Pesquisadora aborda conjuntura climática e alternativas para enfrentar essa realidade

Para Luciana Gatti o caminho é plantar o máximo de árvores possível e cobrar políticas de combate às queimadas do governo federal. Confira!

Por Diógenes Rabello, na Página do MST

Vivemos na atualidade um momento decisivo na questão ambiental em escala mundial, em que ela deve ser encarada como pauta primária de mudanças no rumo da nossa sociedade. A crise ambiental, nesses últimos meses, tem sido sentida de forma muito mais acelerada e intensificada no cotidiano da população. Em todos os biomas brasileiros é possível identificar os efeitos dessa crise, como enchentes, queimadas, ondas de calor, intensidades e desequilíbrio no regime de chuvas, por exemplo.

Vinculado a uma agenda de desigualdades, que atinge de forma diferenciada grupos específicos como os camponeses e a periferia das cidades, a crise ambiental é decorrente de um processo mais amplo da própria crise estrutural do sistema capitalista. Como mais uma faceta dessa crise, a busca pela renda extraordinária e novas formas de acumulação, tem avançado em formas cada vez mais extrativas e predatórias de exploração dos bens comuns da natureza, combinada com a intensificação da exploração da força de trabalho.

Para tratar sobre o tema, a página do MST conversou com a Coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), dra. Luciana Gatti. Confira a entrevista na íntegra:

Para iniciarmos, como você analisa o que está acontecendo com o clima do Brasil na atualidade?

Primeiro, tudo está conectado na natureza, e segundo, que a condição climática ela compromete o funcionamento da vegetação. Então, o que a gente está vendo é que quanto mais desmatado um local, menos chove nele e a temperatura é mais alta, principalmente durante a estação seca, que compreende esses meses entre agosto e outubro.

O desmatamento por si só representa uma emissão de carbono, porque você mata a planta e a parte que fica ali vai decompondo. Mas também representa uma emissão indireta, porque a floresta que continua lá vai sentir falta da floresta que não existe mais e vai ficar mais quente, mais seco. Então, a condição climática original para aquela floresta que continua lá funcionar, já não tem mais.

Como isso acontece?

Então, a floresta sofre falta de água e temperatura alta, a vegetação fecha os estômatos. Ela tem os buraquinhos, chamados de estômatos, por onde ela faz a fotossíntese. Mas ela abre o esporo para fazer a fotossíntese. Quando se perde água por conta da seca, ela não abre. Aí ela não faz fotossíntese, que é quando absorve o CO2. Aí o CO2 aumenta, então vira uma fonte de emissão de CO2. Então é uma reação em cadeia. E aí quanto mais isso acontece, mais acelera a mortalidade das árvores, cada vez você tem menos floresta. Cada vez o clima vai ficando mais seco, mais quente e a estação seca cada vez mais prolongada.

E como a Amazônia é um corpo gigantesco que joga na atmosfera quase que a mesma quantidade de água que o rio Amazonas joga no oceano, nós estamos afetando não só o Brasil inteiro, a América do Sul inteira, mas o mundo inteiro.

E como chegamos a essa situação?

Durante o governo Bolsonaro, o desmatamento disparou. Não foi só na Amazônia, foi no Brasil inteiro. A gente está acelerando as mudanças climáticas no Brasil por conta desse projeto de transformar o Brasil na fazenda do planeta, exportar soja, exportar carne. Está desmatando. Isso a gente vai acelerando cada vez mais as mudanças climáticas, surgindo mais secas intensas. Mas acelera também os eventos extremos, porque nós estamos tirando.

A Amazônia é o nosso airbag climático, sabe? É como se ela reduzisse a chegada da mudança climática no Brasil, só que desmatando absurdamente do jeito que foi desmatado a partir de 2019, tivemos o efeito contrário. A gente acelerou as mudanças climáticas no Brasil porque reduziu árvores, o que acabou por reduzir a chuva e, consequentemente, aumentou a temperatura e as emissões de carbono. Por conta dessa compreensão de que o Brasil é o celeiro do mundo, tem uma alta produção de commodities e, a partir de 2019, os eventos extremos foram acelerados por causa dos impactos que essa produção causa na dinâmica da natureza. O número de mortes em quatro anos saltou de 60 para quase 500 por ano por conta de eventos extremos.

Qual é o jeito da gente tem de se proteger?

Plantar o máximo de árvore que der conta.” – Luciana Gatti.

Instituições especializadas, como o MapBiomas e o INPE, têm coletado e sistematizado dados alarmantes sobre as queimadas e o desmatamento no Brasil. O que esses dados revelam, sobre os padrões no uso e ocupação do solo?

O Brasil inteiro está extremamente seco e quente, portanto, deixando a vegetação altamente vulnerável ao fogo por culpa do desmatamento, não só na Amazônia, mas em todos os ecossistemas. A outra resposta é política. Evidentemente que há uma ação coordenada no Brasil inteiro. No Estado de São Paulo começaram todos no mesmo dia, na mesma hora. E em segundo lugar, todo o ano o pessoal queima o canavial e é mais barato para eles queimarem a cana-de-açúcar e colher queimada. Então, esse papo furado de que tiveram prejuízo, não! Eles fazem isso todo ano. 

Você falou de arcar com os prejuízos. Poderia comentar sobre qual o impacto direto dessas queimadas na biodiversidade e para a população?

