Menandro Ramos*
(Para Amelinha, que está prestes a nascer)
O meu amigo de gorro vermelho e pito me perguntou se eu não iria colaborar com o apelo da jornalista Zoraide Vilasboas, no sentido de tentar dissuadir o governo em relação à construção da usina nuclear de Angra 3, perigo iminente futuro, segundo estudiosos e especialistas na área. Respondi-lhe que sim, tão logo me desvencilhasse de uma porção de problemas pendentes que eu precisava resolver com urgência. Isso no início do mês. Durante as semanas que se sucederam, ele sempre me dava um toque: “e aí chefia, tá lembrado do setembro amarelo?” E eu repetia o mesmo de sempre, que estava lembrado, que não tinha como esquecer o texto que eu prometera.
Hoje, porém, ele apelou. Falou-me que o mês estava acabando e eu não desenrolava esse texto. Perguntou-me se Anísio Teixeira fosse vivo, também procrastinaria essa escrita e se ficaria indiferente aos perigos que rondavam Caetité e redondezas com a tal mina de urânio.
Mais uma vez, pedi-lhe calma dizendo que setembro ainda não havia acabado e ele então apelou:
– Chefia, aproveite esse belo dia, 25 de setembro, com a Primavera fulgurante dando os seus primeiros passos, data marcada para sua netinha vir ao mundo, para marcar sua posição firmemente, e sem muito lero-lero. Pense em Amelhinha, ou Amélia Catarina, ou em Ícaro, pense no que será deles e em todos os netos do mundo se os avôs e avós deste Planetinha Azul não se posicionarem em relação à insegurança e perigos que encerra a energia nuclear… Reflita sobre isso!
Percebendo no meu rosto minha expressão desconsertada, o pilantrinha continuou.
Eu já li e posso lhe provar que a energia nuclear já era, que está em declínio, como afirma o cientista de observação atmosférica e terrestre, Farrukh A. Chishtie – líder da Fundação Sociedade Pacífica, Ciência e Inovação (de atenção a comunidades afetadas por mudanças climáticas, guerras e pandemias) – e também assegura o professor M.V. Ramana, da Cátedra em Desarmamento, Segurança Global e Humana na Universidade da Colúmbia Britânica (Vancouver, Canadá), membro do Grupo Internacional de Avaliação de Risco Nuclear e da equipe responsável pelo Relatório Anual sobre o Status da Indústria Nuclear Mundial. Portanto são cientistas com conhecimento de causa, com anos de investigação sobre os efeitos nefastos da energia nuclear. No artigo intitulado ”Triplicar a energia nuclear até 2050 exigirá um milagre, e milagres não acontecem” comprovam, com dados reveladores, o fracasso da indústria nuclear e desmontam a ilusão da possibilidade de expansão da energia nuclear no mundo. Você pode conferir esse artigo no site “downtoearth” e também em vários blogs brasileiros, como o Combate ao Racismo Ambiental, inspirados nas atividades do Setembro Antinuclear sobre o polêmico Programa Nuclear Brasileiro.
É bem verdade que muitos minimizam o risco dessa exploração energética por motivos diversos. E aqui eu nem vou entrar no mérito se são de boa-fé, se são ingênuos, ignorantes ou se foram cooptados por narrativas que atendem ao interesse do “capetal” ou dos interesses dos senhores da guerra, que se valem da ciência para perpetuarem a condição de classe hegemônica.
É inegável que a energia nuclear tem sido um tema controverso desde o seu surgimento, especialmente por suas implicações no que diz respeito aos benefícios que pode trazer para a humanidade e os riscos a ela associados. Em muitos aspectos, a energia nuclear é vista como uma solução potencial para a crise energética global, oferecendo uma alternativa aos combustíveis fósseis e suas consequências ambientais. Qualquer criança de colo já tem ciência disso hoje. Até aí morreu Neves, como diziam em Caetité. Entretanto, sua utilização também levanta questões éticas e de segurança que não podem ser ignoradas.
Você como educador precisa costurar com seus pares a necessidade cada vez mais urgente desse tema ser trazido para os currículos escolares, se ainda forem tratados timidamente nos espaços pedagógicos. E em todos os níveis. Do mais elementar ao superior. A educação nuclear precisa ser amplamente pautada, pois é fundamental que a sociedade compreenda os benefícios e os riscos, capacitando indivíduos a tomar decisões bem fundamentadas sobre recursos energéticos e políticas de segurança.
