“Sala ou sauna?”: alunos e professores sofrem com calor extremo no Rio de Janeiro

Mais de 100 escolas reclamaram do problema; de nove candidatos a prefeito, cinco prometem melhorar estrutura

Por Danilo Queiroz | Edição: Bruno Fonseca, em Agência Pública

São 12h30. O intervalo do almoço se encerra. Em meio a um calor de 38 graus, em Guaratiba, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, 35 crianças de 11 a 14 anos correm pela rampa de acesso até chegar na sala de aula, sem ventilador e ar-condicionado.

“Professora, é sala ou sauna?”, pergunta um dos alunos de Thamires*, que prefere não ser identificada. Anos atrás, a dúvida do garoto era interpretada por ela apenas como uma brincadeira.

Guaratiba tem registrado recordes de temperaturas na cidade. Neste ano, em janeiro, segundo o Sistema Alerta Rio, órgão meteorológico da prefeitura, a região atingiu sensação térmica de 59,5 °C. Em março, chegou a 62,3 ºC.

Na segunda semana de setembro, o problema se repetiu. Os termômetros na região chegaram a marcar 38 ºC, problema agravado pela baixa umidade e fumaça das queimadas que cobriam o Brasil.

“Eu me sinto sufocada. Seja literalmente pelo ar poluído que temos respirado nesses últimos dias, seja por me sentir impotente durante as aulas. Eu ensino, faço atividades, mas os alunos não compreendem a dimensão do que temos passado. Ouvem em casa que [o calor] faz parte da natureza do Rio”, diz Thamires.

Por que isso importa?

  • Regiões do Rio como Guaratiba têm registrado recordes de calor com maior frequência, com sensação térmica passando dos 60ºC.
  • Levantamento do ano passado feito pelo Sindicato de Professores da Rede Pública do Rio de Janeiro mostra que 168 escolas e creches reclamaram da falta de ventiladores e ar-condicionado.

Problema histórico

Há 11 anos, antes de ser professora de história no ensino fundamental da escola municipal localizada em Guaratiba, Thamires* foi diretora da mesma escola. Mesmo assumindo um cargo de gestão, ela conta que a climatização das salas de aula, na época, já não era vista como uma necessidade fundamental pela Secretaria Municipal de Educação. “Inúmeras foram as vezes que solicitei para a instalação dos ar-condicionados. Informavam que eu precisava ter paciência, que deveria agradecer pela entrega dos dez aparelhos. Como ter paciência sabendo que crianças da educação infantil choravam com o excesso de calor na hora do soninho?”, diz.

Saindo da direção e assumindo a sala de aula, ela conta que os mesmos ares-condicionados ainda permanecem sem instalação. Segundo ela, estão hoje num depósito da escola à espera de serem instalados após a reforma no quadro geral da rede elétrica da unidade, que segue com atrasos. “Mais que desperdício público, é uma atitude desumana. Tão importante quanto um piloto e um quadro, hoje em dia é uma sala de aula climatizada.”

Para além do suor escorrendo pelo corpo, ela percebe que as crianças tendem a ficar mais desatentas e violentas. “Tem aluno que me diz: ‘Tia, é melhor faltar aula e ficar em casa, que lá pelo menos tem ventilador’. Isso afeta minha relação com a sala de aula, altera o meu humor, transpiro muito, tenho vergonha tanto disso quanto de ver aluno meu faltando pelo mínimo que uma escola deveria ter.”

A quantidade de escolas sem ar-condicionado no Rio é motivo de disputa. A reportagem questionou a prefeitura sobre quantas são, que não respondeu até a publicação. A Secretaria Municipal de Educação informou que “nesta gestão do prefeito Eduardo Paes foram investidos R$ 179,6 milhões em climatização.” Também disse que “97,2% das unidades estão climatizadas” e que “já foram adquiridos mais de 6000 aparelhos de ar-condicionado”. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2023, 12,4% das escolas do município não possuíam climatização.

Em um levantamento de novembro de 2023 realizado pelo Sindicato de Professores da Rede Pública do Rio de Janeiro (Sepe), 168 escolas e creches questionam a falta de ventiladores, ar-condicionado e manutenção dos bebedouros nas escolas municipais e estaduais do município. Após a publicação da reportagem, a assessoria da prefeitura reforçou que só 3% das escolas atualmente estariam sem climatização.

Em algumas unidades, a climatização também foi reivindicada nas cozinhas, sob a justificativa de que as merendeiras estavam passando mal por conta do calor. “A cozinha da escola, no verão, atinge mais de 50 ⁰C na hora que estamos preparando a merenda. Isso é insustentável! Uma escola não se resume apenas a sala de aula”, explica uma merendeira que atua numa escola municipal em Bangu.

