A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) apresentou nesta terça-feira (1) como a perspectiva indígena pode e deve influenciar políticas públicas em diferentes áreas de atuação. Foi durante o seminário “Transversalidade da Perspectiva dos Povos Indígenas – Agenda Povos Indígenas”. O evento ocorreu em Brasília e foi promovido pelo Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Além de representantes do MPO, BID e Funai, o seminário também contou com a participação de dirigentes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério da Saúde, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), da Casa Civil da Presidência da República e da Advocacia-Geral da União (AGU).
Atuação interministerial
Como exemplo de transversalidade, a Casa Civil mencionou o esforço conjunto do Governo Federal que vem sendo feito desde 2023, envolvendo cerca de 30 órgãos, para o enfrentamento da crise humanitária na Terra Indígena Yanomami (TIY). E apresentou de que maneira estas instituições trabalham integradas e consultando as lideranças indígenas para promover os direitos individuais e coletivos dos povos Yanomami e Ye’kwana que vivem no território.
A explanação foi feita pela secretária adjunta da Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, Débora Beserra, na mesa que discutiu o tema “Da construção do problema público à definição da ação pública”. Dessa mesa também participaram a diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, Lucia Alberta, representando a Funai, e representantes do Ipea, do Ministério da Saúde, do MDS e o coordenador-geral de Direitos Sociais Indígenas do MPI, Cris Tupan, como moderador.
“Fica o nosso desafio para as próximas leis orçamentárias de conseguir trazer, a partir desses exemplos concretos, como podemos definir as nossas rubricas [dotação orçamentária] para os povos indígenas. E quando formos elaborar a política pública, que a gente mire também nos instrumentos de implementação”, sugeriu Débora Beserra.
Participação indígena
Lucia Alberta falou dos desafios enfrentados pelos povos indígenas e apresentou propostas para superá-los. Entre os desafios mencionados está a falta de reconhecimento dos direitos individuais e coletivos que protegem sua cultura, as terras tradicionalmente ocupadas, seus modos de vida e sua autodeterminação.
“Muitos desses direitos não são totalmente respeitados ou implementados, o que torna a inclusão da perspectiva indígena nas políticas públicas ainda mais urgente. Precisamos garantir que esses cidadãos tenham condições reais para o exercício de sua cidadania plena, respeitando sua diversidade cultural, social e política”, defendeu Lucia Alberta.
Considerando que a transversalidade significa integrar uma perspectiva em diversas áreas e políticas, de maneira a promover uma abordagem holística e inclusiva, a diretora da DPDS afirmou que, no caso dos povos indígenas, trata-se de integrar seus conhecimentos, cosmovisões e necessidades em políticas públicas em áreas como saúde, educação, meio ambiente e direitos humanos.
Sobre a definição de problema público como algo que afeta a sociedade e requer soluções políticas, Lucia Alberta destacou que os problemas enfrentados pelos povos indígenas — como a falta de demarcação de terras e o acesso à educação intercultural — foram invisibilizados ou minimizados ao longo dos séculos. Para que esses desafios ganhassem a devida notoriedade, o movimento indígena tem tido papel central, segundo avaliou a representante da Funai.
Ela citou como exemplo desse engajamento para incidir sobre a gestão pública a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), a qual foi construída com a participação dos povos indígenas, resultando em ações mais eficazes e sensíveis às suas realidades.
“Para que as ações públicas sejam eficazes e justas, os povos indígenas devem ser parte ativa no processo de definição das políticas. Sem sua voz, as ações podem ser ineficazes ou descontextualizadas”, pontuou Lucia Alberta, mencionando outros exemplos da participação indígena que resultaram em ações adequadas às suas necessidades. Foi o caso da participação na construção do Plano Nacional de Saúde Indígena, na Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI), no Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e no Comitê Gestor da PNGATI.
Retomada da transversalidade
O coordenador jurídico da Apib, Maurício Terena, considerou que as políticas de transversalidade não podem ser pensadas de maneira hegemônica ou universal. Para ele, a diversidade étnica do Brasil precisa estar presente no dia a dia da gestão pública.
“Historicamente, talvez nunca os povos indígenas tenham tido a oportunidade de expressar suas perspectivas e realidades de políticas públicas como agora. Sempre houve um intento de suprimir o modo de vida dos povos indígenas, mas hoje, com mais espaço, eles podem participar ativamente desses debates”, avaliou Terena durante a mesa “Retomando o debate sobre transversalidade”. Dessa discussão também participaram Pedro Marín e Ellen Accioli, do BID, e a coordenadora de Estudos e Temas Transversais do MPO, Clarice Marinho, como moderadora.
Ainda segundo Maurício Terena, os povos indígenas trazem uma contribuição significativa para o debate público brasileiro. “A existência de um Ministério dos Povos Indígenas reforça a necessidade de reestruturar nossa ideia de justiça social, ressaltando que as políticas para os povos indígenas devem ser vistas como políticas para todos, promovendo uma transformação profunda e abrangente”, destacou.
Agendas Transversais do PPA
O seminário “Transversalidade da Perspectiva dos Povos Indígenas – Agenda Povos Indígenas” faz parte de uma série iniciada em dezembro de 2023 com uma sequência de diálogos abordando as cinco Agendas Transversais e Multissetoriais do Plano Plurianual (PPA) 2024-2027: mulheres, crianças e adolescentes, povos indígenas, igualdade racial e meio ambiente.
As discussões realizadas nos seminários também são oportunidades de capacitação dos servidores públicos federais sobre a transversalidade no PPA e na Lei Orçamentária Anual (LOA), de cada uma das agendas. E servirão de subsídio para que o MPO e o BID elaborem guias metodológicos sobre os temas.
Esses guias apoiarão servidores na implementação da transversalidade de cada tema nas políticas públicas em seus órgãos. Os organizadores do evento disponibilizaram um link para quem tiver interesse em contribuir para a construção do guia relacionado à Agenda Povos Indígenas. Clique aqui.
Em paralelo, o MPO tem publicado relatórios de cada uma das cinco agendas transversais em que apresenta os programas, objetivos específicos, entregas e metas para o avanço das respectivas políticas públicas no PPA 2024-2027.
Clique aqui para conferir o relatório Agenda Transversal Povos Indígenas
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Foto: Lohana Chaves