para vantagem política ou militar. O que antes era uma questão de conflito entre estados agora é uma ameaça para famílias individuais.
A agressão ao pager também deve ter um impacto nas exportações dos desenvolvimentos tecnológicos elogiados de Israel. Obviamente, a confiança nessas indústrias globalmente diminuirá significativamente, com observadores já comentando sobre a probabilidade de infiltração israelense — backdoors, recursos de controle e spyware — em suas linhas de produtos de exportação.
Enquanto Tel Aviv se congratula pelo que considera um grande sucesso tático israelense no Líbano esta semana, talvez ainda não tenha percebido que cometeu um fracasso estratégico ainda maior.
Em 2023, as indústrias de alta tecnologia foram responsáveis por 20 por cento do PIB de Israel. O volume do PIB no setor de alta tecnologia em 2022 foi de NIS 290 bilhões — ou cerca de US$ 76 bilhões. Em 2023, a indústria de alta tecnologia foi responsável por 53 por cento do total das exportações de Israel. Mas se o “ataque de pager” tiver sucesso em corroer a confiança global nas ofertas de tecnologia de Israel, isso constituirá um grande golpe estratégico para a economia do estado de ocupação.
Estamos todos em risco
A Gold Apollo, fabricante taiwanesa da marca envolvida nos pagers explosivos, emitiu uma declaração distanciando-se da controvérsia. Enquanto os pagers tinham o nome deles, a Gold Apollo alegou que não tinha envolvimento na fabricação real.
Os dispositivos em questão, pagers AR-924, foram supostamente produzidos pela BAC Consulting KFT, sediada em Budapeste, uma intermediária comercial licenciada para usar a marca Gold Apollo. A Gold Apollo enfatizou que a BAC era responsável pelo design e fabricação.
O porta-voz do governo húngaro Zoltán Kovacs também negou qualquer conhecimento de que os pagers estavam sendo fabricados na Hungria, afirmando que a BAC Consulting KFT não tinha instalações operacionais lá. Além disso, Cristiana Bársony-Arcidiacono, CEO da BAC Consulting, negou qualquer envolvimento na produção real dos pagers. Em uma entrevista com a NBC News, ela explicou: “Eu não faço os pagers. Sou apenas a intermediária. Acho que você entendeu errado.”
Apesar dessas declarações conflitantes, o Ministério de Assuntos Econômicos de Taiwan confirmou que, do início de 2022 a agosto de 2024, a Gold Apollo exportou mais de 260.000 pagers, principalmente para os mercados europeu e americano, levantando mais questões sobre a obscura cadeia de suprimentos e o papel de intermediários como a BAC Consulting.
Nem é preciso dizer que, se for permitido que Israel continue sem controle, o mundo poderá enfrentar um futuro em que nenhum dispositivo de comunicação, nenhum gadget eletrônico e nenhuma infraestrutura tecnológica estará realmente a salvo de sabotagem.
Estratégia de contra-resistência
A estratégia de alto risco e escalada de Israel contra o Líbano parece ter como objetivo forçar o Hezbollah a parar de apoiar Gaza enquanto impõe novas regras que favorecem os interesses de segurança israelenses. Essa tática, que evolui com base nas retaliações do Hezbollah, ameaça mudar o equilíbrio de poder na região. O bombardeio por pager pode ser apenas o começo de um plano mais amplo para usar infiltrações tecnológicas e de segurança para interromper a resistência e causar medo em sua base de apoio popular.
A resposta do Hezbollah foi inequívoca: o Secretário-Geral Hassan Nasrallah prometeu em seu discurso televisionado na quinta-feira que a organização aplicaria uma “retribuição dura e punição justa, onde [Israel] espera e onde não espera”.
O chefe da resistência libanesa também acrescentou: “Recebemos mensagens de que o objetivo por trás deste ataque é interromper os combates na frente libanesa, e ameaças de que haverá mais se não pararmos”, mas concluiu com um aviso a Tel Aviv de que o Hezbollah não deixará de apoiar a resistência em Gaza sob nenhuma circunstância.
Essa mudança nas regras de engajamento, onde civis são alvos não apenas no campo de batalha, mas em suas casas, ameaça mergulhar o mundo em uma nova era de insegurança e incerteza. Governos e cidadãos devem agora lidar com a possibilidade de que o próximo dispositivo que comprarem possa ser usado como arma contra eles, à medida que a agressão de Israel vai além da guerra tradicional para o reino do terror global.
A determinação da resistência em revidar deixou claro que o confronto com Israel vai aumentar, e o mundo precisa decidir como lidar com uma ameaça crescente que transcende fronteiras e afeta todos os cidadãos. O futuro depende de quão rápida e eficazmente o mundo civilizado pode agir para evitar mais atrocidades, mas para isso, eles precisam primeiro deter Israel – que deu origem à armamentização da tecnologia de consumo – punindo-o.
–
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Amyra El Khalili.
Gaza. Foto: Motaz Azaiza