Hoje, após um ano, a categoria não enxerga nenhum avanço. Na segunda semana de setembro, uma assembleia foi realizada na sede do sindicato, com a presença de 50 professores, a fim de discutir a climatização das escolas, após novas reclamações. Os nove candidatos à prefeitura foram convidados para participar da reunião. Apenas três compareceram: Tarcísio Motta (PSOL), Juliete Pantoja (UP) e Paula Falcão, candidata à vice na chapa do Cyro Garcia (PSTU). Ao final da assembleia, uma carta foi encaminhada para todas as candidaturas, exigindo melhorias na educação, entre elas a climatização das escolas.

“Diversas reuniões foram solicitadas com o secretário municipal de Educação, Renan Ferreirinha. Nenhuma das vezes ele compareceu, apenas seus assessores. Se não tem responsabilidade com suas atribuições, com os alunos, educadores e funcionários, por que aceita a função?”, questiona Helenita Bezerra, uma das coordenadoras do Sepe. A reportagem questionou a prefeitura sobre a participação do secretário, que não respondeu até a publicação.

Bezerra explica que a última reunião realizada neste ano foi solicitada em caráter emergencial para discutir a violência nas escolas do Complexo da Maré. Ferreirinha não compareceu.

Com calor e sem água

As dificuldades provocadas pelo calor não se restringem apenas às salas de aula. Joniel* é professor de educação física de uma escola municipal localizada na Vila Kennedy, bairro vizinho a Bangu, que atende crianças de 1 a 13 anos, da educação infantil até o ensino fundamental. A região de Bangu é historicamente uma das com as maiores temperaturas no município do Rio de Janeiro. Inclusive, desde 2004, o bairro não possui uma base meteorológica própria, o que leva a região de Guaratiba a liderar com as maiores temperaturas.

Apesar de dar 13 aulas semanais pela manhã e à tarde na quadra poliesportiva, o professor critica a falta de água na escola, que não dispõe de nenhum banheiro com chuveiros. “Há 20 anos, quando entrei na escola, o vestiário funcionava normalmente, as crianças tomavam um banho após a aula. Hoje, o vestiário virou um depósito. Por conta do calor em excesso e da falta de água, passei a ter menos alunos interessados nas aulas.”

Segundo ele, a falta de água tem levado à suspensão das aulas pela direção da escola. Além disso, a situação estaria gerando até mesmo bullying contra as crianças que transpiram mais.

“Quando é o dia da aula de educação física, é praticamente impossível dar prosseguimento dentro da sala regular. Eles retornam muito agitados, suando, gritando uns com os outros”, conta uma outra professora, que atua numa escola próxima ao Complexo Penitenciário de Gericinó, antigo Complexo Penitenciário de Bangu. “Pela falta de água na escola, na semana passada, perdemos três dias de aula. Somente dois dias tivemos aulas regulares”, acrescenta.

Por conta da proximidade com o presídio, ela explica que é comum que os alunos filhos de detentos se refiram ao calor com mais ódio. Isso porque trazem para a sala de aula reclamações trazidas por seus pais, por vezes, amigos de detentos que acabaram morrendo por complicações provocadas pelo calor. Em 2018, três detentas morreram por questões relacionadas, além da falta de água nas celas.

Apesar do material didático da prefeitura ter uma seção específica sobre as mudanças climáticas, a professora comenta que “é ainda muito novo”. “Eles [os alunos] não conseguem ter dimensão desses efeitos. Agora que pararam para perceber que as estações do ano não são tão bem definidas como trazem os livros, por exemplo”, diz.

“Tenho perdido a vontade de vir assistir aula”

Não é apenas nos bairros mais afastados do centro que registram as maiores temperaturas, que o calor toma conta das salas de aula. No Ciep Tancredo Neves, escola municipal localizada no Catete, na zona sul, o problema é o mesmo.

Mesmo estando numa área considerada de elite, inclusive, a 500 metros da praia do Flamengo, alunos reclamam diariamente das altas temperaturas. “Com o calor que escorre pelo corpo tenho perdido a vontade de vir assistir aula”, comenta um aluno de 10 anos de idade. “Fica difícil aprender depois do recreio porque a sala está muito quente”, diz um outro, de 11 anos. “Adoro ficar na sala do colaboratório porque lá é geladinho”, conta uma outra aluna, de 7 anos.

A sala a que ela se refere é a sala de informática, entregue em março de 2023, após a escola se tornar um Ginásio Educacional Tecnológico (GET). Segundo a professora, o espaço é o único que possui ar-condicionado em meio a outras 20 salas regulares.

“Eu enxergo [o ginásio tecnológico] como uma máquina de propaganda eleitoral do prefeito Eduardo Paes. Basicamente, as escolas que se tornaram GET receberam uma sala com impressora e computadores, além de um ar-condicionado. Não é nada além disso”, critica um dos professores do Ciep Tancredo Neves, que prefere não ser identificado. Atualmente há mais de 200 GETs na cidade do Rio, o primeiro foi inaugurado em março de 2022. O prefeito Eduardo Paes (PSD) prometeu aumentar para 500, caso seja reeleito.