Inúmeros animais foram queimados vivos e foram assassinados. Então, a perda da biodiversidade foi gigante. É cruel. Isso deveria ser considerado crime hediondo. A gente perdeu mais vegetação, então o ano que vem vai estar pior ainda. Isso é que nem uma bola de neve descendo a montanha, ela vai ficando cada vez maior. O ano que vem vai estar mais seco ainda porque as queimadas retiraram a cobertura vegetal.

A gente tem que pressionar o Governo Lula para decretar estado de emergência no Brasil inteiro e proibir terminantemente qualquer desmatamento e queimadas no Brasil e ter penalização compatível com o tipo de crime para quem pratica.

O proprietário das terras deveria perder a propriedade, ser tomada pelo Estado e feita a Reforma Agrária nessas áreas como resposta.”

A gente tem que fazer um movimento para exigir providências, porque quem está fazendo isso é o agronegócio. E o Governo Lula está favorecendo o agronegócio, infelizmente. O Plano Safra foi gigantesco para o agronegócio e pequeno para a Agricultura Familiar. Então, a gente tem que cobrar do governo federal.

O agronegócio é o problema. O agronegócio está reduzindo a vegetação, que é a responsável por resfriar a temperatura, manter a umidade para nos proteger nas ondas de calor. Porque onda de calor mata. E aí vem o prejuízo para o ser humano.”

Poluição mata por problemas pulmonares e cardíacos. Com certeza muita gente morreu no Brasil nos últimos 15 dias, por culpa das queimadas. Velhos e crianças. Então, é um crime hediondo que deveria estar sendo altamente punido.

Do ponto de vista da Constituição Federal, quando a gente fala em função social da terra, é inconstitucional não garantir a qualidade ambiental e conservação dos recursos naturais, como faz o latifúndio e o agronegócio, além que não tornarem a terra produtiva. Como você entende essa relação entre a concentração fundiária e os crimes ambientais?

O caráter improdutivo e o desequilíbrio ambiental, tudo isso é isento de imposto. Está esgotando os recursos hídricos também. Para quem? Quem ganha? Só a burguesia agrária que ganha. Ela emprega pouquíssimas pessoas e enche o ambiente de veneno, nos envenena. E são vários tipos de veneno para insetos, para outras plantas, e tem ainda quem joga de avião. A água que a gente bebe tem 5 mil vezes mais quantidade de agrotóxicos que é permitido na União Europeia.

O governo Lula entrou e a autorização para liberação de venenos continua no Ministério da Agricultura e não na Anvisa. Isso é uma questão de saúde, não pode ser uma decisão política. Está matando gente de câncer. O câncer está aumentando em áreas agrícolas, áreas da soja.

Observando ainda os dados, podemos perceber que os focos de incêndio coincidem com áreas de expansão da fronteira agrícola e de especialização produtiva do agronegócio, como o MATOPIBA e a AMACRO. 

É uma loucura o que está acontecendo. Nós estamos no início de setembro e os dados de desmatamento já mostram que superou 2021, 2022 e 2023. Quando você olha por mês, você vê que foi um fevereiro nunca visto nos anos anteriores. E aí, aonde estão concentrados esses dados? A maior parte está no Mato Grosso, Pará e Roraima.

O satélite enxerga quem está desmatando. E aí o Ministério do Meio Ambiente está embargando.

Então, o que provavelmente aconteceu?

Combinaram o dia do fogo e está todo mundo tacando fogo como método de desmatamento porquê? Por conta do desmatamento acumulado e por conta das mudanças climáticas nós estamos vivendo um período super seco. Então, a floresta está mais inflamável, é mais fácil de matar as árvores, porque quando ela está úmida, o fogo não adentra. Mas como ela está super seca, então eles estão usando o fogo como método novo de desmatamento.

Essa sobreposição de áreas de desmatamento e queimadas com as áreas de produção de commodities é proposital. É roubo de terra pública e crime ambiental.”

Por que o governo federal não pega todas as terras públicas que tem e demarca como Terra Indígena, ou faz reserva ecológica por decreto, todas para parar com esse roubo de terra?

Por fim, o que você avalia como estratégico nesse momento? Como podemos nos posicionar em relação ao enfrentamento à crise climática, em relação a identificar os inimigos do clima e apontar saídas para essa situação?

Bom, tem dois focos de análise do aspecto climático. O primeiro ponto é que a nossa única solução é plantar o máximo de árvores que a gente conseguir, isso é fundamental. Onda de calor mata, e mata muitas pessoas. Então é plantar árvores o máximo em volta de nascentes, em volta dos rios, para deixar eles cada vez mais saudáveis e protegidos.

Em termos políticos, que é o outro aspecto, eu acho que a gente deve ir para as ruas exigir dos prefeitos, governadores e o governo federal que tomem providências imediatas para apagar esse fogo e coloque os culpados na cadeia e, fundamental também, que tome as propriedades dos incendiários. O Tarcísio disse que não ia montar uma brigada de incêndio, que não precisava, pois, cada empresa já tem a sua. Isso demonstra uma falta de interesse em combater os crimes ambientais. Então assim, esse povo está é tacando fogo na gente e a gente está quieto.

*Editado por Solange Engelmann

Plantio de Árvores no acampamento Aliança, área ocupada pelo MST em Bauru/SP. Foto: Ana Moreira

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