Por Zoraide Vilasboas*
Prestes a completar três meses do furto, em São Paulo, de fontes geradoras de radiofármacos, sem que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) tenha divulgado a “descrição completa” do episódio e “das ações que foram adotadas, inclusive detalhes técnicos de interesse público”, como afirmou que faria, a Articulação Antinuclear Brasileira adverte para o público em geral e profissionais do setor que é obrigatório evitar exposição significativa à radiação ionizante gerada no transporte desses produtos.
Radiofármaco é uma substância química – associada a um elemento radioativo – usada para diagnósticos e tratamentos médicos. O furto do veículo que transportava o material radioativo, teve grande repercussão na imprensa, com críticas severas à atuação da CNEN, órgão responsável pelo controle das práticas atômicas no Brasil de forma a evitar os riscos pessoais e coletivos inerentes a estas atividades.
O material radioativo furtado em São Paulo ficou à deriva entre ferro-velho e outros destinos. A CNEN levou cinco dias para comunicar o roubo e em nota informava “tratar-se de material representando risco radiológico muito baixo para a população e o meio ambiente”, mas alertando, ao mesmo tempo, que “a manipulação inadequada pode vir a causar danos à saúde”.
A demora em informar o roubo e a falta de clareza sobre o que acontecia revelaram falhas graves no sistema de transporte e regulamentação desses materiais perigosos, além de levar dúvidas e preocupação à sociedade, aumentando a desconfiança na capacidade da CNEN desempenhar seu papel. Um temor justificado, já que o setor nuclear costuma minimizar o potencial do perigo que envolve acidentes e extravios de produtos radioativos.
Como a CNEN não prestou esclarecimento público até agora sobre o assunto, a AAB solicitou ao engenheiro em física nuclear Bruno Chareyron, da Comissão de Pesquisa e Informação Independente sobre a Radioatividade (CRIIRAD) da França, para avaliar quais cuidados o povo brasileiro precisa adotar diante da insegurança nuclear e em radioproteção que caracteriza o programa nuclear brasileiro.
A CRIIRAD é uma ONG francesa, criada após a catástrofe de Tchernobyl com fim de conhecer a real situação da contaminação radioativa na França, diante das falsidades dos comunicados oficiais. Reconhecida pela independência do Estado, pela qualidade técnica de seus especialistas e laboratórios de pesquisa, se destaca pela isenção ante a fortíssima influência registrada pela indústria nuclear no mundo no âmbito da física nuclear. A CRIIRAD atua nas regiões de impacto das usinas francesas e monitora os efeitos dos acidentes de Tchernobyl, Fukushima (Japão) e de minerações de urânio. Por três vezes (2012, 2014 e 2018) realizou avaliações ambientais na mineração da INB (Industrias Nucleares do Brasil) em Caetité (BA) revelando resultados assustadores.
Destacando a importância de se chamar a atenção do público em geral e dos profissionais do setor para a significativa exposição à radiação ionizante causada pelo transporte de radiofármacos, Bruno revelou que as medições que fez na França como parte das missões CRIIRAD mostram que, mesmo em situações normais, a radiação emitida via veículos que entregam fontes radiofarmacêuticas a hospitais ou aeroportos para transporte de longa distância pode ser detectada a uma distância que chega até a dezenas de metros.
“Portanto, o público deve ser alertado de que, quando o símbolo de radioatividade (o trevo) aparecer em uma embalagem ou em um veículo, é melhor ficar à distância e limitar o tempo de permanência,” disse. Para ilustrar sua informação nos enviou um link de um vídeo que mostra a alta radioatividade em contato com embalagens de transporte de radiofármacos (Mo 99 / TC 99m) recebidas em 31 de maio de 2012, no aeroporto de Roissy, em Paris.
O vídeo informa que os centros de recepção e triagem de pacotes de materiais radioativos são áreas de alto risco. Alguns desses contêineres podem ser altamente irradiantes e seu acúmulo leva a níveis preocupantes de irradiação. O laboratório CRIIRAD realizou verificações em “baldes” contendo molibdênio 99 e tecnécio 99m, um produto radioativo para uso médico (quando o molibdênio 99 se desintegra, ele produz tecnécio 99 metaestável, que é usado na medicina nuclear, especialmente para cintilografia). A uma distância de cerca de quinze centímetros da parede do contêiner, a taxa de dose chega a 400 microSieverts por hora (µSv/h); em contato com a parede, a intensidade da radiação chega a 1,7 miliSieverts por hora (mSv/h). O CRIIRAD observou que alguns trabalhadores carregam esses baldes pela alça, um em cada mão.
* Zoraide Vilasboas – ativista socioambiental pelos Direitos Humanos e da Natureza e facilitadora da AAB
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Ilustração – Arquivo AAB