Por um lado, a energia nuclear tem o potencial de fornecer uma enorme quantidade de eletricidade com baixa emissão de carbono, o que é crucial no enfrentamento das mudanças climáticas e perrengues instalados. Nenhum filho de Deus ou do capeta pode negar essa verdade. Talvez nem os pós-modernos que negam a existência da verdade, ainda que não defenda o terraplanismo… Por outro lado, o risco de acidentes nucleares, bem como o desafio do gerenciamento de resíduos perigosos, apresenta uma ameaça significativa para a humanidade. Quem é o tonto que pode ter esquecido os exemplos de perdas de controle na energia nuclear, como o desastre de Chernobyl – estimativas apontam entre 4 mil a 90 mil mortos, em 1986, e o acidente de Fukushima – mais de 15 mil mortos e mais de 3 mil pessoas desaparecidas, em 2011? Esses dois casos ilustram bem a gravidade dos perigos associados. Tais eventos não apenas resultaram em consequências ambientais devastadoras, mas também impactaram a saúde e o bem-estar de milhares de pessoas.
A Educação nuclear, com E maiúsculo, portanto, desempenha um papel fundamental na prevenção de tais desastres. Quando as pessoas são informadas sobre como a energia nuclear funciona, seus potenciais riscos e benefícios, e as melhores práticas de segurança, é mais provável que se envolvam em diálogos produtivos e decisões responsáveis sobre seu uso. Isso pode estimular uma abordagem mais crítica e consciente em relação à energia nuclear, promovendo um desenvolvimento sustentável e minimizando os riscos.
Mas se há dúvidas, que se favoreça o réu – in dubio, pro reo – como dizem os doutos do Direito. E há dúvida sim, conforme vozes abalizadas pelo mundo afora. E os “réus” nesse caso, são os que vão sofrer as consequências imediatas, por estarem próximos das usinas nucleares ou das localidades que iniciam o ciclo da produção da matéria prima, como a região de Caetité/Lagoa Real. Você mesmo não falou que ia sugerir a pesquisadores da UFBA, da área da Saúde, que investigassem se a grande incidência de câncer na região tem alguma relação com a mina de urânio de lá?
Outro ponto a ser considerado é a questão geopolítica da energia nuclear. O acesso desigual à tecnologia e o conhecimento ou a expertise atômica podem gerar tensões entre países, especialmente quando programas nucleares são associados a intenções bélicas. Ninguém precisa ser versado em questões internacionais e em imperialismo para saber que os Estados Unidos, como polícia do mundo autonomeada, decidem quem pode e quem não pode ter armas nucleares. O terrorismo de Estado praticado em Hiroshima (cerca de 35 mil pessoas morreram na hora e 100 mil nos anos seguintes, vítimas da radiação) e Nagasaki (entre 39 mil e 80 mil pessoas mortas) são o recibo da possibilidade de assassinato em massa efetuado no início da escalada deletéria do uso da energia atômica.
A emancipação humana, portanto, deve incluir não apenas a Educação sobre a energia nuclear, mas também diálogos sobre segurança, controle e acesso equitativo a essas tecnologias. Em resumo, resumidíssimo, para não esticar mais o papo, a energia nuclear é uma faca de dois legumes, como se expressava uma artista-filósofa do humor: pode ser um poderoso aliado na luta contra a crise climática, mas exige gestão e Educação rigorosas para minimizar perigos e promover a verdadeira emancipação humana, sem correr o risco de provocar destruição em massa por eventuais acidentes. Seguro morreu de velho.
Que você se junte, chefia, a outras tantas pessoas que pretendem abrir os olhos do governo Lula sobre a “chave de cadeia” ou barril de pólvora – ou seria de átomo – que pode se transformar Angra 3.
Mal o Saci terminou a bronca que me dava e o apelo que fazia para que me pronunciasse sobre o Setembro Antinuclear e o polêmico Programa Nuclear Brasileiro, eu sorri triunfante.
Ele perguntou por que eu estava sorrindo diante de algo tão sério.
Disse-lhe que depois diria. Era surpresa. Amuado, foi saindo fazendo muxoxo.
Não sabia ele que quando começara a falar eu ligara acidentalmente o microfone do Whatshapp. Ao perceber sua loquacidade, mantive o bicho ligado. Acidentes acontecem sempre. Nesse caso, foi-me positivo, pois já estava com o texto que ele me cobrara prontinho da silva, e ditado por ele, sem o perceber. Agora era só formatá-lo e fazer pequenos ajustes.
Em poucos cliques, mandei-o para a amiga jornalista. Ela que decidisse se valia a pena publicá-lo ou mandar para a lixeira.
* Menandro Ramos – Ilustrador, chargista, formado em Artes (Universidade Federal da Bahia) e Filosofia (UCSal), com Pós-graduação em Multimeios (UNICAMP) e doutorado em Educação pela UFBA. Possui graduação em Licenciatura em Desenho e Plástica pela Universidade Federal da Bahia(1979)(2008). Dedica-se atualmente a temas como Multimeios, Recursos Audiovisuais, Iconografia, Educação, Comunicação e Linguagem.
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Ilustração – Saci