O professor descreve que as salas de aula não foram projetadas para receber ventilação natural, agravando assim o superaquecimento dos espaços. Além disso, explica que nem todas as salas possuem ventiladores. O problema também se acentua quando há falta na manutenção dos bebedouros. Tanto alunos quanto professores e funcionários acabam precisando trazer água de casa. Segundo ele, a situação demora alguns dias para que se possa resolver.

“Por isso, muitos professores desistem. No concurso que entrei, cinco colegas pediram para serem exonerados. Gostariam de estar aqui, mas não aguentaram trabalhar pingando de suor, sem água para beber. Eu mesmo me pego pensando se vale a pena”, conta.

Candidatos a prefeito têm propostas abstratas para lidar com problema

Entre os planos de governo dos candidatos à prefeitura do Rio, cinco entre nove citam diretamente a climatização das escolas. Quatro planos não fazem menção alguma.

Para além de aumentar os ginásios tecnológicos, Eduardo Paes promete “recuperar a infraestrutura das escolas, sobretudo no que diz respeito a garantir a climatização de todas as salas de aula”. Tornar o Rio de Janeiro a primeira capital do país resiliente às mudanças climáticas e em matrículas com ensino em tempo integral está também em suas prioridades. Apesar de não haver menção direta ao calor, nem mesmo em outras regiões da cidade, Paes pretende “criar o projeto ZN Verde, que visa produzir mudas em larga escala para arborizar e reduzir as ilhas de calor na zona norte da cidade”.

Alexandre Ramagem (PL), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) do governo de Jair Bolsonaro, promete aumentar a caga horária das escolas públicas para 7 horas e “turno integral, de 10 horas, nas comunidades mais vulneráveis”. O candidato também promete “instalar ar-condicionado em todas as unidades, modernizando metodologias educacionais”.

No ensino fundamental, Tarcísio Motta promete “redução progressiva do número de alunos por sala de aula”, “climatização e adequação acústica das salas de aula” e “estabelecimento de metas para que 75% da comida servida nas unidades da rede municipal de ensino seja produzida a partir dos princípios da agroecologia”. Além disso, por meio do programa Escola de Portas Abertas pretende transformar as escolas em pontos de cultura e acesso ao lazer.

As creches municipais estão também incluídas no processo de climatização do candidato à prefeitura Marcelo Queiroz (PP). Por meio de um programa amplo de reformas nas escolas, ele promete “realizar diagnósticos estruturais em todas as unidades escolares para identificar as necessidades prioritárias de reforma”, somado à “implementação de medidas sustentáveis, como captação de água da chuva, energia solar e gestão de resíduos, nas escolas reformadas para promover práticas ambientais responsáveis”. No seu plano de governo, ele cita também o uso de biometria dos estudantes para entrada nas escolas, detectores de metais em áreas vulneráveis para prevenir atos de violência, além de psicólogos em todas as unidades.

É por meio de parcerias público-privadas que a candidata Carol Sponza (Novo) prevê combater a falta de ares-condicionados, ventiladores e sobrecarga da rede elétrica nas escolas. No seu plano, apesar de haver menções à educação e ao meio ambiente, não há propostas claras de como os cidadãos vão lidar com isso, como o “desconto no IPTU para residências e estabelecimentos que promovam medidas socioambientais em seus imóveis”.

Apesar de fazer menções à educação pública e às mudanças climáticas, o candidato Cyro Garcia não apresenta nenhuma proposta específica a respeito. O programa menciona apenas “inclusão da educação ambiental no currículo do ensino municipal” e “ampliação dos serviços públicos de preservação ambiental, para controle e fiscalização de emissão de poluentes”.

Não há propostas específicas também no plano do candidato Rodrigo Amorim (União). Ele, que atualmente é deputado estadual, promete militarizar o ensino em caráter de urgência, caso seja eleito. Apesar de possuir um tópico específico sobre infraestrutura educacional, não há menção alguma a melhorias de infraestrutura das escolas, apenas dados referentes aos gastos em educação pública.

Quem também não cita climatização e outras melhorias infraestruturais nas escolas é o candidato Henrique Simonard (PCO). Em seu plano, apesar de mencionar que “a educação está cada vez mais infiltrada pelo setor privado e com um orçamento cada vez menor”, não há propostas específicas. O mesmo ocorre com questões ligadas ao meio ambiente, que não chega nem a ser citado.

A candidata Juliete Pantoja cita “o avanço da crise climática”, referenciando os desastres ocorridos no Rio Grande do Sul, mas não apresenta propostas concretas a respeito. Em seu plano, ela propõe uma política de replantio de árvores por toda a cidade, universalizar o saneamento básico e iniciar um processo de veículos elétricos e híbridos na frota de ônibus e vans. Ela também promete “climatizar 100% de todas as escolas no primeiro ano de governo” está em suas prioridades de governo.

Matheus Pigozzi/Agência Pública

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